Especialista em detectar tendências, a pesquisadora americana que popularizou o termo metrossexual diz como serão os relacionamentos, o trabalho e o consumo no futuro

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VÁRIAS UNIÕES
“Ter 12 casamentos poderá ser comum”
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Descobrir tendências é o ofício da americana Marian Salzman, 52 anos. Responsável pela popularização do termo metrossexual na década passada, ela viaja o mundo atrás do que há de mais novo em comportamento humano a serviço da Havas PR, de Nova York, agência de relações públicas que preside. Atualmente, Marian prefere circular por países em desenvolvimento, como o Brasil e a África do Sul, onde as novidades parecem ser mais frescas. Para captar uma tendência nova, além de estar ligado nas redes sociais, é preciso circular pelas cidades de mente aberta, visitar supermercados e feiras de rua e vale, até, investigar o lixo das pessoas. Do que vê, ela decodifica hábitos de consumo e até incongruências entre discurso e prática. Em conversa com ISTOÉ, Marian revelou o que espera para o futuro dos relacionamentos, do entretenimento, do trabalho, da política e do consumo.

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"Madonna não lança tendências, ela espalha.
Ela observa o que vai decolar e aposta
naquilo, mas nunca é a primeira”

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"Em 2013, Bill Clinton jamais conseguiria ter o
relacionamento com a estagiária Monica Lewinsky
e quase se safar,como em 1998"

Fotos: Rafael Hupsel/ag. istoé; Rene Tillmann/ap photo

ISTOÉ

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Hoje, qual é o país que mais gera tendências?

Marian Salzman

Para as tendências alegres, países jovens e em desenvolvimento como o Brasil e a África do Sul. Eles são geradores de tendências positivas porque neles prevalece a crença de que o amanhã será melhor do que hoje. Pessoas seguras e otimistas arriscam mais e, portanto, inovam mais. Nesse sentido, tendências negativas vêm de regiões pessimistas. Atualmente, o centro desse negativismo é a Europa.

ISTOÉ

A sra. segue algum método para identificá-las?

Marian Salzman

Sim, e meu método está cada vez mais refinado graças à internet e às redes sociais. Hoje, não saberia como fazer esse trabalho sem essas ferramentas. E as uso basicamente para buscar e registrar a incidência de palavras-chave. A ideia é identificar quais palavras-chave mais aparecem, em quais veículos e a partir disso identificar padrões. Meu método sempre foi o de procurar não quem cria tendências, mas quem espalha tendências. Por exemplo, Madonna não lança tendências, ela espalha. Ela observa o que vai decolar e aposta naquilo, mas nunca é a primeira.

ISTOÉ

Faz pesquisa de campo?

Marian Salzman

Claro. Quando viajo, por exemplo, visito supermercados, além de feiras de arte nativa e de rua. Nesses lugares entendo o que as pessoas estão procurando e do que elas estão abrindo mão. Outra coisa que gosto de fazer é ver o lixo das pessoas. Em alguns lugares chego a oferecer US$ 50 para fotografar o lixo de uma família. O lixo não mente. Tem muita família dizendo que recicla, que só come orgânicos e que tem dieta equilibrada. Aí você abre o lixo e só vê refrigerante, sorvete e comida processada. Acontece muito.
 


ISTOÉ

Há quem diga que estamos trocando a vida real pela virtual nas redes sociais. O que acha disso?

Marian Salzman

Os críticos dizem que as redes sociais são, na verdade, antissociais. Acho que elas são sociais de uma maneira nova. Se você está em contato com seus amigos, não dá para dizer que você não está sendo social, você só está sendo social de outra maneira. No dia que embarquei para o Brasil, disse no meu Twitter que estava indo para São Paulo. Aí vi que três amigos meus, cada um de um Estado nos EUA, também estariam aqui. Jamais saberia sem o Facebook. Posso marcar de encontrá-los, sair para conversar ou comer. Posso não concordar, mas compreendo os críticos. Meus pais achavam o telefone antissocial, não se conformavam que eu ligava para as minhas amigas em vez de pegar a bicicleta e ir conversar com elas.
 

ISTOÉ

Com a vida exposta online há menos privacidade. Bill Clinton conseguiria manter em segredo, hoje, o caso com a estagiária Monica Lewinsky?

Marian Salzman

Não. Em 2013, Bill Clinton jamais conseguiria ter feito o que fez com o relacionamento com Monica Lewinsky e quase se safar, como aconteceu em 1998. Não existe mais privacidade na política. Ser transparente não é mais opção. É o único caminho possível.

ISTOÉ

Qual o futuro da televisão?

Marian Salzman

As pessoas vão fazer a própria televisão. E a programação autocriada crescerá exponencialmente por uma razão simples: somos experts no que nos interessa. Seu amigo tem muito mais chance de saber o que você gosta de ver do que uma rede de televisão. O programa dele pode não ter uma audiência gigantesca – essas continuarão com as megaproduções –, mas ele terá audiência porque existe demanda. Por mais específico que seja o assunto, alguém vai ver. Com as redes sociais, o conteúdo chega aos interessados. E chega por todos os caminhos, televisão, tela do computador e celular.


ISTOÉ

Que grande tendência a sra. não enxergou?

Marian Salzman

Errei uma que me faz parecer uma idiota. Um cliente queria desenvolver uma parceria com o Facebook em 2005 e eu disse que ele deveria esquecer o projeto e que a rede não merecia cinco centavos de investimento. Mas é assim, você erra uma e acerta outra. Disse que o Twitter, por exemplo, teria o tamanho e a relevância que ele tem atualmente. E hoje aposto na onda do AirBnB (uma rede de relacionamentos em que as pessoas alugam casas ou quartos que está presente em 192 países) e nessa história do compartilhamento de sofás como grande tendência para o mercado de turismo.

ISTOÉ

Por que essa onda vai pegar?

Marian Salzman

Começou só com os sofás. Você aluga o seu sofá para um viajante, ele dorme na sua casa e você recebe uma diária. Eu acho esse o modelo interessante, mas limitado. Hoje, sites como o AirBnB listam de sofás a mansões. Ampliou o escopo. A ideia é fantástica e, em países onde a crise econômica teve grande impacto, pode ser revolucionária. O sujeito já paga uma fortuna de financiamento na própria casa. Alugando quartos, pelo menos ganha dinheiro.
 

ISTOÉ

O metrossexual morreu?

Marian Salzman

Não, ele virou um subtipo, parte importante da identidade masculina. Os homens hoje tomam mais cuidados com eles mesmos. Ninguém mais acha que um homem bem apessoado e cuidadoso com barba, mãos e unhas é gay.

ISTOÉ

Como uma tendência nasce e morre?

Marian Salzman

Hoje, no mundo das mídias sociais, modas estão muito em evidência. Por exemplo: uma tendência hoje é que o sal seja tratado como o novo cigarro e, daqui a pouco, que o celular seja tratado como o novo cigarro. Como uma tendência como essa nasce? Primeiro, com informação e dados de pesquisas. Tem informação confiável saindo da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, apontando esse perigo. Também tem gente que nega isso, principalmente quem trabalha com pesquisas patrocinadas vindas de centros de estudo no norte da Europa, onde há grandes fabricantes de telefones celulares. A visibilidade sobre o assunto está aumentando muito. Há um aumento desproporcional de mortes de pessoas que são grandes usuários de telefone celular por tumores chamados glioblastomas. Pessoas estão começando a falar do assunto. Um alerta foi emitido recentemente nos Estados Unidos e na Europa para que crianças de até 14 anos não usem o telefone celular junto da cabeça porque os ossos do cérebro ainda estão em formação. Todas essas informações, pesquisas, observações e intuições se somam para criar uma tendência.

ISTOÉ

E qual o desdobramento disso?

Marian Salzman

Vou dar outro exemplo. Detectamos em nossas pesquisas a tendência da terceirização da gravidez. Há vilas inteiras na Índia, chamadas de ilhas de fertilidade, aonde você pode ir levando o máximo de material biológico próprio e lá conseguir uma barriga de aluguel. Um desdobramento disso é que está aparecendo preconceito contra mulheres que não têm gravidez vaginal. A partir daí surgem vários debates. As tendências nascem, ganham impulso com dados, estatísticas e observação e saem na imprensa. Depois são filtradas pela repercussão, codificadas com uma frase enxuta e então podem sobreviver alguns meses ou 15, 20 anos.

ISTOÉ

Toda tendência comportamental tem potencial para ser explorada comercialmente?

Marian Salzman

Toda tendência pode ter impacto comercial, mas, se ele vai ser positivo ou negativo, varia. Há tendências anticomerciais. O compartilhamento de roupas e bens é uma delas. Não há grandes lojas que vendem jeans ou camisetas usadas. Essa tendência pode acabar com bons negócios no ramo.

ISTOÉ

Por que grandes empresas são lentas para agir a partir das orientações de profissionais como a sra.?

Marian Salzman

Elas não agem tão rápido quanto deveriam, mas também reconheço que elas têm outras responsabilidades, como entregar resultados trimestralmente. Estar muito em dia com as tendências apresenta alguns problemas, como chegar ao lugar certo cedo demais. Acertar o timing não é fácil. E, para uma empresa, os riscos de embarcar em uma tendência na hora errada são muito grandes. Por exemplo, quando falei do metrossexual pela primeira vez, em 2003, não era hora de as empresas agirem sobre essa tendência. A partir de 2005 fazia mais sentido. Quem esperou teve melhores resultados. Por outro lado, falo do impacto do AirBnB para a indústria da hotelaria há cinco anos. Eles me chamavam de louca. Hoje, os hotéis perderam em média 5% do trânsito de clientes para esse tipo de serviço.

ISTOÉ

O que muda nos relacionamentos nos próximos anos?

Marian Salzman

A consolidação da ideia de que o casamento não é para a vida toda – isso para casais com qualquer composição. E as razões são simples. Uma delas é que, se vamos viver 104 anos, a necessidade de variar aumenta. No futuro, ter 12 casamentos ao longo da vida com uniões que duram entre cinco e 15 anos pode ser comum.
 

ISTOÉ

Como serão esses casamentos?

Marian Salzman

Quem estuda isso já fez um mapeamento dos diferentes perfis que vamos buscar em diferentes épocas da vida. O primeiro parceiro, por exemplo, costuma ser alguém com quem vamos dividir as despesas naturais do começo de uma vida independente, como aluguel e contas. Nós nos juntaremos a um amigo de quem gostamos e teremos um relacionamento com amor e praticidade. O segundo virá no contexto de desenvolvimento da carreira. Nós nos juntaremos a alguém que pode nos dar apoio no deslanchar da vida profissional.

ISTOÉ

E os filhos?

Marian Salzman

Virão no terceiro casamento. Será alguém que seja bom para cuidar de crianças, que tenha valores parecidos com os seus e esteja disposto a ter um relacionamento um pouco mais longo. O quarto volta a ser um facilitador da vida profissional, para que ela entre em nova fase, já que estaremos mais velhos e mais experientes. O quinto pode ser um retorno à vida familiar, para um ou outro filho. E assim esses perfis vão se alternando de acordo com as necessidades. Com os avanços na medicina, a idade, o maior impedimento para o adiamento na concepção dos filhos, deixa de ser um problema. As coisas ficarão mais fluidas e pragmáticas.
 


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