PENUMBRA Tela Acampamento dos sansculottes, feita na França por volta de 1790

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, em 1816, o pintor Nicolas-Antoine Taunay já era uma grande estrela das artes plásticas francesas – até mais que seus companheiros de viagem Jean-Baptiste Debret e Grandjean de Montigny. Com uma carreira consolidada, trabalhara na Itália e foi o retratista preferido das personalidades mais célebres de Paris, inclusive Napoleão Bonaparte. Apesar de tamanha experiência, desde o início sofreu para adaptar seus olhos europeus ao ambiente tropical. Reclamava da luz da América, que achava brilhante demais, julgou “excessivos” os tons de verde das matas e classificou de “exagerado” o azul do céu carioca. Mesmo com tantos resmungos, Taunay acabou por se adaptar, criando obras-primas durante sua estada no Brasil. Aclimatou- se tão completamente que ao voltar à Europa, em 1821, muitos críticos identificaram em suas telas uma luminosidade típica das terras tropicais. Todas as fases de Taunay – antes, durante e depois de sua passagem pelo Rio de Janeiro – estarão representadas na exposição Nicolas-Antoine Taunay no Brasil: uma leitura dos trópicos, que será aberta dia 6 de maio no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio, dentro das comemorações pelos 200 anos da chegada da família real ao País.

A exposição reúne 71 pinturas vindas de vários países. Além dos quadros de acervos brasileiros, figuram peças do Palácio de Queluz, em Portugal; do Victoria & Albert Museum, de Londres; da Oliveira Lima Library, de Washington, e do Palácio de Versailles, entre outros. “Não queríamos ficar restritos ao período em que Taunay esteve no Brasil, mas dar pela primeira vez uma idéia mais completa da obra desse grande artista”, diz a historiadora e curadora Lilia Moritz Schwarcz. A mostra faz justiça ao pintor, que conseguiu estabelecer um diálogo original entre as suas diversas fases, representadas pelas telas classicistas francesas, as paisagens de Roma e as vistas tropicais. Ainda que à custa de algum aborrecimento. “No Brasil, ele foi considerado francês demais, por usar cores temperadas e sem brilho. Quando voltou à França, foi considerado brasileiro demais, por incorporar a luminosidade às suas obras”, diz Lilia. Na mostra, o contraste entre essas diferentes fases fica claro ao comparar o escuro quadro Acampamentos dos sansculottes, datado de 1790, e a luminosa tela Vista do Largo do Machado em Laranjeiras, pintada no Brasil, em data não especificada. Boa parte do trabalho de Taunay durante sua temporada no Rio foi dedicada a reproduzir a vegetação. “Ele procurava tratar da nacionalidade através da exaltação da natureza, achava que a observação do meio ambiente fazia parte do processo civilizatório”, diz Lilia. Além de grande paisagista, Taunay fazia retratos de forma magistral, “todos tocantes”, conforme a curadora da exposição. Muitas vezes, pendia para a caricatura, como no retrato de Carlota Joaquina, no qual ressalta-se a papada sob o queixo e os olhos saltando das órbitas – tudo sublinhado por uma expressão aparvalhada que provoca o riso.


LUMINOSIDADE Paisagem carioca na obra Vista do Largo do Machado em Laranjeiras, pintada no Brasil

A tese de que o principal motivo da vinda de Taunay e seus compatriotas Debret e Montigny ao Brasil seria a criação de uma academia de artes plásticas está sendo contestada no momento pela própria Lilia em um livro recém-lançado. O que não significa que isso não tenha acontecido de fato. Esse marco das artes plásticas nacionais se deu em 1820, com a abertura da Academia Imperial de Belas Artes, para a qual Taunay foi nomeado professor de pintura de paisagem. Desentendimentos com o pintor português Henrique José da Silva, nomeado para dirigir a instituição, acabaram por precipitar sua volta à França. Ele deixou aqui seus filhos, Felix- Emile Taunay, que se tornou professor da academia, e Adrien Taunay, que acompanhou como desenhista as expedições de Langsdorff pelo interior do País. Deixou também uma herança pictórica que pode agora ser apreciada em toda a sua amplitude.

PEDIDO DE EMPREGO

A vinda de artistas franceses ao Brasil no século XIX, episódio que ficou conhecido como Missão Francesa, não aconteceu como registram os livros de história. Ou seja, dom João VI não “encomendou” uma missão artística para fundar no Brasil uma academia de artes. Segundo revela a historiadora Lilia Moritz Schwarcz em seu livro O sol do Brasil (Companhia das Letras, 387 págs., R$ 55), para esses artistas franceses, aportar em solo brasileiro e sob a proteção da coroa portuguesa foi uma missão de sobrevivência em face das constantes guerras que precederam a queda do imperador Napoleão Bonaparte. Numa carta de Taunay dirigida a dom João, por exemplo, ele chega a suplicar um cargo de “conservador dos seus quadros e estátuas”.

 

SEM MISSÃO Taunay não teria sido convidado por
dom João VI para vir ao Brasil