Uma sociedade começa a ruir quando a percepção da ausência de civilidade toma conta da população e, no estágio seguinte, ela assiste a criminosos estabelecerem um verdadeiro estado paralelo, desconsiderando ou se sobrepondo ao papel da autoridade legalmente constituída – por culpa e responsabilidade direta daqueles que deveriam exercer suas atribuições e não o fazem. Nesse ambiente anárquico e de barbárie, a sensação de impunidade e o clima de vale tudo viram ingredientes vitais a alimentar o processo. São Paulo, motor econômico do País – com o maior número de brasileiros por metro quadrado e o maior volume de recursos para combater a violência –, passa dramaticamente por essa situação, sem qualquer perspectiva de resposta satisfatória no curto prazo. O retrato está nas ruas, da capital e dos municípios adjacentes. Aterrorizados e em estado de choque com a escalada de assassinatos brutais, banais e sem sentido, moradores se fecham em casa, reféns da bandidagem. A vida não está valendo nada em São Paulo nos últimos tempos e o medo virou moeda corrente. Como esperar isso da metrópole e da região que deveriam, pelo porte e estágio de desenvolvimento, ser modelos para o resto da Federação? Execuções a céu aberto, com requintes de crueldade, diante de dezenas de câmeras e até de testemunhas, ocorrem a qualquer hora, dia e noite sem trégua, numa sucessão espantosa que fica difícil acompanhar. Nos bares e restaurantes, arrastões entraram na rotina e os horários de funcionamento tiveram de ser revistos. Numa rua de bairro nobre da capital, um trabalhador de joelhos implora pela vida. Em vão. É morto no assalto. Os autores fogem, flagrados em vídeo que tudo mostra e, na maioria das vezes, em nada resulta. O Brasil inteiro assiste estarrecido ao espetáculo de horror, sem paralelo em incidência no território nacional e que foge ao padrão mesmo de nações em guerra ou convulsão social. Um estudante é baleado e perde a vida na porta de casa após entregar o celular, não oferecendo resistência. Dias depois, numa repetição abominável, outro universitário é executado nas cercanias da faculdade, pelo mesmo motivo. Na casa lotérica, uma idosa tomba vítima de mais uma bala fatal, por meros trocados da aposentadoria. Policiais, até eles, são sumariamente alvejados e não têm chances de reagir. Os registros se amontoam. Faltam planejamento, inteligência, regras claras e ações públicas eficazes do Estado para cessar o descontrole da criminalidade. Às favas com as estatísticas que por si só exprimem o tamanho do problema! Cada caso tem contado e agravado o drama de uma população dominada pelo pavor. Em São Paulo existem inclusive pontos fixos, e conhecidos de todos – até dos mais desavisados turistas que passam pela cidade –, para a atuação sistemática dos bandidos. Na vizinhança, quase ao lado, do Palácio do Governo paulista, num sobranceiro atrevimento e destemor dos marginais, funciona um desses pontos há anos. Mesmo lá, nenhuma operação mais efetiva foi armada para coibir de vez a prática. A falta de reação do governo paulista e de uma política de segurança à altura do desafio que se apresenta tem alarmado milhares de famílias – muitas delas com parentes ou amigos próximos vítimas da violência – que ficam a se perguntar: até quando a apatia das autoridades e o controle territorial dos delinquentes vão imperar?