Os tempos decididamente são outros. "Ficar com" não é mais a menor forma possível de relacionamento amoroso entre duas pessoas. O termo que os jovens inventaram para definir o contato físico sem nenhum compromisso, que pode durar alguns minutos e é movido apenas pelo desejo, está ficando velho. O átomo de uma relação agora chama-se ficação. Na mesma festa ou no mesmo dia, fica-se com um, dois, três, quatro… parceiros diferentes. Os protagonistas desse código de relacionamento-relâmpago são uma garotada de classe média alta, entre 12 e 15 anos, que só quer saber de dar beijo na boca a noite inteira. Para preservá-los, ISTOÉ não os identifica.

Bruna tem 14 anos e um incontável número de beijos no currículo. Recentemente, num show do grupo Negritude Junior, no Metropolitan, no Rio, ficou com oito rapazes. Nem ela sabe explicar como acontece. "Alguns, eu estava a fim. Quando eu quero, faço com que o garoto perceba. Outros, me puxaram e me deram só um beijo. Todos de língua, é claro. É muito bom!", diz. Para os pais, Bruna não conta nada. "Vão dizer que isso não é coisa de moça direita e não vou mais poder ir aos lugares." Rechonchuda, de seios grandes e rosto de anjo, Bruna acha tudo normal. "Os meninos também fazem. Porque a gente não pode?"

Nada de transa
Tudo fica só no beijo. "As meninas não dão pra gente nessa idade", reclama Alan, 14 anos, com quem Bruna trocou beijinhos na boate Fun Club, em Botafogo, zona sul da cidade. Alan já ficou com quatro numa noite. "Tem mais é que beijar mesmo. Só não acho certo se a garota ficar comigo e tiver namorado sério." O rapaz usa uma tática que considera infalível para seduzir. "Dou um empurrãozinho nelas e digo eu te amo. Elas se derretem." Felipe, 13 anos, diz que a ficada-relâmpago acontece há muito tempo, em sua turma, no bairro de Interlagos, zona sul de São Paulo. "Já fiquei uma vez com três meninas", conta. Giovana, 13 anos, também de São Paulo, explica: "Algumas pessoas ficam com vários na mesma festa, mas dá problema." A dificuldade, segundo ela, é que nem sempre os envolvidos têm espírito esportivo para ver o parceiro de um minuto atrás em nova companhia. "Teve uma amiga minha que chorou", lembra Giovana. ISTOÉ acompanhou uma dessas festas no sábado 13, no Fun Club: o som na caixa é dancing, funk, rap, axé music, pagode e até padre Marcelo Rossi. Todo mundo masca chiclete ou chupa Hall’s. O DJ solta no microfone alguns torpedos: "Alex, Roberta te ama muito e quer ser sua Tiazinha" ou "David manda um abraço para a amiga Rafaela e pede para ela beijar muitos homens hoje". As meninas desfilam de batom, rímel, salto plataforma e calça corsário apertada. "Aí: você quer ficar com aquele meu amigo?", pergunta Rodrigo, 12 anos, no ouvido de Carla, mesma idade, tatuagem de rena no peito. "Vou pensar…", responde Carla, depois de dar uma olhadela discreta no pretendente. Poucos minutos depois, Carla e o rapaz se atracam no escurinho, sem pausa para respiração ou bate-papo. "Quem encher o saco primeiro diz que vai beber uma Coca-Cola e aí acaba. Por enquanto não quero compromisso", explica Carla, que costuma trocar beijos com dois meninos por festa.

O vocabulário da ficação

Dar toco (Rio)
Dar o fora (São Paulo):

quando a menina ou menino não quer ficar

Botar na fita (Rio)
Manda um veco (São Paulo):

incentivar o amigo a ficar com alguém

Tá na seca (Rio):

muito tempo sem ficar

Desenrolar uma garota (Rio):

convencê-la a ficar

Mó Brecha (São Paulo):

dar mancada, deixar alguém esperando

Campeonato
Além de servir para testar os hormônios em ebulição, o troca-troca é uma contabilidade de conquistas. "Vinte e três já quiseram ficar comigo numa festa, mas só fiquei com três. É bom, mas não tenho vontade de transar ainda", esbanja Maiha, 11 anos, corpo franzino e seios em formação. Quanto mais ficação, mais provas se têm de que se é desejado. E ninguém parece voltar para casa com solidão. "Agora pegar as garotas ficou mais fácil. Eu fico e dispenso. Já beijei três numa noite", exulta Daniel, 13 anos, no meio dos amigos.

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O comportamento desses jovens ainda não virou objeto de estudo, mas os especialistas não ousam aplaudi-lo. "Ele é incentivado por uma sociedade erotizada, que valoriza o descartável. É perigoso", diz a psicóloga Jacqueline Chaves, autora do livro Ficar com. A educadora Tânia Zagury chama o beija-beija de promiscuidade. "Está se dissociando o sexo do afeto. Não é saudável. Os pais dão liberdade sem orientação. Temem ser caretas e romper o diálogo."

Oposição
O beijo fast-food não espanta nenhum adolescente. Mas não são todos que se sentem atraídos por ele. "É galinhagem e desvaloriza tanto o homem quanto a mulher. Não gostaria de namorar um garoto que passa de boca em boca", observa Gisele, 13 anos. A cabeleireira Valéria, 39 anos, não gostou de saber que sua filha Luíza, 13 anos, ficou com três meninos num só dia. "Não acho tão certo, mas ela tem que vivenciar as coisas para saber o que quer. Não posso proibir", afirma. Numa viagem que fez a Brasília, Luíza trocou beijos com um garoto que conheceu num clube pela manhã, com um amigo no condomínio de sua amiga à tarde e, à noite, ficou com um caso antigo. Luíza dorme na santa paz. Sem culpas. "Meu namorado ficou com outras e resolvi descontar. Não me arrependo porque beijar na boca é a melhor coisa do mundo e não tira pedaço." Não é uma opinião unânime, nem sequer entre os jovens. Convidada a dar sua opinião sobre a velocidade das novas ficadas, a paulistana Patrizia, 16 anos, desculpou-se: "Não estou mais nessa fase. Estou namorando e, para mim, ficar cada hora com um carinha perdeu a graça." Em outras palavras: isso passa.


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