Ele é a bola da vez. Quando começou o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o ministro chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, ganhou ares e poderes de primeiro-ministro. Sem conseguir emplacar a equipe de seus sonhos na Esplanada dos Ministérios por causa do agravamento da crise econômica e do escândalo do grampo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o presidente foi forçado a lotear o primeiro escalão entre seus gulosos aliados e a montar um verdadeiro governo paralelo dentro do Palácio do Planalto. Colocou sob a batuta de Clóvis, além de oito câmaras que tratam de todas as políticas setoriais do governo, mais quatro secretarias de Estado que cuidam desde o dia-a-dia administrativo da Presidência até a definição de projetos para as áreas de habitação e saneamento. Com isso, esvaziou os ministérios e gerou a onda que transformou agora o chefe da Casa Civil no saco de pancadas predileto de colegas de governo e líderes políticos de todas as facções governistas. "Enquanto continuar essa concentração de poderes na Casa Civil, o Clóvis continuará sob bombardeio", disse o ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, a FHC. "O Clóvis conseguiu uma proeza: a unanimidade do contra. A não ser o Fernando Henrique, nunca vi ninguém defendê-lo", atesta o senador Carlos Wilson (PSDB-PE).

A lista de desafetos que o chefe da Casa Civil coleciona em Brasília vai de A a Z, ou melhor, de ACM a Zé Serra. Duas personalidades que se desentendem sobre quase todos os assuntos, o ministro da Saúde, José Serra, e o todo-poderoso presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), têm em comum uma verdadeira aversão a Clóvis Carvalho. Serra foi o padrinho da entrada de Clóvis no ninho do alto tucanato, mas se afastou dele no primeiro reinado de FHC e agora não perde uma oportunidade para criticá-lo. "Tudo empaca na Casa Civil, ele é um falso competente", reclamou Serra com o próprio Fernando Henrique. Ouviu uma defesa singela do presidente sobre o papel que desempenha seu auxiliar, responsável, entre outras coisas, pela preparação de todos os atos da Presidência que saem no Diário Oficial: "Mas tudo que ele me traz para assinar está sempre certinho." Outro ministro tucano que também se afastou de Clóvis Carvalho é Paulo Renato Souza, da Educação. "Decidi não viajar no mesmo avião que ele, porque a gente sempre acaba brigando", justifica. A antipatia de Antônio Carlos Magalhães é mais antiga. Surgiu num encontro no Palácio da Alvorada em 1995, em que ACM tentava convencer Fernando Henrique a fazer um reajuste maior do salário mínimo. Subitamente, Clóvis cometeu a ousadia de interromper o senador baiano. "Presidente, com aliados como esse, o senhor não precisa de oposição", alfinetou. O cacique pefelista saiu contrariado da reunião e avisou a correligionários pefelistas: "Esse Clóvis entrou na minha lista negra." Desde então, ACM trata de espinafrar o chefe da Casa Civil sempre que pode.

O tiroteio contra Clóvis ganhou mais intensidade nas últimas semanas. Na esteira da denúncia de que usou um avião da Força Aérea Brasileira para levar a família à paradisíaca ilha de Fernando de Noronha durante o Carnaval, ministros e partidos aliados resolveram colocar mais lenha na fogueira. Providencialmente, o senador Romero Jucá (PFL-RR) está preparando a convocação do chefe da Casa Civil para depor na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, a pretexto de pedir explicações sobre a criação de tantas secretarias no processo de reestruturação do governo. "Quem na frigideira frita, na frigideira será fritado com óleo de baleia trazido de Fernando de Noronha", ironiza o deputado Delfim Netto (PPB-SP), um especialista nesse tipo de culinária, referindo-se à prática de Clóvis Carvalho de colocar colegas de governo no óleo quente. Insatisfeita com os pedidos de nomeações e atos administrativos engavetados por Clóvis, a cúpula do PMDB, capitaneada pelo presidente Jáder Barbalho (PA) e pelo líder Geddel Vieira Lima (BA), engrossa o coro contra o chefe da Casa Civil. "Ele é um técnico que senta em cima de tudo e os problemas acabam caindo no colo do presidente", ataca o deputado Henrique Eduardo Alves (RN), 1º vice-líder do PMDB na Câmara. "O nome ideal para a Casa Civil é o do ex-ministro Eduardo Jorge, que tem jogo de cintura e teria o aval de toda a base política para voltar ao Palácio do Planalto", completa. O próprio Eduardo Jorge, que jura não querer voltar ao governo, também está atiçando o fogaréu. Suas desavenças com Clóvis cresceram depois que o chefe da Casa Civil desmontou o esquema do ex-secretário-geral da Presidência nos bilionários fundos de pensão das estatais.

Mesmo com toda essa carga contra Clóvis Carvalho, Fernando Henrique não demonstrou até o momento a menor disposição de destroná-lo. "O Clóvis é leal, trabalhador e competente. Para mim, é difícil encontrar alguém como ele", explica FHC. O presidente sente dificuldades para promover uma troca de guarda na Casa Civil porque Clóvis é um dos poucos remanescentes do time de absoluta confiança com que Fernando Henrique chegou à Presidência. Se entregar a cabeça do ministro, teme ficar sob completo cerco dos vorazes aliados. No Planalto, aponta-se ainda outro motivo para o presidente resistir às pressões pela mudança do seu chefe da Casa Civil. Ao provocar a ira dos partidos aliados, segurando as nomeações de apadrinhados da base política para o segundo e terceiro escalões governamentais e engavetando pedidos e medidas propostas por ministros, Clóvis estaria simplesmente cumprindo ordens presidenciais. "O Clóvis é implacável no cumprimento de missões e é avesso a fisiologismos. Sempre prefere nomear um técnico a um político", defende o presidente da Embratur, Caio Luiz de Carvalho, uma testemunha de como o chefe da Casa Civil impôs à Aeronáutica, a ferro e fogo, a desregulamentação do setor de aviação civil. O próprio FHC promete resistir "às bicadas" dos aliados, especialmente os do PMDB que têm uma lista de indicações para cargos na Petrobras, DNER, Sudene, Codevasf e Companhia Docas de São Paulo, entre outros. "Tem áreas em que não vão nomear e não vão nomear e acabou. Não vão nomear por quê? Porque acho que certas pessoas não servem para isso ou aquilo", afirmou Fernando Henrique a ISTOÉ.