Acuado pela lama, o prefeito de São Paulo, Celso Pitta (PPB), está cada vez mais isolado no Palácio das Indústrias, a sede do governo que administra o terceiro maior orçamento do País, previsto em R$ 10,2 bilhões este ano. Desde que a roubalheira e a prática hierarquizada da cobrança de propina vieram à tona, o fantasma do impeachment passou a rondar o gabinete do prefeito. A bancada pepebista caiu de 21 para 16 vereadores. O PFL, que tem um aguçado instinto de sobrevivência e detesta velório, abandonou o barco, entregando a última secretaria que comandava. Na Câmara Municipal, que abriga uma CPI para investigar a máfia, há o consenso de que Pitta não emplaca agosto. A única dúvida é se o prefeito perderá o cargo nos próximos meses ou se será arrastado, após entrar em coma político, até o final do mandato.

Agonizante, Pitta tenta um sobrefôlego se aproximando do PMDB, mas esbarra na resistência do grupo de Michel Temer, o presidente da Câmara dos Deputados. Até Paulo Maluf, inventor do prefeito Celso Pitta, já se engalanou para jogar uma pá de terra sobre o caixão. A contra-ofensiva malufista, capitaneada nos bastidores por Calim Eid, fiel escudeiro do ex-prefeito, não inclui necessariamente Pitta. Sonha apenas em salvar a pele, ou melhor, os votos do chefe. O atual ocupante da cadeira de prefeito é considerado um paciente desenganado. Vaiado nas ruas, abandonado pelos aliados, sem controle sobre a máquina da prefeitura, que loteou entre os vereadores, Pitta caiu no descrédito. Pesquisa ISTOÉ On line (leia quadro à pág. 20) reflete a opinião dos quase dez milhões de moradores da cidade: a imensa maioria acredita que o prefeito tem culpa no cartório. "Se houver a comprovação do envolvimento de Pitta no esquema da corrupção, não podemos ter dúvida de que será proposta sua cassação", afirma o presidente da CPI, José Eduardo Cardozo (PT). "Política e eticamente, Pitta já deveria estar cassado. Seu cadáver, inclusive, está fedendo", eleva o tom o presidente nacional do PT, deputado José Dirceu. "Mas, como o prefeito ainda tem maioria na Câmara, será preciso encontrar provas concretas para começar o processo de impeachment."

Jóia cobiçada
Apesar de se recusarem a fazer declarações públicas, nos corredores da Câmara vereadores governistas concordam que as investigações conduzirão ao enterro político de Pitta. A corrupção, enraizada nas 27 administrações regionais, criadas nos anos 60 para melhorar os serviços públicos, é tamanha que só há divergência sobre qual área levará aos chefões. "O lixo cada vez mais parece uma vertente de corrupção que pode chegar aos altos escalões", diz o presidente da CPI, referindo-se às denúncias de cobrança de propinas das empresas responsáveis pela limpeza da cidade. O presidente da Câmara, Armando Mellão, que até o começo da semana passada ainda era do PPB, também trabalha com a possibilidade de cassação (leia entrevista à pág. 5). A disputa pelo espólio de Pitta tende a virar uma luta política nacional, afinal a Prefeitura de São Paulo é a jóia mais cobiçada na eleição do ano 2000, onde se joga a preliminar da sucessão de FHC. Todos os partidos estão acompanhando a agonia de Pitta. Em Brasília, o vice-presidente da República, Marco Maciel, figura chave do PFL, consultou a Lei Orgânica do Município assim que a CPI foi aprovada em São Paulo para saber como é o processo de impeachment. O partido, que sonha com a fusão com o PPB, revivendo a velha Arena, quer Maluf fraco, mas não destruído. O governador Mário Covas (PSDB) e o PT, que largou na frente com Marta Suplicy, acompanham de camarote. Enquanto Pitta estiver sob fogo cruzado, Maluf estará imobilizado e fora da disputa. Se a cassação do prefeito acontecer em poucos meses, o quadro muda radicalmente. Depois que saiu do PFL, o vice ficou sem partido e namora o nanico PPS, herdeiro do PCB e hoje oposição moderadíssima ao governo FHC. Régis sempre pode se proteger sob as asas do tucano-mor Mário Covas e disputar a reeleição. Sem Pitta, o jogo muda e recomeça do zero.

O lamaçal que ameaça fazer submergir a atual administração paulistana tem tudo para chegar a Brasília. Pelo menos dois dos novos deputados da bancada paulista do PPB estão no rol de suspeitos de envolvimento no esquema de corrupção: Nelo Rodolfo e Zé Índio. Presidente da Câmara Municipal até meados de dezembro, Nelo já enfrentou denúncias do gênero no passado recente, mas conseguiu escapar ileso. O mesmo ocorreu com Zé Índio, que controlava a regional da Mooca, na zona leste. Desta vez, o efeito teflon está falhando. Na semana passada, na esteira das atuais investigações, o sigilo bancário da mulher de Nelo, Cristina Faria de Oliveira Giongo, foi quebrado pela Justiça Federal. Nos próximos dias, o deputado estadual Afanasio Jazadji (PFL) levará ao Ministério Público uma testemunha e documentos contra Nelo Rodolfo, que controlava a administração regional de Santana, na zona norte, e unidades do PAS, o programa de saúde criado na gestão de Paulo Maluf.

Bola da vez
Segundo a denúncia, Nelo Rodolfo intermediava, por trimestre, a venda de 7.250 kits para teste de DNA ao PAS. Pelo contrato 001/96, firmado com o PAS da zona norte, cada lote saía por R$ 870 mil. "Era como vender fumaça enlatada para a prefeitura", acusa Afanasio, velho desafeto de Nelo. "Os kits não passam de dois cotonetes grosseiramente preparados e embalados." De acordo com o depoimento feito ao parlamentar por Miguel Hugo Rocha, que trabalhava para o fornecedor e está disposto a testemunhar na Justiça, no âmbito público, a falcatrua rendia propinas regulares a Nelo Rodolfo e ao diretor administrativo que ele manteve no PAS, Eraldo Rabello de Lima. "Apesar de ser um escândalo, há fortes indícios de que o caso do kit seja apenas a ponta de um iceberg", analisa Afanasio, que investiga ainda a participação de Nelo Rodolfo no Time Tower, um ambicioso empreendimento imobiliário da zona leste.

Na verdade, são tantas as denúncias envolvendo a administração da cidade que foram abertas quatro frentes de investigação. Além da CPI, apuram o caso a Polícia Civil, o Ministério Público e a própria prefeitura, que decidiu criar uma Corregedoria na semana passada. Seu comando, porém, foi entregue ao vice, Régis de Oliveira (sem partido), a quem Pitta já chegou a expulsar do Palácio das Indústrias, devido a divergências políticas. Ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Régis apega-se à ética para não comentar a possibilidade de impeachment, pois é o herdeiro natural da cadeira do prefeito. "Mas não vamos amaciar em nada", garante o vice. "Se aparecer alguma denúncia contra o prefeito, encaminho para o Ministério Público."

Pelo menos um dos auxiliares mais próximos de Pitta já está com sua situação bastante complicada na Justiça. O ex-secretário de Obras e Vias Públicas Alfredo Mário Savelli – o homem forte da prefeitura até ser demitido há duas semanas – foi denunciado pelo Ministério Público na sexta-feira 19 por crimes de concussão (extorsão praticada por funcionário público), prevaricação e formação de quadrilha, por envolvimento no esquema de cobrança de propinas. Outros 11 acusados também foram denunciados, entre administradores regionais, assessores, engenheiros e camelôs. Graças à delação premiada – recurso utilizado pela polícia e pelo Ministério Público para incentivar os acusados a denunciar os chefes do esquema (com isso eles conseguem a redução de suas penas) –, os líderes da máfia vão aparecendo, aos poucos. A ex-assessora da Regional da Penha Tânia de Paula, que depôs na CPI na quinta-feira 18, foi uma das beneficiadas. Ela denunciou o vereador e namorado Vicente Viscome, que continua foragido da polícia. Na sessão do dia seguinte, a presidente da Associação dos Nordestinos, Francisca Bezerra – responsável pelas primeiras denúncias contra o vereador –, chamou Viscome de "Vicentinho do Pó", por causa de seu suposto envolvimento com drogas. "Ele acabou com a minha vida, estou passando fome", reclamou Francisca, interrompendo o depoimento em meio a uma crise de choro. O drama de Francisca é pouco diante do caos que impera na cidade, com os serviços públicos minados pela rede de corrupção. "Se a população percebesse como a corrupção coloca em risco sua vida, a indignação seria muito maior", diz o presidente regional do PSDB, Mendes Thame, referindo-se aos bueiros entupidos de lixo, que não escoam as águas nos dias de chuva. De fato, se a correlação entre a roubalheira e o abandono da cidade fosse feita, os moradores de São Paulo já teriam dado adeus ao prefeito Celso Pitta.

Colaborou Gustavo Chacra

 

A máfia contra-ataca

Uma vez da máfia, sempre da máfia. As denúncias e testemunhos que se avolumam nas mais de 1.800 páginas dos inquéritos policiais sobre a quadrilha dos fiscais funcionam como metralhadoras ferindo interesses. Tanto que os atingidos com o escândalo do esquema de propinas resolveram agir nas sombras tentando melar as investigações que culminaram em uma CPI, depois que dezenas de pessoas foram indiciadas e presas. Na quarta-feira 17, o jornal Diário Popular estampou como manchete a informação de que o promotor de Justiça, José Carlos Blat, um dos responsáveis pela investigação, foi sócio de Ivo Noal Filho, herdeiro do famoso bicheiro, na empresa Miami Free Shop Comércio Ltda., um misto de bar e loja de conveniência que funcionou de 1988 a 1989. Revelações como essa engrossam um dossiê que está sendo preparado pelos alvejados com a intenção de atingir também os delegados que cuidam do caso, Romeu Tuma Junior e Naief Saad Neto. Segundo Tuma Junior, a tática do contra-ataque, seguindo o modus-operandi do crime organizado, já era esperada. "Primeiro eles tentaram matar as testemunhas, como no caso do ambulante José Afonso. Como não conseguiram, tentaram desmoralizar os testemunhos e o passo seguinte é atingir a cúpula das investigações", explica.

Para o promotor Blat, essa movimentação nos porões dos gabinetes da Câmara é mais uma prova de que há muita gente se sentindo contra a parede. De sua parte, está tranquilo. "Quando entrei na sociedade, a pedido do meu pai, eu não era promotor, não fizemos negócios sujos e para ingressar no Ministério Público minha vida foi totalmente investigada, portanto, não há nada que me desabone ou me intimide", disse. O próprio procurador-geral, Luiz Antônio Marrey, saiu em defesa de Blat e garantiu que ele não será afastado do caso. "Isso é coisa de gângster", disse Marrey. Até o prefeito Celso Pitta demonstrou estar indignado. Ao que parece a guerra de dossiês e as tentativas de intimidação não vão acabar tão cedo.

Na semana passada, IstoÉ foi procurada por telefone por um homem que se identificou como "O Professor" dizendo que teria um dossiê que acabaria com a carreira de um dos delegados e desmoralizaria de uma vez por todas o trabalho feito até agora pela polícia. Desde o primeiro contato as denúncias pareciam inconsistentes. Em três ligações, sempre rápido, formal, objetivo e não querendo muita conversa, "O Professor" não revelou detalhes sobre as tais acusações que diziam respeito a um suposto esquema de falsificação de cartão de crédito com ramificações no Brasil e no Exterior. Queria US$ 50 mil pagos em duas vezes para falar, embora desde o início tivesse sido alertado de que a revista não compra informações.

"Esse suposto dossiê é um absurdo. Não tenho medo de nenhuma acusação", disse o delegado Naief Saad. Já Tuma Junior afirmou que não tem o rabo preso com ninguém e, no início das investigações, entregou sua declaração de Imposto de Renda e as contas de sua campanha a deputado estadual realizada no ano passado ao diretor do Departamento de Identificação e Registros Diversos, Eduardo Hallage, ao qual é subordinado. "Na campanha não recebi doação de ninguém e não estou nem um pouco preocupado."

Tuma Junior tem sofrido constantes ameaças, sua casa é vigiada e pessoas estranhas estiveram na empresa em que sua mulher trabalha, em sua casa de praia e no Corinthians, onde foi diretor, tentando levantar informações que o comprometam. Cansado do jogo baixo, Tuma pediu férias, que lhe foram negadas. "Quando eu tiver medo de bandido, deixo de ser policial", diz. O promotor Blat também foi procurado pelo "O Professor" que dizia ter um dossiê, mas, nessa segunda versão, as acusações atingiriam os vereadores. "Ele queria dois carros para fugir, seguranças, a escola dos filhos paga e celular. Mandei ele catar coquinho", afirma.

Luisa Alcalde

 

Salve São Paulo

O alarme da tolerância apitou quando o centro de São Paulo ficou submerso, no início do mês. As cenas chocantes de desespero das vítimas do maremoto no túnel do Anhangabaú motivaram uma campanha publicitária, pronta uma semana depois, patrocinada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo. "O objetivo é resgatar a cidadania dos paulistanos estimulando que a população participe mais dos problemas que afetam a cidade e não fique apenas como assistente das ações do poder público", afirma o empresário Abram Szajman. Idealizada pela Colucci Propaganda, e com slogans como "Sua consciência está limpa com a cidade suja desse jeito?", a campanha que começou esta semana e terá a duração de um mês com inserções na mídia eletrônica, impressa, outdoor e distribuição de folhetos aborda cinco dos problemas mais críticos de São Paulo: lixo, praças abandonadas, enchentes, pichações e buracos nas ruas. "Queremos que as pessoas colaborem, denunciem e telefonem para os órgãos competentes cobrando soluções", diz Oscar Colucci.

L.A.