Pelo menos quatro vezes por dia o aposentado Manoel Gomes sai à janela da sua casa, põe a cabeça para fora, mas não muito. Senão o trem leva a cabeça. Doidinho, doidinho, o seu Manoel aos 88 anos? Não. Se o trem que corta a Favela do Jaguaré já levou do varal a sua “camisa de cetim usada no casamento da filha”, se já levou o pé esquerdo do servente João Bosco que chegou bêbado e dormiu com as pernas fora do barracão, pode carregar também a cabeça do descuidado. Seu Manoel sai à janela do seu barraco para avisar a favela: “Lá vem o trem!” E o trem passa quatro vezes por dia, há 40 anos, raspando os barracões a menos de um palmo de distância.