Reunidos sobre a mesma passarela no fim de semana passado, em Salvador, um vestido feito de tirinhas de junco, daquelas de empalhar cadeira, assinado pelo mineiro Luís Cláudio da Silva, e uma dezena de modelos do inglês Matthew Wil-liamson, que misturam harmoniosamente juta, seda e lã cashmere, mostraram que a moda é um dos mais poderosos passaportes para o planeta. Luís Cláudio Silva, 27 anos, desenhista numa firma de móveis de cozinha em Belo Horizonte, venceu a etapa brasileira do Smirnoff Fashion Awards, realizada na capital baiana. Ocupado em tirar seu primeiro passaporte, ele vai a Hong Kong em novembro disputar com estilistas de 30 países o prêmio internacional. Williamson, que foi a Salvador presidir o júri, formou-se há quatro anos na escola londrina Saint Martin’s. Caiu nas graças de mulheres influentes como as modelos Naomi Campbell e Kate Moss e a jornalista Anna Wintour, diretora da Vogue americana. Hoje, Nicole Kid-man, Madonna e Tina Turner, entre outras, têm peças dele penduradas no guarda-roupa.

Quando o concurso Smirnoff, criado em Londres em 1984, foi lançado no Brasil, em 1992, Luís Cláudio mandou seu primeiro projeto, recusado com uma cartinha gentil. Nos anos seguintes continuou tentando. Mas a competição, a princípio aberta a todos os interessados, limitou as inscrições a estudantes de Moda e de Artes Plásticas. Luís Cláudio, que tinha parado de estudar aos 17 anos para trabalhar como office-boy, enfrentou um supletivo e um vestibular e conseguiu vaga no curso de Estilo da Universidade Federal de Minas Gerais. Este ano, finalmente habilitado, inscreveu-se e foi aceito. “É tudo da inteligência dele”, comemora sua mãe, a costureira Wanda. Para pagar o custo do material – junco natural e sintético – e o trabalho do artesão, Luís Cláudio imprimiu 50 camisetas, que vendeu a R$ 10 cada uma. Trazem estampadas imagens de seu cotidiano: geladeiras azuis-bebê, fogões amarelinhos e fornos microondas. Ao subir à passarela em Salvador para os aplausos, ele vestia uma preta, com um mictório estampado no peito. “Imitei Marcel Duchamp”, explica o estilista, que se cultivou frequentando todos os desfiles e palestras de moda de que ouviu falar em Belo Horizonte. Camisetas são a síntese do que ele considera mais precioso na moda: “Tudo gira em torno do conforto”, afirma. Por isso mesmo, sob o escultural traje de junco, a modelo baiana Íris envergou um vestido de espesso e macio algodão, que ele criou para garantir seu bem-estar. Até agora, Luís Cláudio só desenhava para amigas e para uma drag-queen mineira. No futuro, pretende criar para as pessoas comuns, como as que vê na rua. “Quero ganhar em Hong Kong por causa da bolsa na Saint Martin’s”, diz Luís Cláudio. “Não penso em entrar no mercado tão cedo.”

“Vender não é feio” – Conquistar o mercado é tudo que seu colega inglês Matthew Williamson tem em mente. “Não vejo nada de suspeito em querer vender. É perfeitamente possível ser cria-tivo e comercial”, enfatiza o estilista, formado na mesma escola de John Gallia-no e Alexander McQueen. “Quero romper esse pequeno círculo da moda londrina e ser global”, diz. Aos 27 anos, ele já avançou bastante. Suas roupas são vendidas em 86 lojas de todo o mundo, aí incluída a paulista Daslu, que está recebendo agora uma pequena coleção do estilista. Matthew quer mais. Para ele, uma griffe só é realmente global quando tem dinheiro para anunciar nas grandes revistas, o que ele ainda não faz. Sua cliente ideal é “uma mulher adulta, que tem coragem de escolher sem dar bola para as tendências”, disse ele em Salvador, provando um abará com curiosidade antropológica. Talvez por excesso de audácia, Tina Turner o assustou ao convidá-lo para mostrar suas criações em sessão privada numa mansão no bairro londrino de Chelsea, este ano. “Jamais imaginei criar para ela”, admite. Para piorar, Tina recebeu Matthew e seu sócio, Joseph Delosa, sob uma couraça de superstar “Ela mal nos olhava, grudada no celular, falando com nomes espantosos, como Oprah Winfrey”, ele recorda. Ao fim de duas horas, quando ela finalmente virou um ser humano, ele a adorou. Nicole Kidman enviou até seu ateliê um dos 300 compradores que ela mantém pelo mundo. Mas ao ver suas roupas no corpo de modelos brasileiras, há dias, Matthew vislumbrou o perfil do que imagina ser a tal mulher global. “Elas são sensuais e espontâneas, sem obviedade”, elogiou.