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Está em “A Divina Comédia”, livro monumental do escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321): “Abandonem toda esperança, vós que aqui entreis”. Esse verso será ouvido muitas vezes a partir da terça-feira 14, quando chega às livrarias dos EUA e da Europa o aguardado romance de Dan Brown, intitulado justamente “Inferno”, uma das partes da “Comédia” (no Brasil a obra é editada pela Sextante e estará disponível no dia 24). O trecho – e muitos outros – será lembrado porque o simbologista e historiador de arte Robert Langdon, protagonista da história, encontra-se agora envolvido em crimes e enigmas ligados à vida e à obra de Dante. Muda-se o ambiente de museus e igrejas parisienses que registraram a atividade de organizações fechadas como o Priorado de Sião e a Opus Dei, cenário de “O Código da Vinci”, megassucesso de Brown, com 80 milhões de cópias vendidas; entra em cena a Florença de vielas estreitas, construções renascentistas, passagens secretas, obras de arte a céu aberto e toda a miríade de símbolos cifrados relativos à ação de outra entidade secreta, o Consórcio, atuante ainda hoje em sete países como estabelecido na apresentação da obra. Brown diz que usa um nome falso para a entidade como meio de se proteger. Garante, no entanto, que as peças de arte, os locais históricos e os segredos desvendados são reais – isso faz parte de seu estilo, criticado por acadêmicos do mundo inteiro mas adorado por um público que já consumiu 200 milhões de livros de sua autoria. Comparecem entre os detratores até os estudiosos da Universidade de Harvard, em cujos quadros estaria justamente o herói fictício de calça cáqui e blazer inglês, representado no cinema pelo bom-moço Tom Hanks.

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SUSPENSE
O inferno descrito por Dante (acima) anima a trama passada em Florença.
É às margens do rio Arno que se inicia o eletrizante enredo

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É justamente o paletó da tradicional marca Harris Tweed, manchado de sangue, que se vê ao lado de Langdon em um hospital de Florença. Ele mostra-se desmemoriado e com um longo corte no crânio. Os médicos que acompanham o seu caso, dr. Marconi e dra. Sienna, ambos um pouco torturados a julgar pela forma com que são apresentados, acharam nos pertences do paciente um gravador. O que ouvem é sinal de alguém acuado: o próprio Langdon. Nas primeiras páginas de “Inferno”, cuja tiragem americana sai com quatro milhões de exemplares, suspeita-se que o simbologista fora sequestrado durante uma conferência nos EUA. E que estaria na mira de uma jovem punk, montada numa possante moto BMW e enfiada num macacão de couro negro no qual se vê uma pistola com silenciador. Antes disso, no prólogo, um homem identificado como “Sombra” é perseguido por um bando inimigo, atrás de um objeto sagrado ou uma revelação valiosa. O fugitivo pede ajuda ao poeta Virgílio, que na “Comédia” teria guiado Dante pelos nove círculos do inferno, levando à conclusão de que esse personagem fosse o próprio poeta. Ledo engano: mais adiante ele se refere a Michelangelo (1475-1564), que nasceu um século depois da morte de Dante. Entremeadas a todas essas pistas, aparecem visões das profundezas, como descritas na “Comédia”.

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MANIPULADOR
Como Hitchcock lançava seus filmes, Dan Brown faz
da publicação de seu livro um evento midiático

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Está lançado o mistério – e enigmas não faltam a Brown, tanto em suas tramas como no marketing usado para lançar seus livros. O suspense em relação a essa quarta aventura de Robert Langdon, que chega exatamente dez anos depois de “O Código da Vinci”, foi detonado em maio do ano passado. De lá para cá, o autor municiou a mídia com muitas charadas. Primeiro foi o anúncio do nome do livro e de sua inspiração. Para isso, usou um site que recebia posts dos fãs enquanto a palavra “inferno” ia sendo formada: foram tantas contribuições que o portal saiu do ar. Em março, ao disponibilizar os primeiros trechos do romance, o número de downloads chegou a 500 mil só nos EUA. Na semana passada, a editora Mondadori, responsável pela edição italiana do romance, postou no YouTube um vídeo que alimentou ainda mais a curiosidade ao mostrar o trabalho de 11 tradutores, incluindo os brasileiros Fernanda Abreu e Fabiano Morais. Eles eram acompanhados por seguranças armados. Proibidos de revelar qualquer detalhe da história, disseram que nem seus patrões sabiam do conteúdo. Ou seja, eles teriam comprado o título no escuro, o que casa perfeitamente com o clima soturno do enredo.

Sigilo, aliás, poderia ser o sinônimo de “Inferno”. Os manuscritos do romance foram transportados até a editora Doubleday, em Nova York, por avião, evitando o vazamento caso fossem enviados por e-mail. A edição deu-se em uma sala secreta; a impressão foi liberada apenas a técnicos selecionados, sem celular ou câmera. Brown fez pesquisas em Florença, mas só foi visto entrando no Palazzo Vecchio, local repleto de signos para iniciados.

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Se o escritor americano conseguir usar o universo de Dante como fez no passado com a obra de Da Vinci, o público certamente vai devorar o livro. Mas é claro que a obra do poeta não vai ficar mais conhecida: pouca gente tem ânimo para encarar as complexas rimas do autor florentino. O que se assiste é ao reinado de um tipo de literatura que não é nova, o thriller histórico, mas mobiliza o mundo em razão de um marketing imbatível.

Fotos: White Images/Scala, Florence; Christies Images; Jennifer Taylor; Ferdinando Scianna/Magnum