Até recentemente o medo detectado mais facilmente era o do desemprego. Mas como se um esqueleto pulasse do armário, o pavor tem tomado os grandes centros como uma epidemia, alimentado pelos altos índices de violência. São tantos os casos de tentativas de assaltos e sequestros, envolvendo famosos e cidadãos comuns, que fica todo mundo contaminado, à espera do pior. Há um histórico que vem se agravando. Só entre abril e junho do ano passado a violência causada por armas de fogo ou facas matou mais do que a Aids e a tuberculose juntas na capital paulista, segundo dados do Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade do Município de São Paulo, Pro-Aim. No Rio, a população também anda assustada. O jogador do Botafogo Sérgio Manoel ainda não se recuperou do susto de ter sua casa, em um condomínio na Barra da Tijuca, invadida por dois homens na madrugada de 10 de março. O atleta não tem dúvidas de que os bandidos tinham a intenção de sequestrá-lo, mas foram denunciados pelos latidos de seu cachorro, o beagle Uck. "Meu filho Matheus está com medo de ficar sozinho", diz. O jogador não consegue esquecer o episódio, perdeu o sono e o apetite. "Por causa desses problemas psicológicos não pude treinar direito e perdi um pouco da condição física." Em Curitiba, no Paraná, os traumas da violência também deixam suas marcas. Darci Fernandes de Oliveira, proprietário de um bar na Água Verde, foi roubado três vezes nos últimos quatro meses. "Aqui tem assalto a todo instante, e a qualquer hora do dia, principalmente com idosos."

A estudante paulista Valéria Costa Patara, 23 anos, e seu noivo, Cláudio Haruô, também já não saem às ruas mais despreocupados como antes. Eles viveram momentos de terror na quinta-feira 4, em São Paulo. Voltavam à noite da escola e foram abordados por dois homens armados quando estacionavam o carro na frente da casa dela. Levados pelos bandidos a um caixa eletrônico, foram obrigados a sacar R$ 100. O prejuízo financeiro só não foi maior porque os bancos resolveram limitar o saque a esse valor após as 22 horas. "Eles diziam que se eu não parasse ia ser pior", lembra Valéria. Hoje, Valéria não sai mais de casa sozinha. Quando o noivo a leva para casa depois da aula, dá várias voltas pelo quarteirão. Antes de o carro parar, ela sai correndo em direção à porta de sua casa.

Em alguns casos o medo é tanto que paralisa as pessoas e as obriga a deixar de lado suas rotinas. Caso do estudante de Direito A.F.D., 23 anos, que abandonou o emprego e perdeu o ano na faculdade porque se recusava a sair de seu quarto depois de ter sofrido um assalto. O pavor o obrigou a fazer terapia. Segundo o psicólogo Jacob Goldberg, todas as pessoas carregam dentro de si o medo, que é um sentimento normal, mas algumas ao serem vítimas de violência podem desenvolver uma fobia. Essa fobia se apresenta de formas diferentes. Pode virar uma paranóia em que a pessoa se sente perseguida e passa a fugir a reagir violentamente a situações estranhas a ela. A vítima às vezes sofre, também, de onipotência não confiando mais em ninguém, achando que pode resolver tudo sozinha, e em alguns casos carregando uma arma. Ou padecer do inverso, da impotência, sem manifestar reação a mais nada, que foi o que aconteceu com o estudante A.F.D.

Relatos como o do estudante são cada vez mais frequentes nos consultórios psiquiátricos. O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Miguel Roberto Jorge, diz que os pacientes passaram a fazer mais referências à violência urbana de um tempo para cá. "Noto que a apreensão deles em relação a esse tema é maior", afirma. Em alguns casos a paranóia chega a extremos. Nem blindando seus dois carros, um Mercedes e um Audi, o apresentador de tevê Otávio Mesquita, vítima de quatro assaltos, se sente protegido. Na semana passada, ele foi de helicóptero até a sede da empresa encarregada de fazer esse serviço em Mauá para se certificar de que a proteção é mesmo à prova de balas. Mesquita deu vários tiros nos vidros do Audi e saiu satisfeito. "Desde o momento que entro no carro fico tenso e não vejo a hora de chegar ao meu destino", diz. "Agora vou poder relaxar um pouco."

Colaboraram: Greice Rodrigues (SP) e Francisco Alves Filho (RJ)