Na infância, a clássica pergunta “o que você vai ser quando crescer?” não assusta. A vida adulta está distante e as possibilidades são infinitas. Mas, no final da adolescência, o futuro chega de repente e, parece, todo o universo nos cobra a atitude crucial de decidir o caminho para toda uma vida. Quem já chegou ao mercado de trabalho sabe que o caráter definitivo e urgente dessa decisão não é tão real assim. Afinal, muita gente desiste no meio do curso ou vira a mesa depois de passar anos numa profissão e vai, finalmente, fazer sucesso em outra freguesia. Mas para os vestibulandos é assim que o quadro se apresenta. O exame transformou-se num rito de passagem para a vida adulta e, por isso, devorar apostilas e enfrentar simulados fica ainda mais pesado. Uma pesquisa feita com 600 estudantes a três meses das inscrições para o vestibular da Universidade Federal do Paraná, a mais concorrida daquele Estado, mostra a grande dificuldade de definição: apenas 13% dos candidatos tinham decidido sua escolha, 40% estavam em dúvida, mas tinham informações sobre os cursos e os outros 47% desconheciam a maioria. “Alguns não sabem nem se querem humanas, exatas ou biológicas”, afirma a psicóloga Selena Grecca, vice-presidente da Associação Brasileira de Orientadores Profissionais, coordenadora da pesquisa divulgada em agosto.

É o caso de Valnira da Silva, 17 anos. Ela já pensou em Artes Cênicas, mas agora está em dúvida entre Biologia e Ciência da Computação. “Quando pensei em Artes Cênicas, meu pai me disse: ‘Filha, você vai viver de aplausos?’ Tenho de pensar em algo que eu goste e dê retorno financeiro”, preocupa-se. Desde pequeno, Fernando Jerez, 18 anos, pensa em ser médico, mas diante do vestibular vislumbrou outras possibilidades.“Também gosto de Pesquisa Genética e Biologia”, diz. Os motivos para a indecisão são muitos: o desconhecimento das novas profissões e a inexperiência, as alterações e a instabilidade do mercado e até mesmo o interesse abrangente, tão bem-vindo e desejado em qualquer adolescente sadio. Também não se pode exigir maturidade intelectual e afetiva de gente tão jovem, à frente da primeira grande decisão de sua vida.

O amplo leque de questões a analisar dificulta ainda mais as escolhas. No Cursinho da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, criado para atender vestibulandos de baixa renda, uma nova matéria foi incluída no currículo. Chama-se Vestibulógico ou Logística da Decisão que dá informações práticas. “Tão pressionados em passar no exame, os alunos não se preocupam com o depois. Muitos, ao irem estudar em outras cidades, largam o curso porque não têm onde morar ou não conseguem sustentar-se”, aponta André Luiz Leite, coordenador do cursinho.

Para Selena Greca, a solução para evitar tanto stress é incluir a orientação vocacional no currículo escolar do ensino médio. “É preciso trabalhar dois aspectos básicos de processo decisório: o autoconhecimento e a informação”, sugere a psicóloga. “E isso não se faz só com palestras e testes de aptidão.” A proposta faz parte do livro Orientação profissional em ação – formação e prática, a ser lançado no final deste mês pela Summus Editorial.

Experiências como a do Colégio Santa Maria, em São Paulo, confirmam a tese. O colégio dedicou vasto tempo ao autoconhecimento e à construção da identidade de seus alunos e obteve bons resultados. “Os adolescentes precisam verbalizar, escrever e analisar tudo que já viveram, ver o que lhes dá prazer, contar sua história, para delinear suas habilidades”, afirma a psicóloga Fátima Trindade, orientadora vocacional da escola. A novidade este ano foi a adoção do BBT, método que define a inclinação profissional por meio de fotos, utilizado na Suíça com apoio do governo há cerca de 20 anos. Ao analisar as fotos, o aluno define suas necessidades estruturais básicas. Uns precisam trabalhar com a afetividade, outros com a força física, outros ainda com a estética e assim por diante. “Necessidades neste caso não são carências, mas características de personalidade. Ignorá-las gera muita infelicidade”, explica Fátima. Outro programa em andamento é o Semana na Empresa, realizado em parceria com grandes empresas, hotéis, hospitais, etc., que possibilita ao adolescente participar da rotina dos profissionais.

Botar a cara para fora dos portões dos colégios e dos cursinhos foi o caminho certo para Riane Dimitrov, 16 anos. Ela procurou informar-se sobre as profissões, usando publicações como o Guia de profissões (Editora Segmento, R$ 5). Depois, de pequena peregrinação, descobriu que o seu negócio era trabalhar com publicidade de moda. “Pensei em ser veterinária até assistir a algumas aulas na faculdade. Depois, me encantei com Turismo. Passei uns dias numa agência e não gostei. Me encontrei numa conversa com a coordenadora de uma faculdade de Moda.” Experimentar outros ares e até mesmo adiar o momento de escolha são opções que devem ser consideradas pelos indecisos. Cursos breves, intercâmbios culturais ou uma experiência de trabalho podem trazer a pitadinha de maturidade que falta. Ricardo Piriquito tem 23 anos e somente agora tem certeza do que realmente quer fazer. Trabalhar num centro automotivo contribuiu muito para isso. “Entrei em Direito em 1997, depois tentei Administração. Mas vi que o que eu queria era pôr a mão na massa. O trabalho me ajudou a decidir por Engenharia Mecânica”, conta ele.

Novo modelo – Chegar o mais perto possível do mercado de trabalho torna mais claro o momento de transição. Ele mudou muito mas, segundo o professor José Atílio Vanin, coordenador do vestibular da Universidade de São Paulo (Fuvest), as pessoas relutam em aceitar isso. “O Brasil é uma sociedade pós-industrial. O que significa que não se pode mais pensar em entrar numa empresa e ficar lá 30 anos”, aponta ele. “O mercado em alta é o de serviços e o que conta mais é o perfil do candidato do que o curso que ele fez”, adverte. Valoriza-se hoje iniciativa, espírito empreendedor, capacidade de trabalhar em equipe, de assumir diferentes papéis e de utilizar os meios de comunicação, além de uma boa formação. “O adolescente sente isso, mas o pai, às vezes, insiste no modelo antigo. Tanto é que as carreiras mais cobiçadas ainda são Engenharia, Medicina e Direito”, observa Vanin.

Utilizar a faculdade não para definir uma carreira, mas como fonte de conhecimento, é também o conselho que o professor Miranda Leite, do Cursinho da Politécnica, dá aos seus alunos. “Precisamos desmitificar a entrada na faculdade. O aluno deve pensar que está escolhendo um curso de formação e não selando seu destino. Há centenas de advogados e engenheiros que não trabalham em sua área ou estão desempregados”, diz. Leite cursou um ano de Filosofia, outro de Jornalismo, outro de Direito e mais dois de Pedagogia e encara a faculdade como um tempo complementar de descobertas. Já que nenhum diploma traz no verso um contrato de trabalho, não custa relaxar e considerar o conselho. Emprego são outros quinhentos.