Nasce como romance e acaba em vale-tudo. As juras de amor eterno dão lugar a intermináveis discussões sobre alguns reais a mais, instala-se um bate-boca que revela publicamente assuntos antes só discutidos na intimidade e o casal, que por muito tempo dividiu a mesma cama, só se encontra nos tribunais. Situações desse tipo são inevitáveis quando os recém-separados levam sentimentos malresolvidos e encontram em temas como partilha de bens, guarda de filhos ou valor da pensão alimentícia motivos para exaustivos conflitos. É nesse ringue que muitas mulheres partem para a briga e provocam estragos consideráveis em seus adversários, os ex-maridos. "O número de ações litigiosas tem aumentado muito nos últimos anos e a maioria é movida por mulheres", confirma o juiz Ricardo Cardozo, da 11ª Vara de Família do Rio de Janeiro. Seja porque eles não pagam o que é devido, seja por vingança ou ciúme, as ex-esposas têm dado motivos de muita dor de cabeça aos homens. O quebra-pau se torna mais visível quando envolve gente famosa como jogadores de futebol ou atores de tevê, que vêm sua roupa suja ser lavada nas páginas dos jornais.

Um caso explosivo foi desencadeado, recentemente, pela separação do engenheiro Rubens Faria Júnior – conhecido por operações mediúnicas em nome do espírito do Dr. Fritz – e a corretora de imóveis Rita de Cássia Costa. A imagem de homem caridoso, preocupado com a saúde de seus semelhantes, desabou assim que Rita provou que Rubens conseguira acumular uma fortuna cobrando R$ 15 por consulta, de uma clientela predominantemente pobre. Da relação de bens constam oito imóveis – entre eles dois localizados em Miami e um apartamento no Rio avaliado em R$ 716 mil –, pelo menos quatro automóveis e uma conta bancária no Exterior, que recebeu depósitos de R$ 24 mil em um só dia. O objetivo da ex-esposa é mostrar que o patrimônio do médium é muito maior do que ele admite. "Ele dizia que era um cara pobre e isso é mentira", ataca Rita. Mas para o ex-marido, contudo, o maior prejuízo foram as acusações de que suas curas não passam de farsa.

Para o engenheiro médium, a revolta de Rita é dor-de-cotovelo. "Ela não se conforma com o fato de eu ter namorado a Carol, de 19 anos", ele conta, referindo-se ao romance que manteve com uma amiga da filha de Rita. "Ela ameaçou a moça e os pais dela, fez calúnias e xingamentos. Disse que se eu não desse tudo o que ela exigia iria procurar os jornais para fazer escândalo." Quanto à cobrança das consultas, ele admite que errou, mas afirma que a idéia foi da própria Rita. "Há oito anos incorporo o Dr. Fritz e só passei a cobrar há um ano e meio (tempo em que estiveram casados) porque ela me convenceu que não era nada demais." Rubens diz que dedicava todo seu tempo às curas e alega que era Rita quem administrava seu dinheiro. Jura que os apartamentos e automóveis foram adquiridos com financiamentos a longo prazo e que muitos desses bens já não lhe pertencem, porque não teve como pagar as prestações. "Estou doente e sem dinheiro."

Inimigos íntimos
O tiroteio atingiu duramente Rubens, que foi enquadrado nos crimes de estelionato e exercício ilegal da profissão. "No Rio as coisas estão complicadas", afirma ele, que atualmente atende num galpão na capital paulista. A polícia investiga as denúncias de que ele seria responsável por uma morte e teria ligações com um traficante internacional. Por conta disso, o engenheiro chegou a ser preso em São Paulo, há semanas.

Confrontos como esse são frequentes quando a emoção transforma ex-parceiros em inimigos íntimos. O psicoterapeuta Ari Rehfeld, da PUC de São Paulo, afirma que muitas vezes o vazio interno causado pelo rompimento é preenchido com conflitos e brigas. Mulheres que deixaram a carreira em segundo plano para tomar conta dos filhos vão à Justiça exigir pensão. Mais difíceis de comprovar são as alegações de que o casamento impediu projetos pessoais. Mônica Santoro, a ex do craque rubro-negro Romário, sustenta que, desde o início do casamento, que aconteceu em 1988, deixou de lado seus planos para apoiar a carreira do marido, que foi contratado por clubes da Holanda e da Espanha. Teve seus dois filhos no Exterior e pouco depois de voltar ao Brasil, em 1994, o casamento acabou por causa das peripécias extraconjugais do jogador. O único vínculo entre os dois, hoje, é a briga que mantém na Justiça. Além da partilha de bens, Mônica – que abriu mão de sua pensão – cobra de Romário o dinheiro relativo à correção da pensão dos filhos, estabelecida atualmente em R$ 6 mil mensais para cada um e o pagamento de despesas médicas desde 1997. "É a disputa de David contra Golias. Ele é famoso e tem espaço na imprensa e muitos acham que sou uma aproveitadora querendo ficar rica à custa dele", lamenta. No início de janeiro, a advogada de Mônica, Vitória Regina Marques, pediu a prisão de Romário para que o acordo fosse cumprido. Até hoje o dinheiro não foi pago e ela luta para conseguir descontá-lo da folha de pagamento do Flamengo. Às vésperas do Carnaval, Romário ironizou a advogada. "Se ela quer aparecer, vou convidá-la para ser porta-estandarte do Café do Gol (casa noturna de sua propriedade)."

A felicidade conjugal dos famosos vive sob estrita vigilância. Brigas – e suspeitas de brigas – viram logo notícias, que acabam muitas vezes em desmentidos ou, até, em ações judiciais. Em São Paulo, nas últimas semanas, os alvos foram Flávio e Jacqueline Maluf, filho e nora de Paulo Maluf. Uma nota em coluna de grande visibilidade dava conta de um pedido de divórcio de Jacqueline e de uma exigência de US$ 30 milhões na partilha, espaldada em documentos secretos e comprometedores sobre o marido e o sogro. Amigos da família acreditam que o único dossiê a atrapalhar a felicidade do casal circulou no ano passado, antes das eleições. Acusava os tucanos de negócios e contas bancárias escusos, no que ficou conhecido como dossiê Cayman, e chegou ao PT pelas mãos da própria Jacqueline e de seu pai, o ex-presidente do Banco do Brasil Lafaiete Coutinho. Segundo pessoas próximas à família, Jacqueline se ressentiu da excessiva exposição dos Coutinho ante o confortável silêncio do então candidato a governador Paulo Maluf. E teria cobrado isso do marido. Mas tudo acabaria em abraços entre as famílias, num Natal em Paris. O assessor de imprensa de Paulo Maluf, o jornalista Adilson Laranjeira, é categórico em sua negativa: "Jamais existiu nenhuma história de separação entre Flávio e Jacqueline e a família está processando o jornalista que publicou a notícia."

Disputas secretas
Outras vezes, as notícias sobre mulheres que exigem pensões altas são procedentes, mas os envolvidos escondem bem suas disputas. Discreto tem sido o processo de partilha de bens do ex-casal Marcos Palmeira e Vanessa Barum. Quando o casamento de cinco anos acabou, no ano passado, a cantora exigia metade do sítio localizado na região serrana do Rio, pensão alimentícia e a casa onde moravam, na Barra da Tijuca. Vanessa teria ficado com um apartamento e uma pensão de R$ 5 mil mensais. Ambos mantêm silêncio sobre a questão "Eu não gostaria de dar entrevista sobre isso", afirmou Palmeira. "Eu prefiro não falar", repetiu Vanessa.

Com mais de 24 anos de experiência em Varas de Família, o advogado Evandro Oliveira avalia que as leis do passado favoreciam o homem. "As mulheres conquistaram muitas vitórias nessa área", afirma. Mas em sua opinião ainda não existe equilíbrio nos julgamentos. "A conduta dos tribunais varia de acordo com a cultura de cada região", explica. Oliveira acha que os juízes do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais tendem a julgar a favor dos homens. Segundo ele, as decisões são mais equilibradas em São Paulo. No Rio, os magistrados seriam favoráveis à mulher. Mas algumas vezes esse favoritismo feminino falha. Na disputa entre o empresário João Hansen, um dos sócios da indústria de tubos e conexões Tigre, e sua ex-mulher, Andréa Gomes, foi ele quem venceu. O empresário conseguiu na Justiça do Rio reduzir o valor da pensão do filho do casal de R$ 10 mil para R$ 3 mil.

A disputa por dinheiro é o tema da maioria das brigas entre ex-casais. E quando o casamento desfeito inclui filhos, as ex-mulheres têm na mão o poder assustador de botar o ex-marido na cadeia, caso ele não pague a pensão devida.

O ex na cadeia
Foi essa ameaça que a atriz Cissa Guimarães levou adiante, em 1994. Ela entrou na Justiça para tentar fazer com que seu ex-marido, o ator Paulo César Pereio, pagasse a pensão devida aos dois filhos. Como ele não pagou, acabou preso. "Não foi por ressentimento. Ele trabalhava em uma novela da Globo, ganhava bem e não pagava a pensão dos garotos", recorda ela. Hoje, Pereio não tem emprego fixo e mudou-se para a casa da mãe no Rio Grande do Sul. "Superamos aquele desentendimento e hoje nos damos bem. Atualmente, como sei que ele está sem dinheiro, Pereio paga quando pode." Cissa acha que esses litígios não podem se transformar em rancores. Mas a mulher tem que fazer valer a lei. "Sem stress, mas sem abrir mão do que é um direito."

Na vida depois da separação, a mulher tem a desvantagem de salários menores no mercado de trabalho e a sobrecarga de conciliar carreira e filhos. Os homens tornam-se frágeis quando vivem ao mesmo tempo separação e crise financeira. "Vivemos num capitalismo muito primitivo, onde a personificação do êxito está muito longe do espírito e muito perto do BMW", diz o psiquiatra Carlos Brigante, de São Paulo. "Nossa sociedade é cruel com o homem pobre", critica o psiquiatra.

Pai do ano
No quarto que o professor paulistano Ronald Cohen, 41 anos, ocupa na casa da mãe, o troféu dourado que ele ganhou das filhas, de 9 e 11 anos, exibe em letras grandes "Pai do Ano". É seu objeto mais querido. Desde que se divorciou, há dois anos, Cohen amarga um penoso conflito com a ex-mulher. Em novembro último, ele recebeu um mandado de prisão porque ela alegava o não-pagamento de pensão alimentícia das crianças. "Ela agiu de má-fé, pois eu nunca pedi recibo do que paguei", diz Cohen. "Apenas tinha atrasado a mensalidade da escola Vera Cruz, da qual eu fui professor e onde as meninas estudaram desde que nasceram", afirma. Foi sua mãe quem salvou a situação, desesperada com a possibilidade de o filho ir parar atrás das grades. Desempregado há um ano, depois de investir em um negócio que não deu certo, Cohen anda desanimado. "A Justiça trata o pai desempregado como um mau pai." Cohen também se diz perplexo com a postura da ex-mulher. "Ela se esqueceu de que o ex-parceiro é ainda o parceiro na educação e formação dos filhos", diz.

Para a advogada Maria Angela Berloffa, há 20 anos trabalhando com Direito de Família, os ex-maridos são mais perigosos que as ex-mulheres. "Em geral eles são menos propensos à vingança. Quando a fazem, porém, vão até o fim para acabar com a ex-mulher." Os mais desesperados chegam a matar e fizeram surgir no Brasil a figura da "legítima defesa da honra" – um artifício para atenuar casos de assassinatos cometidos por maridos traídos. A advogada diz que os casos de vingança e revanchismo acontecem quando a separação não é fruto de uma decisão conjunta. "Para a parte inconformada, a briga é uma forma de perpetuar a relação. Nesses casos, nem a Justiça funciona."

Caso de polícia
A jornalista Lúcia (nome fictício), 33 anos, vive uma relação infernal com seu ex-marido, com quem foi casada por dez anos. "Ele me deixa louca, já sofri um colapso nervoso e fui parar no hospital", diz Lúcia. Mãe de dois meninos dessa união, Lúcia está há seis anos separada, mas só conseguiu o divórcio em abril de 1998. "Ele não aceitava, por isso foi um processo litigioso." Seu ex-marido paga pouco mais de dois salários mínimos de pensão para os dois filhos, mas esse não é o maior problema de Lúcia. "Ele me persegue, quando me encontra tenta me agarrar e faz escândalos na frente do meu prédio. Já chamei a polícia e dei queixa por assédio", conta Lúcia, que fez terapia por dois anos para aguentar a tensão.

A secretária Laila De Patrize, 45 anos, briga há 16 anos na Justiça com o ex-marido. Até hoje não chegaram a um acordo quanto ao valor da pensão para os três filhos do casamento que durou dez anos. "Cheguei a pedir sua prisão, pois ele dava um jeito de não pagar", lembra Laila. Os filhos têm hoje 24, 22 e 21 anos. "São estudantes; têm direito à ajuda do pai", explica Laila. A secretária adiou a separação por muitos anos. "Ele ameaçava tirar tudo de mim, mas as brigas eram frequentes. Não desejo mal a ele, só queria me separar."

O procurador Aloysio Catani, da Procuradoria de Assistência Jurídica de São Paulo, trabalha há mais de 30 anos intermediando separações, divórcios e desquites. Segundo o procurador, a absoluta maioria das separações é pedida pelas mulheres. "E 99% dos conflitos pós-separação são causados por não pagamento da pensão alimentícia". Ele afirma que são raros os casos de ex-esposas que usam os filhos como instrumento de chantagem. "É mais comum o homem se vingar negando ajuda financeira como forma de agressão à ex-mulher." Cada qual com suas armas, homens e mulheres são capazes de agredir quem já amaram. Como garante o psiquiatra Carlos Brigante, "100% das separações são acompanhadas de dor, feridas, desamor, angústia e mágoa". Alguns transformam isso em aprendizado. Outros preferem criar um vilão e passar a vida lutando contra ele.

 

Alívio familiar

No ringue armado pelos pais, os filhos viram bonecos jogados de um lado para outro ao sabor das acusações mútuas. São usados como arma e escudo, sem poder mudar a situação. Isso sempre chocou a advogada Carolina Mellone, 28 anos, especializada em Direito de Família, até que ela resolveu fazer a sua parte nessa história: começou a oferecer ajuda e orientação aos filhos de seus clientes em processo de separação. "Vi como eles ficavam aliviados ao conhecer as leis, saber de seus direitos e, sobretudo, entender que não tinham nada a ver com a história de seus pais." A experiência resultou num livro – Meus pais estão se separando… E eu com isso? (Editora O nome da rosa), que Carolina lança na quarta-feira 24. Nele, em linguagem simples, dirigida aos jovens, a advogada explica todo o processo de uma separação e desvenda o mundo jurídico que entra de repente na casa da pessoa sem pedir permissão. Ela fala, por exemplo, dos direitos dos filhos. São 20 mandamentos como: "Os filhos têm o direito de não participar de audiências, de não assinar nada e de não dar depoimentos, se não quiserem, e sem se sentir culpados por essa recusa"; "Os filhos têm o direito de ver os amigos, se divertir e rir sem culpa, mesmo que o ambiente dentro de casa esteja péssimo."

Lembrando aos leitores que não existem ex-filhos, mas sim ex-maridos e ex-mulheres, Carolina tenta reconstituir a paz familiar. Conta vários casos de separações, inclusive a de seus pais. Eles se separaram quando ela tinha oito anos, e, aos 17, Carolina acionou o pai, por influência da mãe, para que ele pagasse uma pensão maior. "Foi um trauma ter ido ao fórum naquela situação", diz. Mas a experiência a impulsionou para sua vocação. "Adoro o que eu faço. Nesses casos, mais do que perdas materiais, há perdas emocionais, por isso você precisa estar sempre disponível, dando colo e ouvidos para a pessoa se recuperar. É muito gratificante."

Quando separar custa caro

Por pior que seja o divórcio das pessoas comuns, pelo menos em um aspecto ele é mais fácil do que o dos ricos e famosos: sai mais barato. O divorciado de classe média já se deparou com o astronômico valor de US$ 50 milhões como pré-requisito para se ver "livre novamente"? Este é o preço pedido pela ex-modelo Jerry Hall para se separar do Rolling Stone Mick Jagger. O suposto pivô da separação, a modelo brasileira Luciana Gimenez, estaria em silêncio quanto à paternidade do seu bebê para não complicar ainda mais a vida de Jagger, já que pelas leis inglesas adultério implica mais indenizações à mulher traída. A fortuna de Mick Jagger, algo em torno dos US$ 250 milhões, já foi repartida quando ele se separou de Bianca Moreno, com quem tem uma filha, para se casar com Jerry, que lhe deu mais quatro herdeiros. Bianca contentou-se em receber US$ 9 milhões. O império do magnata das comunicações Rupert Murdoch, avaliado em US$ 130 bilhões, está na mira de Anna Murdoch, sua ex-mulher, que pediu o divórcio. O empresário Donald Trump pagou US$ 25 milhões, mais uma mansão de US$ 18 milhões a sua ex-mulher Ivana.

No pequeno universo da elite brasileira, Olacyr de Moraes, ex- rei da soja, pagou US$ 5 milhões a sua ex-mulher Edna Matheus e o banqueiro Leo Cochrane Jr. deixou US$ 2 milhões com a empresária Lúcia Kauffman, sua mulher durante 18 anos.

Mas nem todos os milhões do mundo bastariam para livrar Woody Allen das retaliações de sua ex, Mia Farrow. Depois de descobrir, em 1992, que o marido tinha um caso com Soon-Y, a menina vietnamita que ela adotou em seu casamento com o maestro André Previn, Mia moveu sucessivas ações contra Allen. Culminou por acusá-lo de molestar sexualmente os próprios filhos e conseguiu na Justiça que seu acesso às crianças fosse cerceado.

Chantal Brissac