Respeitável público, o circo mudou. Além daquele tradicional, formado por famílias itinerantes, em que o pai atira facas rente ao rosto dos filhos e os irmãos se seguram nos trapézios, agora existe um movimento chamado novo circo. Os modernos malabaristas, trapezistas e palhaços são urbanos, aprenderam as milenares técnicas circenses em escolas e estão organizados em grupos. Cada um as emprega em um território, seja o teatro, a dança, a música, a acrobacia ou apenas o prazer. Os picadeiros não se encontram mais sob lonas encardidas, mas em festas de aniversário, em eventos comemorativos de empresas, em casas noturnas, teatros, bazares e raves. Em sua nova versão, os espectadores são sobretudo adultos e a música tem mais importância.

Em São Paulo, os grupos mais recentes vieram, em geral, da Escola Circo Picadeiro, um imenso circo de lona na marginal do rio Pinheiros. Como quase todos os alunos dessa escola, quatro das cinco integrantes do grupo Linhas Aéreas, formado há oito meses, começaram a frequentar as aulas mais pelos exercícios físicos do que pela paixão pelo circo. A trupe se especializou em dança e em performances aéreas. Em suas coreografias, sempre com muitos panos, elas lançam mão de técnicas circenses como o trapézio e a corda indiana. "Falamos de temas femininos sem texto, apenas com a expressão do corpo", afirma Ziza Brisola, 25 anos. Nos espetáculos do Circo Mínimo, outra companhia paulistana, o truque de circo é utilizado como artifício teatral, para enfatizar situações dramáticas. Na peça Orgulho, por exemplo, o protagonista faz evoluções na corda porque tenta se livrar da morte. "No novo circo, os truques nem sempre fazem parte de uma apresentação formal, de um pedido de aplausos", afirma Rodrigo Matheus, 34 anos, um dos integrantes do Circo Mínimo.

Auxiliados por artistas convidados, os três membros do Circodélico, também de São Paulo, tocam funk, rap e rock durante suas apresentações repletas de acrobacias, pernas de pau e pirotecnia. Eles costumam preparar números sob encomenda para empresas. Este ano, participaram de uma festa da Motorola na casa noturna Moinho Santo Antônio, em São Paulo, e animaram um cruzeiro marítimo entre Santos e Búzios, no Rio de Janeiro. Com oito anos de existência, o Grupo Acrobático Fratelli é um dos mais antigos do novo circo. Versátil, explorando os malabares e as palhaçadas, o grupo também se apresenta em eventos, como um recente lançamento da montadora Renault, em Curitiba, e mantém uma escola própria, atualmente com cerca de 50 alunos, quase todos crianças e jovens. "Os exercícios são ótimos para treinar reflexo, coordenação, equilíbrio e habilidade manual, além do próprio condicionamento físico", afirma Kiko Caldas, 30 anos, um dos professores.

O movimento do novo circo, apesar de recente no Brasil, nasceu do circo de rua europeu, a partir da década de 70, e do Cirque du Soleil, do Canadá, considerado o mais moderno circo do mundo. O primeiro centro de ensino urbano brasileiro foi a Escola Nacional do Circo, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1982. A escola surgiu com a finalidade de manter as tradições da arte circense e, ao mesmo tempo, estimular pesquisas de novas técnicas. De lá saiu a renomada Intrépida Trupe, formada por artistas provenientes de grupos de dança e teatro. A carioca Alice Viveiros de Castro, 41 anos, é diretora do Instituto Acrobático Brasileiro, entidade voltada para pesquisas e realização de eventos. Ela acredita que essa versão mais jovem da velha arte reforçou, em parte o preconceito contra o circo tradicional. "Pela origem cigana, o circo sempre foi visto como um centro de pobreza. Até a palavra mambembe, sinônimo de itinerante, é pejorativa, quer dizer pequeno, pobre", afirma Alice. Em compensação, o aparecimento de grupos circenses com uma roupagem diferente voltou a popularizar uma arte que estava definhando desde o surgimento da televisão.