21/04/1999 - 10:00
Quando o assunto é sério, ele abaixa a cabeça e, vagueando os olhos amendoados pelo chão, procura uma resposta que talvez possa encobrir sua timidez só detectada entre quatro paredes, já que no palco mostra-se solto como a música que faz. Mas assim que a conversa vibra em campos mais amenos, o mineiro Alexandre Pires, vocalista do grupo pagode-glitter Só Pra Contrariar, abre no rosto liso de 23 anos um enorme sorriso branco, provando que seu apelo comercial não se restringe às canções que todo mundo canta. Todo mundo, incluindo o tanque de guerra Mike Tyson – que já se confessou seu fã – e a cantora pop cubana Gloria Estefan, com quem gravou, semana passada, um dueto em espanhol para o disco que o SPC pretende lançar no mercado latino. O álbum vem na sequência do CD de 1997, que mistura sucessos em português com outros vertidos para o espanhol. Vendeu 500 mil cópias na Espanha, em Portugal e na América Latina.
No Brasil, contudo, os dígitos do SPC são muitos maiores. O disco de 1997 que leva o nome da banda arrastou 3,1 milhões de compradores. Um recorde superado só pela aeróbica carismática do padre Marcelo Rossi, que alcançou os 3,4 milhões com Músicas para louvar ao Senhor. O Só Pra Contrariar chega agora às lojas com seu sexto trabalho cravando a marca de um milhão de discos vendidos antecipadamente. Não é à toa que Alexandre Pires, num rompante de sinceridade, diz que negro quando fica famoso incomoda. "Recebi um espaço muito grande e tenho orgulho de estar representando uma raça que é maravilhosa", afirmou ele em entrevista a ISTOÉ, no superescritório que o grupo mantém no terceiro andar de um elegante prédio comercial na zona sul de São Paulo, não coincidentemente onde a namorada, Carla Perez, também tem o seu.
Não. Acho que é um processo de evolução. Uma vontade própria de crescer e de mostrar novidade, né? Vários artistas e grupos que se acomodaram sumiram do mapa, do cenário da música. A nossa foi fazer um disco diferente, popular, mas de bom gosto.
Nós tocávamos samba e outros gêneros em bailes. Agora misturamos samba com música latina, bolero, o soul que eu gosto muito. Junto à forma de colocar a voz, de interpretar, de gravar as bases, fazemos a diferença com os outros grupos.
A gravadora pode achar, as pessoas podem achar, mas eu não. Só que é um processo natural. Numa banda, geralmente quem se destaca é o vocalista, e os meninos encaram isso de um jeito natural. Nunca rolou ciúme e nunca pensei em fazer carreira solo.
Além de não estar preparado, não tinha tempo suficiente para estudar o papel. Mas já pensei em diversificar a carreira. Gosto muito de dançar. Faço dança de salão com Carlinhos de Jesus. Atuar também está nos meus planos. Artista tem que ser versátil.
Eu, particularmente, não me preocupo. Minha preocupação é com a família. Todos agora andam com seguranças. Eu nunca tive segurança, só uso nos shows, mais para conter algum tumulto.
Não, nunca.
Contribui, mas também é um pouco da imprensa, que aumenta. Eles querem um príncipe que não existe. Eu já cheguei a ganhar R$ 400 mil por mês, apesar de nem pensar nisso, nessa coisa de grana. Sou tão profissional, amo tanto a música, que nem me lembro disso. Nos meus dias de folga, eu quero é um violão.
Eu fui com um amigo num restaurante, que não vou citar o nome, um restaurante chique em São Paulo. Esse amigo tem um carro bacana, e, como eu gosto de dirigir e não tenho tempo, fui dirigindo o carro dele até lá. Paramos, descemos, sentamos à mesa e a primeira coisa que o maître, ou sei lá o que, veio perguntar é se eu era cantor de pagode ou jogador de futebol. Quer dizer que o negro empresário, por exemplo, não tem vez no negócio? É só o preto jogador de futebol e o preto cantor de pagode que é bem-sucedido? Hoje sou um negro privilegiado. Se entrar nos lugares, as pessoas vão me respeitar. Mas vão me respeitar de verdade ou por que eu sou o Alexandre do Só Pra Contrariar, por que eu tenho dinheiro, por que eu faço sucesso? E os meus companheiros, meus irmãos que estão lá fora? Não sou muito de comentar sobre isso, até porque acho que o próprio negro tem uma parcela de culpa, o negro acaba sendo meio preconceituoso também.
Não. Até porque ela é uma pessoa muito querida. Não é geral, mas têm negros que não gostam de ir numa festa ou num lugar em que a maioria dos frequentadores é branca.
Pretendo, cara. O Norton Nascimento chegou outro dia e me falou: "Poxa, bicho, eu estou feliz pra caramba pelo sucesso de vocês." O Milton Gonçalves falou que a gente precisaria bater um papo sobre a nossa raça, a nossa negritude. Eu fiquei pensando que não tenho um conhecimento a fundo nesse sentido.
Com certeza. Os negros têm um respeito muito grande por mim. Eu recebi um espaço muito grande no Brasil e, como negro, tenho orgulho disso. Tenho orgulho de estar representando uma raça que é maravilhosa.
Ele precisa ir à escola, precisa estudar. Precisa tirar esse negócio da cabeça de que, "pô, nós somos inferiores" e correr atrás, entendeu? Eu não tive um grau de escolaridade forte, mas busquei o meu lance através da música que é um dom que Deus me deu. Se o negro quiser alguma coisa na vida, ele tem que ir lá e buscar.
Muito artista fala que o sucesso é bom, mas, se perde a privacidade, quando sai na rua tem que dar autógrafo etc. Eu acho isso maravilhoso. Se as pessoas te pedem autógrafo é um reconhecimento pelo trabalho. É uma demonstração de carinho. Não tenho problema com assédio. Vou ficar muito triste no dia em que sair na rua e ninguém me der bola.
Já.
Ah, eu sou espada, né, companheiro? Eu gosto do outro negócio. Mas nunca parti para a grosseria. Tenho um respeito por todos os sexos. Eu adoro gay, adoro, cara. Eu não sou gay, mas tenho um respeito muito grande por eles. Eles são, assim, muito verdadeiros, entendeu? Gosto muito de conversar, de ter amizade.
Já. Para a G Magazine. Descartei a oferta por não me sentir bem. Mas é assim, eu… se você me perguntar: "Você um dia sairia?" Eu te falo, eu sairia, cara. Não vou falar para você que não. Geralmente, as pessoas que saem nisso, acho que o fator principal é o financeiro, entendeu? Não vou mostrar o meu p… lá de graça.
É.
Não posso te falar isso não, cara.
Bastante. Mas me sinto bem se estiver num ambiente em que conheça as pessoas, que tenha uma certa amizade.
Eu me senti um príncipe negro. Foi maravilhoso, cara. Passou tanta coisa pela cabeça ali naquele dia. Foi uma felicidade só, a gente lá na festa… artistas e mais artistas.
Nunca.
Se você me perguntar como é um negocinho daquele, eu não sei te falar. Sei que a maconha é verde. A cocaína é um pó igual ao sal. O crack é uma pedra, mas como é que o cara vai fumar a pedra?
Vi sim. Uma vez fui fazer um show numa comunidade no Rio de Janeiro. Fui muito bem tratado. Eu gosto muito desse povo. Cheguei lá, e aí veio um cara, acho que era meio chefe. "Alexandre, tá tudo certo, aqui ó. Está tudo aí", falou tirando um saquinho. "É da rapaziada." Eu falei. Sou xarope.
Bom, muita gente fala que eu malho, que fiquei forte. Eu encaro isso de uma maneira diferente, pelo lado saúde. Tanto é que já estou praticamente há três meses sem frequentar a academia porque a gente estava gravando.
Muito grande, cara. No corpo, na disposição, na força de vontade. Antes eu pesava 62 quilos, hoje peso 72.
Sempre fui um cara muito discreto. Já conhecia a Carla há um bom tempo e ninguém sabia. Conheço a Carla já tem três anos. E namoro ela há um ano e cinco meses (risos). Sou muito tímido, não gosto de ficar expondo as minhas intimidades para ninguém. Ela é uma pessoa mais dada, gosta de falar. É o estilo dela.
Por enquanto é namoro. É um namoro engraçado, a gente está numa boa e de repente vem uma notícia e pimba: "Tiazinha jantou com Alexandre Pires". "Alexandre Pires largou Carla Perez". O problema são as coisas que inventam. Eu não preciso provar para mais ninguém que gosto dela. Só para ela.
Sempre fui fiel. Ciúme todo mundo tem, mas o meu é mais tranquilo. A Carla é muito mais ciumenta.
Incomoda, mas incomoda muito mais você sendo um negro. Isso incomoda muito, muito.
Hoje ela está com seis.
Nenhum. Meu relacionamento com ela é superbacana. O único problema é o vínculo afetivo, que é difícil, delicado. A mãe sempre foi casada com o pai. O pai é o Zé, não sou eu. Então é difícil. Ela me vê como um boneco. De vez em quando ela vai em casa. Eu não estou lá no dia-a-dia. Tornou-se minha filha a partir do momento em que recebi o comunicado da advogada. Quis fazer o teste de DNA. Correu tudo normalmente. Ela estava com cinco anos quando fiz o exame.
Não sabia. Eu gosto muito de criança. Vou casar. Todo mundo tem um sonho de casar. Só que não é agora, isso é uma coisa para o futuro. Quero ter minha família, filhos. Mas quero acompanhar o processo, ver a barriga da mãe crescer, o filho nascer, crescer.
Ah, ainda me falta muito. Tenho muito medo de morrer amanhã e deixar para trás a missão ainda não cumprida aqui. A minha intenção, e acho que a de meus companheiros, é de sermos na história da música brasileira os maiores artistas que o Brasil já teve fora do País. A gente sabe que tem capacidade. Hoje o Só Pra Contrariar é um grande nome. Quero mais é trabalhar com saúde, preservar as raízes e seguir respeitando as pessoas que gostam da gente.