O Zimbábue parece cada vez mais disposto a deixar para os livros de história o tempo em que era conhecido como Rodésia, um país que na década de 60 se caracterizou pela tentativa da minoria branca de impor um regime semelhante ao apartheid da África do Sul. Com quase 20 anos de independência, a ex-colônia britânica vem retomando suas raízes ao mesmo tempo que se abre para um outro tipo de relação com o mundo. Agora, em vez de assistir inconformado à retirada de suas riquezas, o Zimbábue passou a rechear seus cofres por causa de suas belezas naturais. E elas são tantas que o território outrora administrado com mão de ferro pela Companhia Britânica de Cecil Rodhes – de quem, aliás, saiu o antigo nome do país – começa a desbancar o Quênia como principal pólo turístico do Sudeste africano. Pouco maior que o Mato Grosso do Sul, localizado entre as bacias dos rios Zambeze e Limpopo, o Zimbábue abriga um tipo de vida selvagem que a maioria das pessoas só conhece do cinema, em filmes como Coração de caçador (1990), que Clint Eastwood rodou em suas savanas.

Espalhados em seus planaltos há 11 parques nacionais, sendo que o maior deles, o Hwange, é um dos poucos santuários de elefantes que restaram na África. Estima-se que atualmente existam 30 mil elefantes no Hwange, que também aloja mais de 400 tipos de pássaros e 100 espécies de mamíferos. Entre elas destacam-se as zebras, os babuínos e os cudos – espécie de antílope –, que são avistados sempre em numerosos grupos. Tudo isso num cenário similar ao semi-árido brasileiro, mas salpicado de árvores de grande porte, como o baobá. A paisagem exótica faz a festa dos que desembarcam para uma temporada no país, que tem nos europeus seus visitantes mais frequentes. Quando não estão circulando em caminhonetes abertas, os adeptos do chamado safári fotográfico podem ser vistos no alto de observatórios, com os binóculos em punho, embasbacados com suas descobertas no horizonte. O supra-sumo da sorte é ver de perto um leopardo, animal tão arisco como perigoso. “Na prática, não há nenhum risco. Os safáris são absolutamente seguros e, depois de fazer o primeiro, todo mundo quer voltar”, garante o escocês David Brightman, 60 anos, metade deles passados no Zimbábue.

Erros fatais – Orgulhoso de sua própria experiência, Brightman não se furta, porém, a comentar a morte de um potencial guia turístico, registrada no mês passado. Recém-chegado da Inglaterra para fazer um estágio em área de preservação natural, o rapaz foi arrancado de sua barraca por uma leoa. No meio da noite, ninguém conseguiu impedir que fosse devorado. “O jovem cometeu dois erros primários. Dormiu com o zíper da barraca aberto e deixou sua arma no carro”, explica Brightman, ressaltando que tragédias como essa são raríssimas. “Os animais nunca atacam os carros e, além disso, os alojamentos e hotéis das proximidades das reservas são sempre cercados com uma rede de proteção.”

Acostumada à presença dos animais no cotidiano, Elestina Sibanda, 42 anos, cuja família forma o primitivo vilarejo de Gurambira, em Hwange, chega a ironizar a possibilidade de perigo. “Só se a pessoa se machucar com os chifres de madeira”, brinca Elestina, referindo-se às réplicas de animais, feitas em miniatura, para o consumo dos turistas. É a venda do artesanato, reforçada por uma incipiente lavoura de milho, que garante o sustento dos sibandas, moradores dos 17 casebres de Gurambira. A família pertence à minoria étnica tonga, que originalmente habitava o Vale do Zambeze. Há quase quatro décadas, no entanto, por causa de uma inundação, eles tiveram de mudar-se para áreas como Gurambira, com terras áridas e pouco produtivas.

Futuro – A indústria do turismo, que também inclui cassinos e uma rede hoteleira de primeira linha, não é sinônimo de sobrevivência apenas para tribos como a dos sibandas. Responsável por 3% do Produto Interno Bruto do Zimbábue em 1989, o setor respondeu no ano passado por 7% do índice. “Com os investimentos que estamos fazendo, a tendência é o turismo se transformar em nossa principal fonte de divisas e de cria-ção de empregos”, especula Simon Khaya, ministro das Minas, Meio Ambiente e Turismo. Nesta guinada rumo à exploração do potencial turístico do Zimbábue, espécies que correm risco de extinção, como os rinocerontes, têm o sossego garantido por lei. Outros animais, por sua vez, precisam lutar pela sobrevivência. Juntamente com a vizinha Botsuana e a Namíbia, o Zimbábue explora o marfim do elefante, de forma supostamente controlada. A caça também é permitida em 16 áreas específicas, embora a custos estratosféricos. “Cheguei a pagar US$ 25 mil para caçar um leão”, conta o empresário argentino Carlos Mollinari, que costuma visitar o Sudeste da África pelo menos uma vez por ano.

No cotidiano, os 13 milhões de habitantes do Zimbábue estão habituados à prática da caça, em particular de cudos, cuja carne integra a culinária local, acompanhada sempre de pratos à base de milho. Num país marcado pela convivência de diversas etnias – a maio-ria são os shonas e os ndebeles –, as diferenças são muitas. Na cozinha, há até os que apreciam quitutes de taturana. A diversidade também está presente na comunicação, devido à existência de muitos dialetos, além dos idiomas shona e ndebele. Mas, na esteira da colonização britânica e do ensino regulamentar, a maioria dos zimbabuanos fala inglês. Mesmo fora dos centros urbanos, como a capital Harare, a língua do antigo colonizador é a principal referência e batiza uma das maiores atrações do Zimbábue, Victoria Falls, as cataratas de Vitória.

Fumaça que troveja – Com mais de 1,6 quilômetro de extensão e altura média de 100 metros, a queda do rio Zambeze é apontada como uma das Sete Maravilhas Naturais do Mundo. É tanta água descendo pelos paredões de pedra, na fronteira do Zimbábue com a Zâmbia, que uma espessa névoa respinga sem cessar do abismo. Vista ao longe, é como se exalasse rolos de fumaça branca. A imagem, associada à tempestuosidade das águas, fez com que os nativos a chamassem de Mosi-oa- Tunya, ou seja, a “fumaça que troveja”. Na geografia oficial, quem descobriu as cataratas foi o explorador escocês David Livingstone ao atravessar a região, em 1855. Diante de um espetáculo tão grandioso, Livingstone não resistiu à oportunidade de homenagear a então soberana do império onde o sol nunca se punha, a rainha Vitória.

Desde então, o mais sonoro e espetacular trecho do rio Zambeze atrai visitantes do mundo inteiro. Suas águas, depois de despencar pelas cataratas, formam o lago Kariba e se espalham pelos pântanos de Mana Pools, antes de atravessar a vizinha Moçambique para cair no oceano Índico. Encravado entre Zâmbia, Moçambique, África do Sul e Botsuana, o Zimbábue não tem saída para o mar. “Um roteiro ideal no país começa por Hwange, passa pelas cataratas de Vitória, mas também inclui o lago Kariba e a região de pântanos”, su-gere Martin Jensen, da operadora Queensberry, com sede em São Paulo, que organiza viagens para o país. Um pacote de cinco dias sai entre US$ 2 mil e US$ 5 mil. “Apesar de os brasileiros estarem pensando duas vezes antes de viajar, há uma demanda crescente pela África e sempre recomendo que se hospedem nos alojamentos menores, pois o Zimbábue tem pousadas fantásticas.”