O que dizer de alguém que, além de não comer o arroz com feijão de todo dia, ainda se afasta dos amigos devoradores de enlatados, refrigerantes e outros pecados gastronômicos? Ou passa a viver tão preocupado com o que vai almoçar e jantar – já que seu menu é sempre diferente do trivial – que isso consome praticamente o dia todo? Para quem já consideraria essa pessoa uma chata, é bom ir com calma. Ela pode estar sofrendo de ortorexia nervosa, uma nova doença que vem sendo divulgada pelo médico americano Steven Bratman.

Na concepção de Bratman, a ortorexia surgiu como uma distorção da idéia de que a comida natural – muitos vegetais, cereais, nada de carne ou enlatados – é a melhor forma de alimentar corpo e alma. De fato, a ciência já se encarregou de provar que esse tipo de alimentação melhora a saúde. O problema é que os ortoréxicos estariam levando a receita a sério demais. E por causa das restrições ao que colocam no prato, essas pessoas acabam convivendo apenas com aqueles que dividem o mesmo cardápio ou consomem horas e horas pensando no que e como comer. A preocupação com a comida, então, chega às raias da paranóia.

No entanto, por ser muito nova, a denominação ortorexia nervosa é pouco conhecida entre os especialistas brasileiros. O médico Táki Cordás, do Hospital das Clínicas de São Paulo, nunca ouviu falar na doença. Ele acredita, porém, que a ortorexia seria um pré-estágio da anorexia (distúrbio alimentar em que o paciente não se alimenta por medo de engordar). “Para não comer, a pessoa usa subterfúgios. Na década de 60, boa parte dos anoréxicos dizia seguir uma dieta macrobiótica para justificar a recusa dos demais alimentos”, explica Cordás. “No fundo, a intenção é perder peso.”

O endocrinologista carioca Isaac Benchimol também defende a tese de que a ortorexia seja uma variante da anorexia. Só que com pitadas paranóicas. Ao evitar encontros por causa da alimentação, o paciente pode estar sofrendo de um quadro neurótico – está querendo dizer que os outros são impuros. Para tirar o paciente do radicalismo, o médico deve negociar a entrada gradual de novos alimentos no cardápio. “Tive uma paciente que só comia tomate e maçã para não engordar. Conseguimos que ela fizesse uma concessão ao queijo, para ingerir proteínas, mas ela só aceitou queijo de cabra”, recorda Benchimol.

O professor Eujácio Silveira, 35 anos, já foi radical por uns tempos, mas escapou da paranóia. Há cinco anos, uma dieta à base de arroz integral, algas marinhas e chás acabou com uma sinusite. “Segui a recomendação e a dor passou. Mas a dieta não combinava com meu jeito. Deixei de ir a bares, de beber e cheguei à conclusão que era melhor voltar a ser o que eu era. Meus amigos são hereges nos seus modos alimentares. Preferi ficar com eles”, diz.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias