Depois de sete meses de relativa calma nas taxas de câmbio, a cotação do dólar engrenou nove dias de aumentos sucessivos a partir da quinta-feira 7 e chegou a atingir a barreira dos R$ 2 na quarta-feira 20. Uma valorização de 3,5%. Uma alta muito elevada, que coloca em xeque a política de estabilidade do governo e cutuca com vara curta o dragão da inflação. Os empresários reagiram imediatamente à turbulência. Indústrias, como os frigoríficos Seara e a companhia de massas Socma, anunciaram reajustes de 15% a 20% nos preços de seus produtos. Uma forma de repassar o aumento nos custos de importação do trigo e seus derivados e aproveitar a deixa do crescimento das vendas no final de ano. O panorama ficou tão crítico que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi levado a fazer um apelo na própria quarta-feira 20 para que não houvesse repasses ao dólar. Um pedido aparentemente em vão. Renato Soriano, diretor do Banco Linear, é um dos analistas pessimistas sobre a performance do custo de vida. “Numa situação dessas, o normal seria o governo elevar as taxas de juros para frear o consumo. Mas o País é regido atualmente por fatores políticos e não há condições para isso.” A inflação já vinha em alta desde setembro e nada indica que a situação será revertida tão cedo. Na segunda quadrissemana de outubro, por exemplo, o IPC da Fipe registrou 1,13% de inflação, contra 1,04% do período imediatamente anterior. Efeito imediato, técnicos da fundação reviram para cima a previsão de 6,7% para este ano. Agora falam em 7%.

Bomba-relógio – A disparada do dólar está diretamente ligada às diretrizes do plano econômico. Desde que assumiu em 1994, FHC apostava que o baixo desempenho das exportações seria compensado com a entrada de investimentos diretos, aqueles dólares destinados à compra ou construção de fábricas e empresas. Era a maneira de garantir divisas para o pagamento da dívida externa. Não deu certo com o real sobrevalorizado. Com a maxidesvalorização de janeiro, a expectativa era de que enfim as vendas externas deslanchariam. Nova decepção. Pior: a entrada de capital internacional tem diminuído. O saldo mensal caiu de US$ 4,09 bilhões em julho para US$ 2,72 bilhões em setembro. Uma bomba-relógio que explodiu neste mês, quando as reservas internacionais em posse do Banco Central rondam os US$ 23 bilhões. Muito próximo ao limite de US$ 22 bilhões imposto pelo FMI. O que levou o Tesouro a recorrer pela primeira vez na sua história à compra de dólares no mercado para honrar pagamentos da dívida, em vez de captar do BC. Diante disso, a disparada da moeda americana foi inevitável. “Não existem provas, mas somente um grande comprador, como o Tesouro, causaria uma alta como a que ocorreu”, explica Renato Rabelo, sócio da corretora Indusval. O BC nega que o Tesouro estivesse acuado e declara que o FMI permite uma folga de gastos abaixo do limite oficial. Existem ainda os US$ 17 bilhões emprestados ao Brasil no pacote de emergência de março. Mas a fragilidade do regime cambial está mais do que evidente.

Ameaça salarial – Como se não bastasse o dólar atiçar o custo de vida, os reajustes de salários para categorias importantes, como os metalúrgicos, tendem a ser uma dor de cabeça para quem quer controlar a inflação. Ao contrário de 1998, quando os trabalhadores tiveram reajustes abaixo dos índices de inflação, neste ano os sindicatos querem brigar para repor todas as perdas. Na Ford e na Scania, por exemplo, os trabalhadores já conseguiram 10% e 10,5%, bem acima dos 5,99% do INPC ao longo de 12 meses. Os aumentos serão dados em duas parcelas. “Recuperamos resíduos inflacionários dos anos anteriores que não haviam sido repostos”, explica o vice-presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, Carlos Alberto Grana. Os trabalhadores da Volkswagen estão atrás de reajustes no mesmo patamar, além de um bônus de fim de ano. Em São Paulo, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, afirma que os acordos no ABC serão a base de negociações futuras. Uma situação nem um pouco tranquilizadora para a equipe econômica. O temor é de que as conquistas salariais facilitem o repasse de preços aos consumidores. Para José Pena Garcia, economista do BankBoston, o desemprego deve frear esses reajustes salariais, que ficariam localizados. Ele prevê, por outro lado, uma queda-de-braço entre a indústria e o comércio na hora de rever os preços. “Desde 1994 alguns fabricantes seguraram reajustes, inclusive por causa da concorrência com os importados. Mas chega uma hora em que não dá mais para segurar.” Está descartado, porém, um descontrole inflacionário. O fato é que até dezembro a situação será muito delicada para um governo que tem como um dos únicos trunfos a estabilidade. Lá, vencerá US$ 1,4 bilhão de dívida externa da União. Uma soma três vezes maior do que os desembolsos previstos para outubro e novembro. O corre-corre nas mesas de câmbio pode piorar.


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