A julgar pela forma como foi recebido no Congresso, o minipacote anunciado pelo governo na última quinta-feira 7 pode virar uma bomba nas mãos do seu próprio criador. Idealizado para compensar a queda da contribuição para funcionários públicos aposentados, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal na semana anterior, o doloroso conjunto de medidas mal foi anunciado e já promete servir para embrulhar ainda mais o Planalto. Deputados e senadores que apóiam o governo torceram o nariz para o aumento de imposto das empresas, criticaram a disposição federal de cortar investimentos previstos para o ano que vem, já perigosamente podados no pacote fiscal original, e ameaçam mudar tudo. “Poderiam ter buscado outras alternativas do lado da arrecadação”, reage o líder do PSDB na Câmara, Aécio Neves (MG). “Vou brigar contra esses cortes”, antecipou-se o vice-líder do PFL, Pauderney Avelino (AM). Além dos ingredientes impopulares, um dos principais problemas é a fragilidade de seu idealizador. Tanto que a porção aliada no Congresso usou o buraco orçamentário de R$ 2,4 bilhões provocado pelo veto do STF para dobrar a espinha do Planalto. E conseguiu. Na segunda-feira 4, a equipe econômica, chefiada pelo ministro Pedro Malan, passou o dia alinhavando o cardápio de medidas e dava como certo anunciá-las na manhã seguinte. No final da tarde, o presidente Fernando Henrique comunicava aos líderes governistas a decisão de insistir na cobrança. A idéia do ministro da Fazenda era mudar a Constituição para dar respaldo à sobretaxa nas aposentadorias públicas e elevar para 14% o desconto no contracheque dos funcionários da ativa.

A leitura técnica da decisão do STF indicava que o cardápio era perfeitamente legal. A urgência econômica exigia que fosse adotado de imediato. Mas nenhum assessor palaciano foi capaz de antecipar a inviabilidade política das medidas. “Não há clima para uma nova emenda constitucional”, reagiu o líder do PMDB, Jader Barbalho. “Há outras alternativas”, contrapôs o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). Pipocaram sugestões variadas e ficou claro que a maioria presente na reunião rejeitava a fórmula dos cortes orçamentários combinados com aumento de impostos. O recuo federal foi inevitável. A nova emenda ficou para janeiro e sobrou um ponto de honra: se não aceitavam as medidas apresentadas, os líderes deveriam tocar outras, igualmente importantes, que aguardavam votação no Congresso. Na quarta-feira 6, a base governista respondeu ao compromisso com nova demonstração de força. Aprovou com vantagem de quase 150 votos o indigesto projeto que modifica as regras de cálculo das aposentadorias, reduzindo o valor do benefício de quem se aposenta cedo (leia quadro abaixo). O Executivo ainda teve de pagar um pedágio: parte das mudanças só entrará em vigor dentro de cinco anos.
Cada vez que o Congresso exibe a própria musculatura, mais claro fica o raquitismo político do presidente. Esta constatação vem alimentando a insegurança dos agentes econômicos. Na última semana, ficou evidente a interferência cada vez maior dos parlamentares em uma área delicada: as decisões econômicas. Sob a ameaça de perder a condução do ajuste fiscal, o governo preferiu correr o risco. “Vamos enviar as medidas com ou sem consenso”, insistiu o ministro da Fazenda, na quarta-feira 6. No seu minipacote, a equipe de Malan ignorou quase todas as sugestões apresentadas pelos líderes. Rejeitou as propostas de taxar remessas de lucro para o Exterior, com o argumento de que são tecnicamente inviáveis. Optou por aumentar a carga tributária das empresas e cortar o orçamento de investimentos em obras, fixado em R$ 7,5 bilhões no próximo ano. A tesourada vai competir com as emendas dos parlamentares e, para piorar, eles é que terão de fazer os cortes. “Sabemos dos problemas, mas era preciso dar uma resposta rápida. Está em jogo a credibilidade do ajuste fiscal”, confessa um economista do governo.

Sobra de receita – No mundo real, o pacote levou muita pancada. “Quando estamos falando em reforma tributária, vamos onerar mais a produção?”, reagiu o presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva. “É um injustificável aumento de carga tributária”, bombardeou o presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), deputado Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP). O efeito do aumento da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) deve começar pelo reajuste nas contas de luz e telefone. “Se não repassarem para os preços, as empresas vão trabalhar só pela sobrevivência”, prevê o advogado Ives Gandra. Além dos efeitos econômicos, o ajuste traz um ingrediente estranhíssimo. O aumento de imposto nas empresas deve render mais do que o R$ 1,2 bilhão oficial. “O governo pode conseguir pelo menos R$ 1,8 bilhão a mais do que diz”, prevê um especialista que já ocupou cargo de chefia na Receita.

Na tentativa de recuperar o poder perdido e salvar o pacote, o governo trabalha em várias frentes, e gera trapalhadas. Para compensar o veto à proposta de taxar lucros e dividendos das multinacionais, Malan tentou agradar ao senador Jader Barbalho. Telefonou para avisá-lo de que, conforme o senador sugerira, mandaria várias medidas para combater a elisão fiscal e extinguir alguns privilégios tributários de estrangeiros. Provocou a ciumeira do PFL. O cacique Antônio Carlos Magalhães (BA) passou a quinta-feira 7 fingindo ignorar as medidas. “Não vi”, dizia, lacônico. O presidente Fernando Henrique também administrou pressões. Na mesma quinta-feira 7, o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, avisou que vai reagir. “Nós, da área de infra-estrutura, estamos no osso. Acho que os cortes devem ser para todos”, diz Padilha.

No jogo de compensar más notícias, o governo tratou de desembrulhar um outro pacote, bem mais palatável. Cuidadosamente alinhavado, o conjunto de medidas ganhou o apelido de “agora vai” dentro do Planalto. Na terça-feira 5, anunciou um megaprograma para empresas endividadas, principalmente as micro, pequenas e médias. Facilita a renegociação de dívidas com a União e barateia os empréstimos de programas oficiais. Até o Banco Central teve de entrar na estratégia. Na quinta-feira 7, a sede do BC em Brasília foi o ponto final da “Marcha Popular pelo Brasil”, organizada pelo MST. Para não gerar constrangimentos, o presidente do banco, Armínio Fraga, recebeu uma comissão de manifestantes junto com parlamentares da oposição. Nesta semana, o Banco Central passa por mais um teste. Deve lançar outra novidade popular: o elenco de medidas para reduzir os juros bancários, cobrados do consumidor. Mas, dentro do governo, as atenções estarão concentradas no Congresso. O tratamento ao atual pacote vai dar a medida da fraqueza de FHC.

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