A abertura de uma CPI para investigar a influência dos empresários de ônibus na política fluminense tem tudo para virar de pernas para o ar, a partir desta semana, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A primeira investigação sobre a "caixinha" da federação das empresas de ônibus, a Fetranspor, é um dos efeitos da revelação, na última edição de ISTOÉ, do teor de uma conversa do governador Anthony Garotinho (PDT) com os deputados peemedebistas Jorge Picciani e Sérgio Cabral Filho, presidente da Assembléia. A reunião, que decidiria os rumos da Secretaria de Transportes, terminou com a expulsão dos dois caciques locais do PMDB do gabinete do governador. O episódio enterrou a lua-de-mel de Garotinho com Cabral e deu início a uma onda de acusações e histórias malcontadas que, além da CPI, são alvos de uma investigação aberta pelo Ministério Público estadual.

Na noite de domingo, dia 18, após comentar a reportagem de ISTOÉ numa conversa com Marília Gabriela, do SBT, Garotinho disse ter sofrido uma tentativa de suborno para desistir do decreto que reduzia em 15% o preço das passagens nas 588 linhas de ônibus do Grande Rio. O autor do telefonema teria oferecido o que ele quisesse para desistir da idéia. Na quarta-feira, o governador interrompeu o feriado para prestar um depoimento ao Ministério Público e, numa entrevista, deu outra versão para o episódio: a ligação teria sido para o telefone vermelho, numa linha privativa que o liga aos secretários e a dois gabinetes da Assembléia, de Cabral e o da líder do PDT, Graça Melo. O sujeito, identificando-se como Coelho, disse que ligava da Assembléia, era o relações públicas da Fetranspor, e convidou o chefe do Executivo para uma reunião informal em seu escritório. Garotinho teria desligado o telefone por considerar a conversa "estranha". As duas versões levantaram dúvidas que deverão ser sanadas pela CPI e pelo MP. Como o governador atende a um telefonema sem conhecer o interlocutor? Por que ele não procurou saber imediatamente de onde teria partido a tentativa de suborno? Por que Garotinho falou em suborno só na primeira entrevista? "O que vale é a entrevista coletiva. No SBT, ele estava descontraído, nem tinha pensado em fazer a denúncia", arrisca o secretário de Comunicação Social, Carlos Henrique Vasconcelos. Segundo ele, o governador não procurou Cabral porque as relações entre os dois estavam estremecidas e demorou para falar porque queria identificar o tal Coelho.

Interlocutores próximos ao governador afirmam que ele se referiu ao procurador aposentado da Assembléia José Carlos Torres Coelho, que teve o auge de sua influência no governo Moreira Franco (1987-94), quando era filiado ao PMDB. Entre agosto e novembro do ano passado, foi vice-presidente de Futebol do Fluminense. Um companheiro de diretoria o define como "o barrigudo mais querido do clube", revelando que, por diversas vezes, o Coelho-cartola arrumou dinheiro para aliviar as dificuldades do clube.

Acuado, Coelho deu uma cartada que pode abrir uma crise no PDT: contratou como advogado Nilo Batista, ex-governador e um dos pedetistas graúdos ligados a Leonel Brizola. "Garanto que meu cliente não telefonou para o governador. Mesmo assim, o governador fala num convite para uma reunião informal. Não seria crime nem se a convidada fosse uma virgem com menos de 18 anos", diz Nilo. A influência de Coelho na Assembléia é ilustrada por uma historinha do deputado Eider Dantas (PFL). Numa sessão de 1995, Eider espalhou no plenário que uma pasta de Coelho com os nomes dos "fregueses" da Fetranspor teria caído nas mãos de um jornalista. "O plenário ficou vazio. Uns 20 deputados foram saindo de fininho, apavorados. Quando Coelho negou, quase me mataram", conta Eider.

O PMDB e Cabral acusam o governador de tramar tudo para enfraquecer o partido e ajudar o empresário Amaury Andrade, dono da empresa de ônibus 1001 e adversário do atual presidente da Fetranspor, José Carlos Lavoura. Amaury Andrade é vice-presidente da entidade e patrocinava o programa de Garotinho, de quem seria amigo, na rádio Tupi. O decreto de Garotinho poupou as linhas de ônibus do interior, onde está a força da 1001. Cabral ameaça aprovar um decreto legislativo de Paulo Melo que estende a redução das passagens às linhas do interior. A deputada Cidinha Campos (PDT) pretende reforçar a CPI com a abertura de um serviço de disque-denúncia. Ela já começou a investigar os documentos apresentados pelo ex-governador Marcello Alencar ao Ministério Público que indicam o enriquecimento desproporcional de Cabral.