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COLHEITA
Abe planta arroz em fazenda japonesa

A oposição japonesa tem fustigado o governo com uma ironia: o primeiro-ministro do país, Shinzo Abe, teria medo de fantasmas? É assim que eles questionam o fato de o chefe da nação e sua mulher ainda não terem se mudado para a residência oficial após cinco meses no cargo. Com um histórico de revoltas e assassinatos de políticos, o local seria palco, no imaginário japonês, de manifestações sobrenaturais. Não se sabe até que ponto Abe teme os mensageiros do além – o governo, em nota, disse que não –, mas na vida real o primeiro-ministro tem derrotado assombrações mais perigosas. Depois de um tenebroso período de letargia econômica, que durou quase duas décadas, o Japão deu nos últimos meses surpreendentes sinais de vigor. Entre janeiro e março, o PIB do país cresceu 3,5% em comparação ao mesmo período do ano passado, mais do que o resultado alcançado pela economia americana e bem além dos países da União Europeia. O consumo interno, responsável por 60% do PIB japonês, aumentou 0,9% em relação ao trimestre anterior e as exportações cresceram 3,8%. Os balanços das empresas também refletiram o cenário de melhora. A Sony, que há tempos registrava prejuízos, vislumbra um lucro bilionário em 2013. Não à toa, a bolsa de valores do Japão atingiu, há duas semanas, o maior nível desde janeiro de 2008.

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Consumidores nas ruas de Tóquio: ele disparou
os gastos públicos e a economia deslanchou

A “Abenomics”, como está sendo chamada a agenda de medidas adotadas pelo primeiro-ministro Shinzo Abe, tenta impulsionar a economia do país e pôr fim a duas décadas de crescimento perdido, período marcado por quedas constantes de premiês de diferentes grupos políticos – nem o próprio Abe escapou. Em 2007, então primeiro-ministro mais novo desde a Segunda Guerra, ele se viu obrigado a renunciar em menos de um ano no cargo. Declarações polêmicas, imobilismo e casos de corrupção colocaram em xeque sua capacidade de liderança. “Estava ansioso para completar tudo de uma vez, e minha administração acabou sendo um fracasso”, assumiu em entrevista à publicação “Foreign Affairs”. Agora, a história é diferente. Abe definiu como meta imediata ceifar o monstro da deflação, que afeta o Japão há cerca de 15 anos. Para isso, colocou em prática uma série de medidas econômicas agressivas, na contramão da austeridade pregada pela União Europeia e pelos Estados Unidos.

Alinhada com o Banco Central do país, a fórmula nipônica para sair da crise e reverter o processo de deflação passa por três pilares. Até agora, dois deles já foram postos em prática: estímulos monetários e afrouxamento da política fiscal. Além de ampliar os gastos públicos em mais de R$ 270 bilhões – o oposto do que prega a chanceler alemã Ângela Merkel –, o Japão iniciou um processo de compra de títulos da dívida pública e de ativos de riscos, com a finalidade de duplicar o dinheiro em circulação em um prazo de até dois anos. Na prática, o governo colocou um tsunami de recursos na economia, desvalorizando o iene, a moeda local, em 20% apenas no último trimestre. Já as reformas estruturais para ampliar a competitividade do país, o terceiro pilar do Abenomics, só devem ocorrer após a eleição à Câmara Alta, em agosto.

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“A economia do Japão vem restaurando uma confiança perdida há tempos”, afirma Alexandre Uehara, diretor acadêmico das Faculdades Rio Branco e especialista em países asiáticos. Segundo ele, a expectativa gerada pelo governo, de que conseguirá pôr fim ao processo de deflação e chegar a uma inflação de 2% ao ano, faz com que a economia interna se movimente. “A expectativa de que os preços vão subir estimula o consumo”, diz o especialista. “Como o produto vai estar mais caro amanhã, o consumidor antecipa a compra.”

Sem filhos e descendente de uma das principais e controversas linhagens políticas do Japão – seu avô, o ex-prêmie Nobusuke Kishi, foi detido por crimes de guerra –, Shinzo Abe sabe como ninguém que tem a oportunidade de deixar um legado: o homem que fez a terceira maior economia do país voltar a decolar. Por ora, não há dúvida de que ele tem acertado mais do que errado – tanto é que, segundo pesquisas, a aprovação ao seu governo está em torno de 70%.

Fotos: kim kyung-hoon/reuters; Jiji press Japan out


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