Ivan Lessa diz que não escreve livros. Ele simplesmente toma notas, “instamaticando” ocasiões. “Escrever todo mundo escreve”, se justificou certa vez. “Difícil é tomar notas. Pra isso tem que ter talento.” E tem mais: “Livro é coisa de pobre; de gente que lê Veja, que escreve para publicação brasileira; que foi, é ou vai ser contratada pela Globo. Seria uma questão de tempo eu ceder à tentação e terminar (…) publicado e resenhado. Com sorte, passaria desapercebido. Mas manjo minhas Eumênides, sei de minhas zebras e o mais provável seria um desses ex-laterais-esquerdos do Olaria, que estudaram na Universidade de Buffalo com o Affonso Rommanno de Santanna, acabar me arrasando – pior: louvando! – em palestra sobre comunicação…”

Está tudo lá, na crônica “A difícil arte de não escrever”, publicada na coletânea Garotos da fuzarca, de 1986.

Lessa é mesmo um sujeito divertido e abusado, com um jeitão todo peculiar de chegar chutando a santa. Um dia, há 21 anos, ele resolveu se mandar do Bananão, que é como carinhosamente chama esta nossa república. Foi para Londres, trabalhar na BBC. “Uma das coisas que talvez tenham me levado a ficar na Grã-Bretanha esses anos todos é a ausência do assobio”, explica na crônica O assobio. “Nós, brasileiros, assobiamos demais”.

Eram dele os melhores textos d’0 Pasquim, na coluna Gip-gip Nheco-nheco, e na pele, por assim dizer, do impagável Edélsio Tavares, que dava respostas malcriadas aos leitores e assinava algumas das mais engraçadas fotonovelas do hebdomadário, um verdadeiro show de bola. E ouvi-lo no rádio era como escutar o irmão mais velho contar sobre o mundo, sobre a vida em Londres, trazendo saudades de um tempo que não vivemos. De vez em quando ele nos fazia ver como a vida, que deveria ser uma coisa moderadamente miserável, podia chegar a ser horrivelmente engraçada.

Politicamente incorreto – O progresso, porém, acabou interferindo nessa amizade, pois o rádio de ondas curtas ficou impossível de ser sintonizado na cidade grande inundada por antenas de celulares. Ivan Lessa virou meio que um amigo perdido no éter. Mas, felizmente, suas crônicas transmitidas ao longo destes 21 anos pelos amplexos hertzianos ganharam versão impressa e um título: Ivan vê o mundo – crônicas de Londres (Objetiva, 173 págs., R$ 17).

É uma cartilha de humor. Politicamente incorreta, é claro. Com a beleza, a lucidez e a ironia da sua prosa, Lessa continua metendo o pau no Bananão enquanto nos fala das cidades que visitou, dos sonhos, lembranças e amizades, da solidão, de futebol – a prosa lessiana não seria a mesma sem as metáforas futebolísticas. São 42 crônicas, a coisa mais saborosa que poderia existir na língua portuguesa, uma orgia linguística incomparável, como diria o Millôr Fernandes. Leitura que pega na veia. Você gosta logo de primeira, feito sexo. E fica querendo mais. Mais páginas. Mais Ivan Lessa. É isso: Ivan vicia.