30/04/2008 - 10:00
O cardiologista Denizar Vianna, 44 anos, é um dos poucos especialistas no Brasil em uma das áreas mais delicadas da saúde: o custo dos tratamentos. Professor- adjunto do Departamento de Medicina Interna da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ele é um estudioso da farmacoeconomia, um ramo da ciência que se dispõe a estudar, por exemplo, até quanto vale a pena gastar a mais com cada paciente para que ele seja beneficiado por um moderno e caro medicamento. Hoje, essa é uma discussão central em termos de saúde pública, em especial em países como o Brasil. Afinal, a velocidade com que novos remédios são lançados é enorme. E a maioria vem com o apelo de serem mais eficientes. Por isso, é compreensível que os doentes queiram receber do sistema público de saúde o que há de melhor. Mesmo que seja também o mais caro. O problema é que, feitas as contas, não há dinheiro suficiente para oferecer todas as novidades a todos os doentes. E como escolher qual recurso será adotado, em detrimento de outros? Qual paciente será beneficiado? É para ajudar na obtenção desta resposta que entram os novos conceitos da farmacoeconomia. “É preciso dar um parâmetro para que o gestor das verbas possa decidir”, explica Vianna. Obviamente, não são cálculos fáceis de ser realizados, como mostra o especialista nesta entrevista concedida à ISTOÉ.
Usa-se uma nova área do conhecimento, a farmacoeconomia. Ela consiste na analise econômica específica para avaliar novos medicamentos e é pautada em etapas bem estabelecidas. O primeiro momento da avaliação é buscar na literatura médica a melhor evidência publicada em relação aos estudos feitos sobre o medicamento em questão. Qual foi o ensaio clínico mais bem desenhado que comparou o medicamento A com o B? Precisamos saber qual é realmente sua eficácia, se é superior ao tratamento padrão, sua segurança.
A segunda etapa incorpora o conceito econômico. De alguma forma, é preciso descobrir e definir quais os custos que incorrerão nas duas opções comparadas. Não se está preocupado só com o preço do remédio na hora da aquisição, mas também se, ao tratar o paciente, é possível evitar novas hospitalizações, por exemplo. E tenho de traçar isso no horizonte de tempo que define a história natural da doença. Imagine uma doença cardiovascular. Se opto por dar aspirina a alguém que já teve infarto e eu sei que existe evidência de que esse remédio pode evitar novos eventos, tenho que calcular ao longo de cinco, dez anos – tempo no qual a doença se desenvolve a ponto de gerar eventos – quais são os custos que terei se der ou não aspirina ao doente.
Levando-se em conta a história natural da doença, quais as probabilidades de novos eventos ocorrerem. Com isso, tenho uma predição com dois cenários diferentes. Descubro o que terei de custos e o que ganho de benefícios com a droga A ou B. Vejo se o medicamento em análise é “custo efetivo” ou não.
Ele está alicerçado na seguinte questão: se o custo monetário adicional que estou pagando para introduzir determinado medicamento justifica o benefício clínico que terei.
No final de 2007, houve uma avaliação para saber se valia a pena introduzir a vacina contra a doença pneumocócica no calendário público de vacinação. Verificamos que existe um custo incremental para isso, mas evitaríamos as seqüelas da doença pneumocócica. Além da meningite, ela pode dar pneumonia e otite média, por exemplo. Feitas todas as análises, a vacina seria custo efetivo.
Este estudo é recente. O Ministério da Saúde precisa avaliar o impacto orçamentário da inclusão da nova vacina e comparar com outras demandas que possui na assistência à população, antes de tomar a decisão final.
Sim. Hoje está claro que não se pode somente postergar a vida. E existem modos de se medir o ganho de qualidade de vida de forma mais científica, com instrumentos validados, para que se extraia da percepção do paciente qual o ganho em termos de qualidade que ele obteve com o tratamento.
Sim. Alguns países definiram até quanto, em valores monetários, se justifica gastar a mais por um ano de vida salvo. Essa história começou nos anos 80 nos EUA. O governo americano gastava US$ 50 mil dólares por ano para manter um paciente na diálise (procedimento usado quando as funções renais já não funcionam direito). Por causa disso, as autoridades começaram a sofrer pressão de outros doentes. Então, o Congresso definiu que gastar até US$ 50 mil dólares para cada ano de vida salvo é justificável para pagar por qualquer nova tecnologia que proporcione esse ano de vida a cada paciente. Seria uma questão de eqüidade. Se já estavam fazendo isso para uma população, entenderam que tinham de oferecer o mesmo a outros doentes.
No Reino Unido, ficou estabelecido que o limite vai variar entre 20 mil e 30 mil libras esterlinas, dependendo do tipo de doença em questão.
Há um nível definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade determinou que o investimento se justifica se custar até três vezes a renda per capita do país por ano de vida salvo. No Brasil, isso seria algo em torno de R$ 30 mil.
Pelo parâmetro da OMS, esse seria um valor justificável para adicionar uma nova tecnologia no tratamento de uma doença. Não significa um valor atribuído à vida, e sim um parâmetro para auxiliar no processo decisório de incorporação ou não de um novo remédio.
De fato, a lógica com que se olha para uma doença mais prevalente e outra, rara, tem de ser diferente. O Reino Unido definiu uma política para males raros. Parte- se do pressuposto de que o custo unitário de um novo medicamento pode ser altíssimo, mas o total de pacientes é baixo. Portanto, o custo global pode não ser tão alto assim.
Isso está sendo discutido no Ministério da Saúde.
Sim
O principal canal para isso é político. As entidades de defesa desses pacientes têm uma atuação muito forte no ministério para exigir direitos. E eles têm o direito de pressionar. Imagine uma mãe com um filho com uma condição rara. Ela vai brigar por esse direito. Acredito que esta é uma política que tem de ser particularizada.
Para o administrador é muito complicado decidir. É sempre uma questão de escolha, de prioridades definidas em função da saúde coletiva.
Sim. E isso é o que acontece. Não há outra maneira em países como o Brasil, onde o orçamento é sempre apertado. O cobertor é curto. Puxa de um lado e descobre do outro.
Não. Em tese, sua escolha quer dizer que a eficiência no uso de recurso público é melhor naquela opção escolhida.
Eles foram buscar seus direitos individualmente. E o Poder Judiciário tem entendido que há uma falha de quem administra a saúde na definição dos critérios que determinam os medicamentos que ficarão acessíveis. E se eles têm uma demanda, olham para o lado do indivíduo, e não para o coletivo. Mas, do ponto de vista de quem está financiando a saúde – pública e privada –, a questão da concessão de liminares que permitem o acesso aos novos medicamentos é séria. Ela está comprometendo boa parte do planejamento e do orçamento que se faz. Em 2006, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo teve um impacto orçamentário importante e deixou de contemplar questões prioritárias porque teve de desviar esse recurso para pagar os remédios obtidos via liminar.
Acho que é preciso ter uma regra clara porque muitas liminares estão acontecendo sem o embasamento científico adequado. Eles concedem para medicamentos que não necessariamente trarão benefícios. Defendo que se crie uma câmara técnica, composta por profissionais que entendam do assunto, para assessorar os juízes.
Se fosse algo que realmente fizesse diferença e estivesse sendo negado por uma questão orçamentária, individualmente eu recorreria. Coloco-me no lugar de um pai que está buscando algo para o filho. Vou tentar tudo para ele. Mas existem situações em que acho que essa estratégia não se justifica. Pacientes em estágio terminal, por exemplo. Por que apenas prolongar a vida deles? Acho que nesses casos o que se deve fazer é lutar para que tenham um final de vida mais digno, assistidos por profissionais capacitados, sem dor, e ao lado dos familiares.
É. Eles acabam conseguindo vender seus produtos. Mas acho que a indústria não deve fomentar isso. Não é uma conduta ética.
Diante da escassez de recursos para se atender a todas as demandas de saúde, é preciso definir prioridades, analisar qual a superioridade do novo medicamento em termos de eficácia e segurança, estimar seu custo incremental em relação ao tratamento vigente e o impacto orçamentário para o Ministério da Saúde. Com o conhecimento destas variáveis, o processo decisório acontecerá de forma mais justa para a sociedade.
Os custos serão sempre ascendentes, em qualquer modelo de saúde, conseqüência do envelhecimento populacional e da incorporação de novas tecnologias. Nossos gestores e formuladores de políticas de saúde têm de buscar novas fontes de financiamento para o SUS, pois nosso gasto per capita com saúde ainda está aquém do ideal. Mas eles também devem usar os recursos com mais eficiência. O Brasil evoluiu muito nos últimos anos na discussão da avaliação da incorporação de novas tecnologias, principalmente os medicamentos. A formulação de uma política transparente, com regras claras e critérios técnicos, é o melhor caminho para se atingir maior eqüidade e justiça social. Gosto de uma frase que resume o caminho que devemos seguir: usar a tecnologia certa, no paciente certo, na hora certa.