Foram momentos de tensão vividos numa das salas da centenária sede do Ballet Bolshoi, em Moscou. De um lado da mesa, a empresária brasileira Myriam Dauelsberg, da Dell’Arte carioca, tentava apresentar um esquema alternativo para a viabilização da turnê da companhia no Brasil, que, com a repentina desvalorização do real frente ao dólar, teve balançados os planos de hospedar as sapatilhas mais famosas do mundo. Do outro, o todo-poderoso Vladimir Vassiliev, diretor-geral do Bolshoi, procurava manter o habitual ar desconfiado, apesar de ser o maior interessado na confirmação da excursão, já que a Rússia tem sido igualmente castigada desde o esfacelamento do mundo comunista. A cena aconteceu há um mês e, depois do bom desfecho, reproduziu, com certo humor negro, é verdade, a máxima de que países desmontados unidos jamais serão vencidos. Valeram a pena o esforço do reajuste de cachê e o constrangimento de ter de adaptar a grandiosidade da companhia russa ao encolhimento da economia tupiniquim. Em maio, o Brasil verá o Bolshoi nas coreografias Spartacus e Raimonda, mas sem a tradicional orquestra que o acompanha. Seus integrantes também terão de se amoldar à situação. Os 382 itens de produção foram revistos. Houve, então, mudanças de reservas dos vôos de primeira classe para econômica, diminuiu o número de quartos individuais nos hotéis e, em vez de muitas vans exclusivas, mais ônibus coletivos como conta Steffen Dauelsberg, diretor-executivo da Dell’Arte, comandada por sua mãe, Myriam. "Estamos sendo peitudos e agressivos para honrar o compromisso com nossos assinantes", diz o empresário.

Parece que foi ontem, mas o Brasil já estava se acostumando a ver grandes espetáculos de dança, megashows de rock, bons concertos de música erudita e a abrigar exposições históricas. Mas, como a tal da crise é real, não adianta reclamar, portanto mãos à obra! Não só a Dell’Arte – que em abril pretende trazer o violoncelista, pianista e regente russo Mstislav Rostropovich e a Sinfônica de Budapeste – mostra tenacidade. Muitos profissionais que lidam com cultura estão rebolando para não deixar os brasileiros privados de boas atrações. Heloisa Lustosa, diretora do Museu Nacional de Belas Artes (Mnba), no Rio de Janeiro, nem teve tempo para lamentar o cancelamento da mostra do norueguês Edvard Munch. Preferiu anunciar para junho a exposição Arte italiana entre guerras – obras de Giorgio De Chirico estarão presentes – que, além de já estar financiada, proporcionará ao museu um sistema de iluminação de primeira linha, doado pelos exibidores. A mostra acontece antes, em abril, na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. O mesmo Mnba deve organizar, entre outubro e dezembro, a mostra Vanguarda russa, incluindo, entre outros, Kazimir Malevitch, um dos mestres do abstracionismo geométrico, e Vassili Kandinski, o pioneiro da pintura abstrata.

Para 1999, o calendário de artes plásticas promete outros nomes de peso. Pablo Picasso, o artista do ano para os cariocas, já está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) com a série de gravuras Suite Vollard, encomendada pelo marchand Ambroise Vollard nos anos 30. Ainda no Rio de Janeiro, em maio o Mnba prevê uma retrospectiva com 40 telas do artista e, em junho, o mestre espanhol se desdobrará na mostra do Museu de Arte Moderna (MAM) – que trará esculturas, desenhos e gravuras dos anos 30 e 40 – e na da Casa França-Brasil, que abrigará apenas cerâmicas feitas na década de 30, vindas do Museu Picasso. As mostras do Mnba e do Mam, no entanto, esperam confirmação de patrocínio, o que deixa em suspense o Museu de Arte de São Paulo (Masp), já que as exposições estão atreladas às duas cidades. Situação semelhante acontece em relação a Andy Warhol. O Museu de Arte Contemporânea (Mac), na capital paulista, está esperando patrocínio para em agosto expor 233 trabalhos do papa do pop, entre eles os célebres retratos de Jackie Kennedy e de Marilyn Monroe, e a série das latas de sopas Campbell.

Na área de shows, a operação de guerra para confirmar atrações se revela conflituosa, mas nem por isso menos reveladora. Neste ano, ainda sem datas marcadas, São Paulo verá novamente os shows do diabo-glitter americano Marilyn Manson, que em suas performances costuma rasgar a Bíblia e cometer outras heresias em nome dos altos decibéis. A ordem, como se sabe, é adaptar. Se puder, nunca cancelar. José Muniz Netto, da Mercury, passa o dia ao telefone confirmando a vinda dos supermaquiados do grupo americano Kiss. Célio Fernandes, da produtora Joker, cancelou a etapa carioca do Close up Planet. Em compensação ampliou os espetáculos paulistas para duas noites de maio. Na primeira serão "quatro bandas nacionais de peso". Na segunda, clubbers entrarão em êxtase com as pirotecnias do grupo inglês Prodigy, que sempre adverte os fãs sobre possíveis efeitos nocivos causados pela iluminação frenética de suas apresentações. Do Rio de Janeiro, o empresário Roberto Medina afirma que o Rock in Rio voltará a sacudir as areias em janeiro de 2000 trazendo um perfil multicultural.

Em geral, os promotores reclamam das taxações exorbitantes, que vão do cachê do artista, cobrado em dólar, ao DSV, que disciplina o trânsito em volta dos estádios. "Para piorar – afirma Fernandes, da Joker – ao mesmo tempo que cobramos meio ingresso dos estudantes, que constituem 40% do nosso público, não somos beneficiados por nenhuma lei de incentivo, como ocorre com o cinema." As leis de incentivo, municipais, estaduais e federais – Lei Rouanet, Audiovisual – são mecanismos que permitem às empresas transformar em investimento uma parte do que devem para o Imposto de Renda. É a chamada renúncia fiscal. A Lei do Audiovisual além de não onerar o patrocinador, o contempla com a possibilidade de debitar como despesa o próprio investimento, o que tornou o cinema um negócio atraente. A maioria dos cineastas reconhece as falhas, mas alega que no momento não há outra saída. Cao Hamburguer, diretor-geral dos 90 episódios da bem-sucedida série televisiva Castelo rá-tim-bum, é um deles. Depois de dois anos, no fim deste mês ele começa a rodar Castelo rá-tim-bum – o filme, num cenário ainda mais fantástico que reproduz o interior de um castelo em tamanho natural.

Alain Fresnot, o produtor do filme, conta que a maior parte do custo de R$ 7 milhões foi levantada com o apoio da Lei do Audiovisual – cerca de R$ 3 milhões, provenientes do Banespa, entre outros patrocinadores – e da Lei Mendonça. A movimentação na área cinematográfica não pára por aí. Ao mesmo tempo que Tata Amaral dá os últimos retoques na montagem de Através da janela – um drama entre mãe e filho –, ainda sem data de lançamento, Fresnot se dedica à captação de recursos para Desmundo, baseado em livro de Ana Miranda. Nem todos os cineastas, contudo, mantêm igual agilidade. O caso mais eloquente é o de Luiz Alberto Pereira e seu Hans Staden e Guilherme Fontes com Chatô – o rei do Brasil, que por pouco escapa do limbo. Apesar de o diretor ter captado os recursos em 1996, só recentemente começou a filmar as primeiras cenas.

Segundo o consultor de marketing Yacof Sarkovas até há pouco tempo, com a suculenta renúncia fiscal proveniente das Teles, bastava um telefonema ao Ministério das Comunicações e o dinheiro saía. "Naturalmente, isso era irregular, mas se fosse feito mediante a apresentação e aprovação de projetos, talvez esse financiamento direto fosse uma alternativa menos esdrúxula do que as leis de incentivo", conclui. Vivendo em um outro extremo, graças à contribuição do comércio, Danilo Santos de Miranda comanda um verdadeiro arrastão cultural no Sesc, em São Paulo, que movimentou no ano passado uma verba privada de R$ 200 milhões. Assim como Sarkovas, o administrador regional e executivo do Sesc-SP vê as leis de incentivo como um mal necessário, porém temporário. Na sua opinião, "o Estado deve lidar com duas áreas fundamentais: infra-estrutura e fomento. O que significa cuidar dos museus, bibliotecas, etc. ao mesmo tempo que se colocam à disposição do artista instalações adequadas dando condições e oportunidades para que ele produza através de cursos, concursos e outros meios", diz ele. Enquanto este dia não chega, não adianta cair nas habituais choradeiras. A saída é reorganizar a agenda, formar parcerias, racionalizar custos, formular novos conceitos, em suma, se virar.

Fábula delirante

Há cinco anos, o ator Guilherme Fontes, 32 anos, viveu uma crise existencial. O casamento com a atriz Cláudia Abreu desmoronou e fez o rapaz perder o entusiasmo com a vida de ator da Rede Globo. Acabou, então, decidindo-se por uma terceira e ousada opção: mergulhar num projeto grandioso, que só o fizesse pensar em trabalho. Montou a G F Filmes e, finalmente, conseguiu tirar do papel o carro-chefe da produtora, Chatô – o rei do Brasil, película baseada na biografia do jornalista e empresário das comunicações Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais. Chatô – que deve ser lançado em outubro, em dez pré-estréias pelo País – reconstitui a trajetória do homem visionário, amalgamando realidade e ficção.

A história do sertanejo que nasceu gago, raquítico e transformou-se em dono de um império-conglomerado de jornais, rádios e televisão virou uma espécie de documentário fantasioso nas mãos do diretor e roteirista Fontes. Ele não acha preciso ser um gênio para fazer a bagunça dar certo e prender o espectador na cadeira. "Fiz uma fábula para as pessoas se surpreenderem e se divertirem. É crime?", pergunta ele. Marco Ricca, que incorpora o multifacetado Chatô 12 quilos mais gordo, de peruca e prótese dentária, acha que "a alucinação do filme é justamente a parte mais corajosa do roteiro". Chatô – o rei do Brasil é uma superprodução prevista para terminar após 16 semanas de filmagem. Ao todo serão 200 cenas rodadas em 60 locações e em três estúdios de quatro mil metros quadrados, com 72 atores, cinco mil figurantes e 5.800 figurinos. O projeto, que ainda inclui os lançamentos de documentários e fitas de vídeo, está orçado em cerca de R$ 11 milhões, captados junto a sete empresas privadas. Para finalização de som e imagem, Guilherme Fontes se associou à Zoetrope, empresa de Francis Ford Coppola. Nada mal para um diretor de primeira viagem, que agora fala como empresário.

Valéria Propato