Quando a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel entrar no Sambódromo no ano que vem, com suas alegorias feéricas e mulheres seminuas, estará sob a inspiração de outro sacerdote além daquele que lhe empresta o nome. Veio do padre gaúcho Marcelo Guimarães a idéia para o enredo que a agremiação carioca vai mostrar na avenida em 2001. Pacifista militante, Marcelo, que mora em Santa Cruz do Sul, enviou por carta aos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lavia a sugestão de abordar o tema da paz. Os dois aceitaram imediatamente. “Estava procurando um assunto universal e a idéia do padre Marcelo veio a calhar”, afirma Renato Lage. Aos que estranham a participação de um religioso na festa pagã, o padre explica que seu objetivo é divulgar para o mundo os ideais de não-violência. Apaixonado pela cultura popular, ele pretende usar o Carnaval como veículo dessa mensagem. “Procuro disseminar a idéia da paz de todas as formas possíveis e o desfile da escola de samba é uma ótima oportunidade para isso”, explica.

Não é de hoje que padre Marcelo acompanha o Carnaval carioca. Já esteve no Sambódromo três vezes, tem na ponta da língua os enredos das diferentes escolas, ano a ano, e sabe definir o estilo artístico de cada carnavalesco. “Sou apaixonado por escolas de samba, ópera, teatro e pela liturgia religiosa. Os ritos me fascinam e o desfile do Sambódromo é o maior rito do mundo”, diz o sacerdote. Ele confessa que sente inveja da comunhão que as agremiações carnavalescas estabelecem com o público e gostaria de sentir essa mesma emoção nas igrejas católicas. Faz até mesmo algumas experiências para misturar esses dois mundos. Uma delas acontece logo após a vigília de Páscoa, quando ele convida os fiéis a cantar o samba-enredo É Hoje, da União da Ilha, para celebrar a ressurreição de Cristo. Pelo menos por enquanto, essa fixação pela festa da carne não causou ao padre nenhum problema com seus superiores hierárquicos. “Meu bispo sabe desse trabalho e me apóia muito. Essa paixão pelas escolas de samba eu recebi de Deus, garante o padre, que é compositor de sambas.
Renato e Márcia adiantam que não pretendem dar ao enredo um tom de militância política. “Queremos que seja um momento lúdico”, define Renato. O trabalho de preparação do desfile da escola de samba está apenas no começo. Já foram escolhidos os temas das alegorias e agora os dois trabalham para criar os figurinos. As alas iniciais virão com predominância de preto e branco e depois tudo ficará colorido. “Não vamos carnavalizar a violência e sim exaltar o que deveria ser a regra, a paz”, explica o carnavalesco. A idéia é lembrar que não é apenas a violência urbana que aflige os homens, mas também outros tipos de agressões, como as que atingem o meio ambiente. Quando a Mocidade sair da avenida, deixará uma mensagem de esperança, no estilo da música Imagine, de John Lennon.

Sem dilema – O próprio padre ainda não sabe qual será sua participação na confecção do desfile, mas já está acertado que deverá fazer uma palestra sobre a paz na apresentação do enredo à ala dos compositores. Em uma das cartas que escreveu aos carnavalescos da Mocidade, ele sugere que as figuras de Gandhi e Martin Luther King façam parte do enredo e imagina carros alegóricos com pombas da paz, bandeiras brancas e rifles quebrados. Padre Marcelo pretende visitar o barracão da Mocidade quando as alegorias começarem a ser feitas e garante que estará no Sambódromo no dia do desfile. Mas ainda não decidiu qual será sua resposta se for convidado a desfilar – Renato e Márcia já antecipam que vão chamá-lo a pisar na avenida.

Marcelo prefere não pensar em uma possível proibição da cúpula da Igreja Católica. “É o tipo de pergunta que só poderei responder na hora.” Sobre o risco de cruzar com algumas mulheres peladas na Marquês de Sapucaí, o padre minimiza. “Isso é uma pequena parte do espetáculo e só chama a atenção de quem se preocupa com elas. O mais importante é a expressão artística do povo e a relevância do tema que será mostrado pela Mocidade.”


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