Os funcionários da Anhembi Turismo – empresa de eventos do município de São Paulo, que administra um dos maiores complexos de exposições do País – costumam trabalhar nos feriados e dias de ponto facultativo. Na quinta-feira 1º, porém, todos foram dispensados. Os diretores tinham a informação de que no final da tarde os promotores e delegados que investigam o propinoduto da prefeitura paulistana iriam fazer uma blitz no Anhembi na busca de documentos comprometedores. Para não deixar pistas, só mesmo os chefes foram fazer um serviço extra: tirar dali toda a documentação possível. Mas a blitz chegou antes do previsto. Todos os diretores estavam reunidos na sala do presidente e, para não serem flagrados, se amontoaram no banheiro, que tem uma apertada passagem para o auditório Elis Regina. Por ali, eles escaparam. Saíram correndo pela avenida Olavo Fontoura até que conseguiram parar um táxi. Os engravatados que suaram na avenida tinham realmente motivos para preocupação. A documentação, já em poder do Ministério Público (MP), comprova que o Anhembi é um dos maiores filões da corrupção malufista. Por suas passarelas desfilam contratos superfaturados, funcionários fantasmas, favorecimentos a empresas ligadas aos amigos do ex-prefeito Paulo Maluf e falcatruas em geral.

Um dos maiores filões está no estacionamento do Anhembi, o único de grande porte ainda não automatizado em São Paulo. Cálculos feitos pela polícia e pelo MP indicam que semanalmente sangram por esse ralo cerca de R$ 200 mil. Para fazer o dinheiro sumir, os administradores do Anhembi recorrem a um expediente primário. Oferecem tíquetes de entrada ao cliente, que são carimbados e colocados em uma urna quando o carro passa pelo caixa de saída. O problema é que a numeração dos tíquetes é duplicada. As urnas, depois de fechadas, são levadas à gerência de estacionamentos, ocupada até o domingo 4 pelo coronel Mário Roberto Fossi, ligado a dois malufistas de peso: Calim Eid e Flávio Maluf, o filho do ex-prefeito. A gerência de estacionamentos do Anhembi é subordinada à vice-presidência, comandada até o domingo por Antônio Paulo Bastos Vidal, homem de confiança de Flávio Maluf. No mês passado, duas feiras lotaram as 15 mil vagas dos estacionamentos do Anhembi: a Brasilplast e a Automec. No entanto, na contabilidade da empresa foram registrados apenas nove mil carros por evento. Um subfaturamento de 12 mil automóveis, o que totaliza R$ 120 mil desviados dos cofres municipais. "Talonários em duplicata permitem todo o tipo de fraudes. Vamos apurar isso a fundo", avisa o promotor José Carlos Blat, do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

Com a documentação que tem em mãos, o MP tem um desafio pela frente. Identificar para onde foram desviados os recursos públicos. A própria documentação pode ajudar nessa tarefa. A contabilidade do Anhembi indica que a empresa movimenta quantias exorbitantes, que curiosamente se multiplicaram no ano de 1996, quando Maluf elegeu o afilhado Celso Pitta. Em 1995, por exemplo, os gastos totais do Anhembi chegaram a R$ 50,1 milhões. Em 1997, somaram R$ 52 milhões. Mas, em 1996, o ano eleitoral, eles pularam para R$ 63,9 milhões. Os números referentes à contratação de mão-de-obra temporária apontam na mesma direção. Em 1995, foram R$ 7,4 milhões. Em 1997, R$ 3,6 milhões, mas em 1996 chegaram a R$ 10,3 milhões. Além dos valores suspeitos, essas contratações sofrem ingerências políticas. A maior fornecedora de mão-de-obra para o Anhembi é a Man Power, que, segundo um malufista de carteirinha, é ligada ao ex-secretário de Maluf, Edevaldo Alves da Silva. Na área de segurança, a Man Power é ligada à Ofício. No Carnaval do ano passado, o Anhembi contratou os serviços da Ofício, mas a empresa só enviou 25% do pessoal acertado e recebeu o contrato integral.

Os serviços especializados em sonorização, iluminação e palcos formam uma mamata à parte. A polícia e o MP estão de olho na ARM Áudio, uma empresa que tem ficado com a maioria dos eventos do Anhembi. Uma das sócias da empresa é Wilma Eid, filha de Calim Eid, um dos mais antigos chefes do malufismo. O MP já sabe que a ARM Áudio é a sucessora da Atração, empresa que esteve envolvida no caso Pau Brasil e também trabalhou para as campanhas de Maluf em 1990 e 1992 e de Pitta em 1996.

Pornochanchada Outro dado que salta dos documentos apreendidos na quinta-feira 1º é o número de funcionários fantasmas e apadrinhados. O MP recebeu informações de que eles seriam pelo menos 300. Trata-se de um cálculo generoso. O Center Norte, que possui uma área destinada a exposições apenas 33% menor do que o Anhembi, conta com 52 funcionários. Na empresa municipal eles são 1,3 mil. Para os políticos malufistas, o Anhembi é uma festa. A mulher do prefeito Celso Pitta, Nicéa Pitta, conseguiu ali bons salários para seus apadrinhados. O vereador Hanna Garib, acusado de ser um dos comandantes do esquema de cobrança de propinas, empregou a mulher, o filho e o irmão. O deputado federal Zé Índio também empregou os irmãos Maurício e Geraldo Ferreira do Nascimento, e o vereador Wadih Mutran conseguiu vaga para sobrinho, Walter Jorge Mutran. "Ele usou o meu nome", rebate o parlamentar pepebista.

Não são só políticos que participam do festival de apadrinhamento. Aparecem na lista, também a atriz de pornochanchadas Zélia Martins, o ator Claudio Curi, e o presidente da Escola de Samba Rosas de Ouro, Eduardo Basílio. Gratificar bem os amigos é uma praxe do malufismo, principalmente em época de campanha. A polícia e o MP estão investigando se de fato nas campanhas de 1990 e 1992, os radialistas populares Gil Gomes, Ely Corrêa e Paulo Barbosa teriam recebido cerca de US$ 5 mil mensais apenas para falar mal dos adversários de Maluf. Há suspeitas de que eles também figurem em listas de prestadores de serviços do Anhembi.

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Apesar de tanta lama, o único político punido em consequência das investigações sobre as propinas é o vereador Vicente Viscome (expulso do PPB). Ele também tinha sua boquinha no Anhembi. Seu assessor Rivaldo Sant’anna é pago pela empresa. Viscome depôs na CPI da Câmara na quarta-feira 7 e em seguida teve a prisão preventiva decretada. No primeiro dia no xadrez, comeu marmitex, jogou baralho e leu jornais.

Colaborou Luísa Alcalde

 

Um prefeito na cadeira bamba

Desde que começaram a vir à tona as entranhas da administração paulistana, corroídas pela corrupção, a permanência de Celso Pitta na cadeira de prefeito passou a ser questionada. A dúvida é saber de onde partirá o empurrão certeiro. No quesito encaminhamento, o advogado José Mario Pimentel de Assis Moura saiu na frente, requisitando o impeachment de Pitta por improbidade administrativa. Assis Moura baseou seu pedido no caso de uma área municipal desapropriada pelo Estado.

"O prefeito deveria ter cobrado do governo paulista uma dívida judicial de R$ 200 milhões, mas não tomou nenhuma providência, desconsiderando inclusive parecer da Procuradoria Geral do Município", justificou o advogado, na sexta-feira 9. No mesmo dia, sua denúncia foi encaminhada pelo presidente da Câmara, Armando Mellão (sem partido), à CPI que investiga a corrupção municipal. Pelo regimento, Mellão tem cinco dias para ler, em plenário, a formalização do pedido de impeachment. Antes disso, porém, Mellão pretende analisar o parecer da procuradoria, documento que já requisitou à prefeitura. "É apenas uma precaução jurídica. Não vou usar nenhum artifício para impedir que o caso seja apurado", garantiu o presidente da Câmara.

Com um maior leque de denúncias contra o prefeito – dos achaques nas administrações regionais a casos de superfaturamento em compras do programa de saúde municipal, o PAS –, o vereador Vicente Cândido (PT) também está preparando um pedido de impeachment, que deve ser oficializado na próxima semana, paralelamente a um ato público. Na semana passada, numa manifestação em frente à Câmara, uma atriz, que se intitulava dona da empresa Maracutaias, Propinas & Associados, apontou bonecos de Pitta e de seu antecessor, Paulo Maluf, como os seus maiores clientes.


As ameaças à estabilidade de Pitta não terminam nessas iniciativas. Ele também está no meio de um imbróglio jurídico. No Tribunal de Justiça do Estado, tramitam 19 ações envolvendo Pitta, considerando-se apenas as provenientes das Varas da Fazenda Pública. Em três delas, já há condenação em primeira instância, por causa da emissão irregular de títulos públicos. A pena: perda do cargo e dos direitos políticos por oito anos. Como não poderia deixar de ser, o prefeito está brigando para não fazer valer a punição.

Luiza Villaméa

 

Faça o que eu digo….

Um dos maiores defensores da política neoliberal, o ex-deputado Roberto Campos (PPB) bate forte no gigantismo estatal. Costuma rotular a Petrobras de Petrossauro. O que é ruim para o Brasil, porém, parece ser um bom negócio para sua família. Seu filho, Luis Fernando de Oliveira Campos, é funcionário fantasma na prefeitura de São Paulo, segundo o promotor Gilberto Garcia, do Ministério Público de São Paulo. Luis é contratado pela Prodam (Companhia de Processamento de Dados), mas prestaria serviços ao Iprem (Instituto de Previdência). Segundo o promotor, ele não aparece em nenhuma das empresas. Ouvido por ISTOÉ, Luis Fernando disse ser assessor de informática no Iprem. "Trabalho regularmente todos os dias", defendeu-se. Roberto Campos também saiu em sua defesa. "Ele trabalha, é só perguntar para o superintendente."


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