O Banco Central não foi o único a usar uma taxa de câmbio inferior à do mercado na operação de socorro ao banco Marka. Vários bancos estrangeiros se valeram do mesmo expediente para engordar o volume de dólares enviados para suas matrizes. A lista é formada por pesos pesados do sistema financeiro mundial, como Citibank, JP Morgan, Deutsche Bank, Crédit Suisse First Boston e Crédit Commercial de France, que tentaram aproveitar todas as oportunidades abertas pela desastrada mudança do regime cambial. "Naquele período, o mercado de câmbio virou um verdadeiro faroeste", diz um especialista que já trabalhou no Banco Central. Numa das operações identificadas pelos fiscais do BC, um banco chegou a usar a taxa de R$ 1,20 quando a cotação já estourava a barreira dos R$ 2. Ou seja, para cada R$ 100 trocados, essa instituição remeteu a favor da sua matriz US$ 83. No mesmo momento, um importador que tentasse pagar uma dívida lá fora conseguiria pouco mais de US$ 50 pelos mesmos R$ 100. Todos os bancos rastreados pelo BC praticaram operações muito semelhantes a essa. Procurados, Deutsche, Citibank, CCF e Credit Suisse negam que tenham praticado a artimanha. O JP Morgan preferiu não se manifestar. O fato é que o Banco Central começou a mapear a malandragem cambial no final de janeiro e informa que determinou a vários bancos a anulação das operações.

De acordo com os técnicos, as operações poderiam ter consequências fiscais permitindo um ganho extra. Os bancões que tentaram se valer de taxas subfaturadas poderiam acabar registrando prejuízos, já que no mercado a moeda americana estava mais cara. É como se tivessem vendido para si mesmos dólares a preço mais baixo do que compraram. Por causa desse efeito, a Receita Federal decidiu vasculhar a numerália contábil de uma parte deles. Quem já enfrentou gigantes estrangeiros na arena do mercado diz que eles têm duas faces. O Citibank, por exemplo, está à frente da retomada do crédito aos exportadores do País. Anunciou, no início do mês, a pretensão de liberar US$ 200 milhões em empréstimos ao setor. Mas nos negócios próprios, eles costumam cultivar operadores e advogados agressivos. Jogam com o peso de carteiras bilionárias e têm equipes dedicadas a rastrear qualquer furo nas normas. Neste caso, a brecha legal estaria na extinção das bandas cambiais, que funcionavam como limites. Com o câmbio livre, valeria qualquer taxa.

O Banco Central vem exigindo a reversão das operações valendo-se de uma norma de 1990, que sobreviveu à desvalorização. Por ela, bancos não podem fechar negócios com taxas destoantes da média do mercado. Mas, por enquanto, a tendência é parar por aí, em vez de tentar bancar que a malandragem cambial, na verdade, seria uma fraude que, comprovada, exigiria punição e denúncia ao Ministério Público. Para liquidar o risco de sonegação fiscal daqui para a frente, BC e Receita produziram uma medida provisória, publicada no Diário Oficial há duas semanas. Ela define que para o Leão o dólar que vale é a média praticada pelo mercado e divulgada pelo Banco Central no final de cada dia. Quanto mais os fiscais esmiuçam as operações dos quase dois meses em que o câmbio ficou à deriva, mais surpresas aparecem. Já havia sido detectada outra esperteza através dos Fundos de Investimentos no Exterior, os Fiex, criados para que brasileiros pudessem investir em títulos da dívida externa lá fora. Somente três semanas depois da desvalorização, o BC fechou a porta que permitia a bancos e clientes mandar dinheiro para um lugar seguro e ainda lucrar com a desvalorização. Numa sugestiva coincidência, muitos dos que adotaram taxas subfaturadas, também se beneficiaram com o Fiex.

Cartas marcadas

O economista Francisco Lopes não pode negar que sua breve gestão como presidente do Banco Central teve uma marca. Aliás, Marka. O socorro ao banco de Salvatore Cacciola alimentou a polêmica sobre a fiscalização do BC. Para evitar a quebra da instituição em plena mudança do regime cambial, a diretoria de Lopes vendeu milhões de dólares ao banco, em 14 de janeiro, utilizando a cotação de R$ 1,27. Curioso é que, naquele dia, os outros negócios do BC foram fechados a R$ 1,32, indicando favorecimento ao banco carioca. Na semana passada, as suspeitas cresceram quando ISTOÉ DINHEIRO revelou o depoimento de Sandra Cupello, ex-secretária da Marka Nikko Asset Management, ligada ao banco, que confirmou ter agendado vários compromissos entre Lopes e a diretoria do grupo. A reportagem obrigou o ex-presidente do BC a romper um silêncio de dois meses. Sua justificativa resumiu-se a uma carta da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), expedida no mesmo dia 14, que alertava para os riscos de uma hecatombe financeira. Lopes orientou então seu diretor de Fiscalização, Cláudio Mauch, a abandonar o estilo "intervém-fecha-e-liquida". Hoje recolhido em sua casa de Porto Alegre, o ex-diretor se defende. "Foram as condições possíveis naquele momento. O mercado estava travado e o BC agiu para dar liquidez", disse Mauch a ISTOÉ. Uma versão oficial e definitiva está sendo produzida pelo novo comando do BC e deve sair até a terça-feira 13. Dirá tudo, menos a verdadeira razão do socorro, antecipada por dois diretores, um do BC e outro da BM&F: "O câmbio de R$ 1,27 era o único que permitia ao Marka quitar seus compromissos sem comprometer o patrimônio pessoal de seus proprietários." Quem também não está satisfeito são os cotistas dos fundos do Marka. Sem o privilégio do dólar a R$ 1,27, perderam 95% de suas aplicações e estão na Justiça. "O BC deveria nos dar o mesmo tratamento", afirma Leon Sayeg, diretor da associação dos cotistas.