Crivando uma penca de adjetivos que vai de egoísta a cativante, a editora de arte da revista Glamour, Tina Fredericks, achou que esta era a melhor maneira para, em 1949, descrever o incipiente artista plástico Andy Warhol (1930-1987). Foi ela, aliás, quem encomendou ao futuro papa da pop art seu primeiro trabalho profissional, o de desenhar seis sapatos quando ele ainda cursava o Carnegie Institute of Tech-nology, em Pittsburgh, cidade onde nasceu, na Pensilvânia, Estados Unidos. Daí em diante deu-se uma turbulência criativa que, a partir dos anos 60, o colocou no papel de uma das mais importantes locomotivas da vanguarda. Polêmico por excelência, Andy Warhol ganhou fama ao usar ícones da cultura popular e objetos de consumo para ironizar o conceito de descartável dentro da arte, inserindo-se na galeria dos mais importantes artistas do século. Este talento poderá agora ser conferido com a ampla retrospectiva Warhol, montada para comemorar os dez anos de atividades do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) onde, a partir da terça-feira 12, sete salas serão ocupadas por três meses. O patrocínio é da Ford e do próprio CCBB.

No total são 248 trabalhos em técnicas diversas, pertencentes ao israelense José Mugrabi – colecio-nador que vive em Nova York e enriqueceu com indústria têxtil na Colômbia –, dono de um dos maio-res acervos particulares do artista. De cinco anos para cá, as obras já foram expostas em 15 países e, de acordo com Agnaldo Farias, curador do MAM carioca, são de uma abrangência impressionante. Realmente estão todos lá. Marlon Brando, Mick Jagger, Liz Taylor, John Lennon e 12 Mona Lisa, entre outros. Em sua produção, Warhol não deixou de fora nenhum mito de seu tempo porque percebeu a ânsia que os mortais sentiam pelos ídolos de plantão. Os retratos pintados são mais uma chave para compreender sua arte, já que Warhol talvez tenha sido um dos primeiros artistas a se conscientizar de que as pessoas não consomem o conteúdo, mas só a aparência. Chegou à extrema ironia de deixar que a mãe assinasse seus quadros, simplesmente porque achava sua caligrafia mais bonita.

Sucrilhos – Todas estas idio-ssincrasias poderão ser apreciadas na atual mostra. Há, por exemplo, as pranchas do livro A la recherche du shoe perdu (Em busca do sapato perdido), de 1955, uma brincadeira que mescla o título em francês do livro de Proust com a palavra sapato em inglês. Ou ainda a tela sob pigmento Large Coca-Cola e a famosíssima Marilyn Monroe (vinte vezes) – ambos de 1962 –, que mistura pintura à mão com serigrafia. Mas por que uma garrafa de Coca-Cola, uma lata de sopa Campbell’s ou uma embalagem de sucrilhos Kellogg’s poderiam ser alçados ao status de obra de arte? Ele foi o primeiro a dizer que a importância do artista não se deve às imagens por ele produzidas, mas à reflexão que faz sobre elas. Nesta onda, até o perigo amarelo representado por Mao Tsé-tung foi esvaziado de significado quando o platinado Warhol apresentou o líder chinês em variados tamanhos e até repetido em série em papel de parede. É como se a sociedade multimídia trocasse a profundidade do conhecimento por um consumo raso e excessivo do objeto.

Um outro destaque da exposição é a sala com 62 pequenas telas acrílicas e serigrafias da série Children’s painting, apresentada pela primeira vez em 1983 e pouco conhecida do público. São pinturas que reproduzem motivos infantis e brinquedos, criadas especialmente para as crianças e expostas numa altura acessível aos pequenos. Um de seus amigos íntimos, o fotógrafo Christopher Makos, lembrou que Warhol precisava ter contato com pelo menos quatro ou cinco crianças por dia. Fato confirmado pelo historiador de arte israelense Jacob Baal-Teshuva, o curador da mostra que estará no Rio para a inauguração. Ele conta que Warhol gostava tanto dos pequerruchos inteligentes quanto dos bonitos. “Mas se eram bobos dizia: ‘Meu Deus, chega!’ A série reflete não só seu amor pelas crianças, como pela sua própria coleção de brinquedos, inspiração para as obras.”

Dinheiro – Mas o evento não se resume às telas. Inclui apresentação de uma peça teatral e de videos-documentários que mostram apenas parte da imensa produção daquele que foi figurinha carimbada na lendária discoteca nova-iorquina Studio 54. Além de executar uma infinidade de quadros e desenhos, ele produziu esculturas, filmes, escreveu uma peça de teatro, um romance, um livro de culinária e lançou a revista Interview, na qual conciliou a estética urbana com a cultura de massas. Ainda fez incursões em filmes publicitários, foi fotógrafo e modelo e também dono de um clube noturno abandonando de vez o estereótipo do artista enclausurado para se expor na rua e ser consumido. Filho de pais tchecos de origem simples, nasceu Andrew Warhola, e fez uma escalada para fama durante a qual nunca escondeu seu amor pelo dinheiro. “Ser bom nos negócios é a arte mais fascinante”, dizia.

A mistura do objetivo de enriquecer com a criatividade e a própria exuberância de sua personalidade fa-ziam de Andy Warhol uma efervescência permanente. Quando uma idéia tinha esgotado seu processo escandaloso e impertinente, logo aparecia com outra. Incluindo aí o ato de urinar sobre telas cobertas de tinta de cobre metálico para criar pinturas oxidadas. Um dos territórios prediletos era The Factory (A Fábrica), mistura de estúdio e moradia, ponto de encontro de artistas, estudantes, músicos, atores e pirados, que logo virou referência cultural em Nova York. Entre outras produções de vanguarda de lá saiu o grupo de rock Velvet Underground, cujo vocalista era Lou Reed. Não foi à toa, então, que Warhol ganhou o título de papa do pop como observa o curador Jacob Baal-Teshuva. “A arte comercial de Warhol nos anos 50 foi um prólogo da pop art, com a qual seu nome ficaria associado na história da arte.”

Warhol participou do movimento ao lado de nomes como os de Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg e Robert Rauschenberg, entre outros, mas ele foi o mais expressivo do grupo. O livro A arte religiosa de Andy Warhol, de Jane Dagget e Dillen Berger, também mostra um artista paradoxal em relação às suas excentricidades mundanas. Assistia à missa várias vezes por semana e ainda trabalhava como voluntário na distribuição gratuita de sopas. Usava um crucifixo e tinha um livro de orações em seu criado-mudo. É mais um aspecto presente na mostra do CCBB, que só não seguirá para São Paulo por falta de patrocínio. O apego religioso de Andy Warhol – que morreu, aos 58 anos, depois de uma operação na vesícula – está bastante explícita numa de suas últimas obras, Última ceia (1986), elaborada sobre o quadro de Leonardo da Vinci. Em seguida foram pelo menos 30 grandes telas em torno do mesmo tema transformando um clássico em obra de consumo, bem como ele gostava.