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A única coisa que eu sei mesmo fazer na vida é ser editor.” Assim Roberto Civita costumava resumir a própria jornada, de 76 anos, encerrada às 21 horas e 41 minutos do domingo 26. Trata-se de um resumo preciso. Presidente do Conselho de Administração do grupo Abril desde 1990, Roberto Civita, ou simplesmente RC, como gostava de ser tratado pelos amigos, foi um dos principais responsáveis pela cultura do consumo de revistas no Brasil. Sob sua batuta, inspirado pela produção editorial dos Estados Unidos da década de 1960, a Editora Abril lançou “Quatro Rodas”, “Claudia”, “Exame”, “Realidade” e “Veja”, entre outros títulos, e transformou-se em um dos maiores grupos brasileiros do setor de comunicação.

Nascido em Milão, na Itália, em 1936, Roberto Civita morou nos Estados Unidos até os 12 anos, mas passou a adolescência no Brasil, onde despertou a vocação que veio a ser a pauta de sua vida. No curso secundário, foi o editor responsável pelo jornalzinho da Graded, escola americana localizada na zona sul de São Paulo. Apesar da dedicação ao jornalzinho, o boletim do jovem Roberto desenhava o perfil de um garoto direcionado para as ciências exatas, principalmente pelo bom desempenho nas provas de matemática. Com isso, conquistou uma bolsa para estudar física nuclear no Texas. Aceitou o desafio, mas a vocação voltou a falar mais alto e ele acabou trabalhando no jornal da universidade. Deixou o curso de física e mergulhou no mundo das ciências humanas. Simultaneamente, cursou economia e jornalismo na Warthon Business Scholl, na Pensilvânia, e posteriormente fez pós-graduação em sociologia. “Poderia ter sido um cientista, mas não seria nem muito bom nem muito feliz”, dizia Roberto Civita quando colocado diante do próprio currículo.

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Roberto Civita 1936-2013
Empresário que entre outros títulos lançou “Quatro Rodas” e
“Veja” dizia que a única coisa que sabia fazer era editar revistas

Enquanto se ocupava da formação acadêmica nos Estados Unidos, seu pai, Victor, no Brasil, fundava a Editora Abril, que trazia aos brasileiros personagens da Disney, como o Pato Donald, e editava fotonovelas. Era o início dos anos 1950 e, em Nova York, Roberto Civita, ao lado de outros quatro jovens de diversas partes do mundo, foi selecionado para um estágio na revista “Time”, que vivia o auge de seu prestígio. Terminado o período de estágio, chegou a ser convidado para permanecer na publicação, mas resolveu aceitar a proposta do pai e voltou para o Brasil. Trazia na bagagem alguns objetivos. O principal deles era criar uma revista semanal de informações, desejo que só conseguiu realizar em 1968 quando convenceu o pai a lançar “Veja”. A revista chegou às bancas três meses antes do AI-5, o Ato Institucional que transformou um governo autoritário em efetiva ditadura militar e arremessou a publicação recém-nascida ao controle da censura. “Roberto Civita teve o mérito de ser perseverante nos momentos adversos e, assim, contribuiu para a consolidação da liberdade de expressão”, lembra Domingo Alzugaray, fundador, editor e diretor responsável da Editora Três. Ex-diretor da Abril, Alzugaray foi um dos quatro signatários da fundação de “Veja”, ao lado de Victor Civita, do próprio Roberto e do jornalista Mino Carta.

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A DIREÇÃO DA ABRIL EM 1970
Victor Civita (em primeiro plano) à frente de Roberto Civita, Richard Civita, Edgard Farias,
Giordano Rossi, Mino Carta e Luiz Carta (da dir. para a esq). À direita, Domingo Alzugaray
(com gravata listrada e terno cinza) e, ao centro, com gravata clara, Arthur Civita

Para que o sonho editorial do rapaz que trocou a exatidão da física nuclear pela pluralidade do jornalismo se concretizasse, Roberto Civita enfrentou resistências na empresa comandada pelo pai, mas foi adiante. Com o País vivendo um período de tensão permanente, “Veja” acumulou inicialmente prejuízos. Na época, um relatório da diretoria da empresa foi incisivo: “Ou a Abril acaba com a “Veja” ou a “Veja” acabará com a Abril”, dizia o texto assinado por vice-presidentes. Estavam errados. Roberto Civita seguiu com seu projeto e transformou “Veja” em um sucesso indiscutível. Em 1982, Victor Civita determinou que Richard, o filho mais novo, ficasse com o controle administrativo da empresa e que Roberto cuidaria da gestão editorial. “Roberto Civita foi um ícone da história da mídia brasileira e sempre será lembrado como o editor que enraizou no Brasil uma forte cultura de consumo de revistas, assim como o empresário que implantou um modelo moderno de produção e comercialização dessa indústria”, diz o presidente-executivo da Editora Três, Caco Alzugaray. “Apesar da difícil concorrência que sempre enfrentamos desse grande e importante grupo de comunicação, sempre respeitamos e admiramos Roberto Civita.” Em 2002, coube a Roberto Civita indicar o nome de Caco para a presidência da Associação Nacional dos Editores de Revistas.

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Somente em 1990, com a morte de Victor, é que, na condição de presidente do Conselho Diretor da Abril, Roberto passaria a responder também pela gestão administrativa do grupo. Vieram, então, alguns projetos problemáticos, como o investimento simultâneo em tevê a cabo, por satélite e no sistema de micro-ondas. “Alguém deveria ter me alertado e dito: você enlouqueceu? Não pode fazer isso. Ninguém no mundo conseguiu fazer essas três coisas ao mesmo tempo”, afirmou Roberto em agosto do ano passado. As dívidas contraídas em tais projetos levaram Roberto a se desfazer de parte dos empreendimentos. Em 1999 a empresa deixou a DirectTV e, em 2012, desfez-se da TVA. Apesar dos sobressaltos, a insistência de Roberto despertou admiração. “Roberto nunca se distanciou de sua maior paixão: editar”, afirma Frederic Kachar, atual presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas.

Ao contrário do pai, tido como extraordinário relações públicas, Roberto era discreto e dono de um perfil mais técnico. Implantou na empresa uma visão profissional de gestão editorial, que dizia traduzir os moldes americanos. “Sob o comando de Roberto Civita, a Editora Abril transformou-se em referência”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff, em nota emitida na segunda-feira 27. O empresário e editor faleceu vítima de falência múltipla de órgãos, depois de passar os últimos três meses internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde se submetera a uma cirurgia para a implantação de um stent abdominal. Desde então, a empresa vem sendo conduzida por Giancarlo Civita, o mais velho de seus três filhos.

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Além de capitanear a política editorial da empresa criada pelo pai, Roberto Civita se destacou pelo compromisso em prol da educação, seja por intermédio das publicações voltadas especificamente para o tema, seja através da Fundação Victor Civita, que entre suas atividades estimula a formação e a capacitação de professores. “Nosso pai mostrou que uma nação de verdade não nasce ao acaso, precisa ser construída. E ele tinha a certeza de que para isso é preciso educação e liberdade de expressão. Como filhos, reiteramos o compromisso já feito a ele de perseverar, com essas duas ferramentas, na luta pelo fortalecimento das instituições democráticas do País”, disse Giancarlo durante o velório que reuniu cerca de duas mil pessoas no Crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Provavelmente, caberá a Giancarlo a missão de dar prosseguimento ao trabalho de Roberto Civita. “Ninguém é insubstituível. Mas dar continuidade ao trabalho de Victor e de Roberto não será uma tarefa fácil”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Fotos: PEDRO MARTINELLI; Ana Paula Paiva/Valor/Folhapress
Fotos: FRANCISCO ALBUQUERQUE; SOMMER ANDREY; SILVIA SANTANA