Os negócios vão mudar mais nos próximos dez anos do que mudaram nos últimos 50. Essa, pelo menos, é a previsão de um dos homens que mais enriqueceram fazendo negócios nos últimos 24 anos. Bill Gates, o polêmico e controverso presidente da Microsoft, diz que essa mudança repentina vai ocorrer porque o fluxo digital de informações será tão rápido que obrigará as empresas a trabalhar na "velocidade do pensamento" para competir no mercado. Essa é a idéia básica que ele defende com riqueza de detalhes em seu novo livro A empresa na velocidade do pensamento (Companhia das Letras, 445 págs., R$ 30), que terá lançamento mundial nesta quarta-feira 24. A obra é quase um manual de sobrevivência para uma nova fase da economia mundial, que Gates diz já ter começado, totalmente baseada e dependente da grande teia de comunicação que hoje interliga milhões de computadores em todo o mundo, a Internet – seu produto para navegá-la, ironicamente, motivou o processo antitruste que o governo americano move contra a Microsoft. O livro relata vários casos de sucesso de empresas que saíram na frente na adoção do que ele chama de "estilo web de trabalho" e estão ganhando muito dinheiro com isso, inclusive o banco brasileiro Bradesco, que mereceu mais de duas páginas de texto.

Gates conta que teve a idéia de escrever esse livro há dois anos, momentos antes de fazer uma palestra para executivos. Pensando no que iria dizer, surgiu um novo conceito em sua cabeça: "sistema nervoso digital". Assim como o sistema humano, o digital permitiria a qualquer empresa reagir instantaneamente aos desafios dos concorrentes e às necessidades dos clientes. "Um sistema nervoso digital exige uma combinação de hardware e software; distingue-se de uma mera rede de computadores pela precisão, imediação e riqueza das informações que traz aos profissionais do conhecimento." Diferentemente de seu primeiro livro, A estrada do futuro – mais generalista sobre os benefícios da revolução da informática (vendeu 2,5 milhões de exemplares em 25 línguas desde o lançamento em 1995), este é mais dirigido aos donos de empresas, líderes e gerentes de todos os níveis, embora não seja um texto técnico.

As lições de Gates

Ao longo de seu livro, Bill Gates destaca o que chama de "lições" para que as empresas funcionem na velocidade do pensamento. Aqui estão algumas delas:

A informação digital possibilita inovações nos processos que são impossíveis com os sistemas baseados em papel

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Para que uma empresa faça negócios na velocidade do pensamento, o fluxo de informações digitais tem que "maximizar as capacidades do cérebro humano e minimizar o trabalho braçal" de seus funcionários, defende Gates. "Você só saberá que montou um excelente sistema digital quando as informações fluírem por sua organização de um modo tão rápido e natural quanto o pensamento", advoga o dono da Microsoft. E um dos requisitos para que isso funcione assim é ter um escritório "sem papel". Hoje, diz ele, temos todas as peças no lugar para tornar realidade essa visão futurista. Contudo, lembra, o consumo de papel continua a dobrar a cada quatro anos, e 95% de toda a informação nos Estados Unidos continua em papel. Chocado com essa realidade dentro de sua própria empresa, Gates diz que exerceu as prerrogativas de seu cargo e mudou tudo. Um programa rigoroso de migração do papel para o meio digital produziu em poucos meses entre 1997 e 1998 uma economia de US$ 40 milhões na Microsoft. No entanto, ele acredita que essa transformação só será completa quando os centros de pesquisa da Xerox, MIT e da própria Microsoft, conseguirem produzir uma tela plana tão fina, flexível e legível quanto o papel. "E isso está mais próximo do que você imagina", garante.

Mas, para ganhar dinheiro realmente, será preciso que os negócios sejam feitos todos via Internet, afirma o bilionário Gates. No livro, ele lembra o esforço que fez recentemente para convencer o conselho de administração de um banco alemão das vantagens de usar a grande rede em todas as atividades financeiras. "Eram homens com mais de 50 anos e uma visão bastante tradicional de seu negócio." O relato dos argumentos de Gates é interessante e convincente. Os velhos banqueiros acabaram concordando com ele que era preciso mudar radicalmente. E não apenas a organização dos seus negócios, mas os próprios executivos. "Os dirigentes devem usar o correio eletrônico, devem visitar os sites de seus concorrentes na Internet. Devem se tornar usuários e consumidores da grande rede. Se pretende liderar na era digital, você precisa se familiarizar o suficiente com a Internet para poder imaginar o que o estilo de vida web significará para sua atividade. Chegará um ponto que esse estilo irá realmente decolar, e isso vai acontecer em algum momento nos próximos cinco anos", prevê.

Em seu primeiro livro, Bill Gates usou a expressão "capitalismo sem força de atrito" para mostrar a contribuição que um dia teria a Internet na criação do mercado idealizado há dois séculos por Adam Smith (A riqueza das nações), no qual o comprador e o vendedor podem se encontrar facilmente, sem perder muito tempo nem gastar muito dinheiro. Ele acha que esse momento chegou. Já existem softwares no mercado que ajudam o usuário a encontrar as melhores ofertas de produtos e serviços. Os consumidores poderão, também, se unir eletronicamente para obter descontos por volume de compra. "Vai ser uma cena e tanto: o software que representa o vendedor negociando preços com o software de centenas ou milhares de consumidores." Bom, se esse software for da Microsoft, é certo que Bill Gates vai achar ainda mais fantástico. Entre as categorias de crescimento rápido no comércio on-line estão finanças e seguros, viagens, leilões e vendas de computador, segundo o autor. "Até mesmo estimativas mais conservadoras projetam uma taxa de crescimento total de negócios on-line em cerca de 45%. As projeções mais altas são de US$ 1,6 trilhão no ano que vem. Acho esse número baixo demais", afirma ele com uma convicção espantosa.

Mas, para que o jeito web de fazer negócios realmente dê certo terá que haver a contrapartida do consumidor. E é aí que entra o que Gates denomina o jeito web de viver. "Dentro de uma década, a maioria dos americanos e muito mais gente em todo o mundo estarão levando o estilo de vida web." Que já é uma realidade para 40 milhões de americanos, "22 milhões a mais do que em 1997".

Entre as várias histórias que Bill Gates conta de empresas que tiveram sucesso com a adoção rápida da Internet (e de alguns programas da Microsoft, é claro) e do estilo web de fazer negócios – quase todas americanas –, ele destaca a do Bradesco. Lembra que a instituição, com 2.200 agências, US$ 68,7 bilhões em ativos e atendendo a três milhões de pessoas por dia, foi o primeiro banco do Brasil – e o quinto do mundo – a usar a Internet para oferecer serviços bancários. O autor também conta que os serviços bancários on-line "pegaram mais rápido no Brasil do que em qualquer outro país". Ele cita textualmente um dos diretores do banco, Alcino Rodrigues Assunção (leia quadro), ao destacar o surgimento de lojas virtuais na web, cujas transações são feitas com a intermediação do banco.

Gates dedica um capítulo inteiro às más notícias. Segundo ele, elas devem viajar dentro da empresa tão rápido quanto as boas. "Tenho um instinto natural para perseguir notícias desagradáveis." Diz também que uma das qualidades essenciais do bom administrador é a determinação de enfrentar as más notícias, "de buscá-las, em vez de negá-las". Para reforçar essa crença, ele lembra a primeira grande crise interna da Microsoft, em 1995, provocada justamente pelo crescimento repentino da Internet. Sua empresa havia acabado de lançar com todo o estardalhaço o Windows 95. Sem, contudo, qualquer ferramenta voltada para a web. Vários especialistas, lembra, previram que a Internet iria acabar com a Microsoft. "Isso era má notícia em escala colossal. Usamos nosso sistema nervoso digital para reagir àquela crise." Um ano depois, Gates virou o jogo, com o lançamento de vários produtos para a web, inclusive seu navegador Explorer. Curiosamente, em nenhuma parte de todo o livro Gates faz menção ao processo que sua empresa sofre por parte do Departamento de Justiça de seu país. É, sem dúvida, uma má notícia ainda sem solução à vista.

 

Páginas de sucesso

Alcino Rodrigues de Assunção começou a trabalhar no Bradesco assim que saiu da universidade, em 1970. Hoje, com 51 anos, é diretor de informática do banco. Ele e sua equipe foram responsáveis por boa parte do trabalho de colocação do Bradesco na Internet. Daí a citação de seu nome no livro de Bill Gates. "Estou extremamente contente com essa atenção dele", diz Alcino, sem poder esconder o orgulho. Ele nunca se encontrou pessoalmente com Gates, a quem certamente admira. O Bradesco é um dos maiores clientes da Microsoft no mundo. "Nossa relação com eles é muito estreita." O banco decidiu contratar os serviços e produtos da Microsoft quando iniciou há alguns anos o processo de padronização de seu sistema informatizado. Hoje, o banco já tem 70 lojas ligadas ao BradescoNet, o portal na web que dá acesso a todos os serviços de internet-banking da instituição. "Brevemente, vamos lançar um novo serviço que irá ampliar muito nossos negócios digitais", diz Alcino.



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