A antropóloga americana Helen Fisher rompe o silêncio de dois anos para falar de seu novo livro em que aponta as diferenças entre homens e mulheres

A doutora Helen Fisher é um ímã da mídia americana. É um fato notável. Afinal, uma antropóloga do corpo do American Museum of Natural History não costuma ser o tipo ideal de estrela de televisão, rádio e revistas. Nem mesmo o prêmio American Anthropological Association’s Distinguished Award, a maior honraria da antropologia americana, que ela ganhou em 1985, justificaria o estrelato. Acontece que essa professora tem a qualidade de explicar certos mistérios de nossos ancestrais de modo surpreendentemente compreensível. A ponto de transformá-los em temas populares. Em seu best seller Anatomia do amor editado no Brasil pela Eureka, por exemplo, Helen consegue a proeza de destrinchar a espinhenta história natural da monogamia, do adultério e do divórcio. O enorme sucesso internacional de suas teses, portanto, ajudou a determinar o fascínio da imprensa.

Por isso, quando a antropóloga anunciou em 1997 que ficaria dois anos sem dar entrevistas, houve certo pânico na mídia. Determinada, optou pelo isolamento a fim de escrever aquela que pode ser sua obra de maior fôlego até agora. Uma tarefa no mínimo arriscada: apontar as verdadeiras diferenças entre homens e mulheres. Depois de mergulhar na história da humanidade, desde as cavernas até esta era de globalização, a autora dá agora os últimos retoques em seu livro que tem nome provisório de The first sex (O primeiro sexo), e está programado para sair em maio nos Estados Unidos. ISTOÉ também foi obrigada a esperar pelo fim da quarentena. Mas valeu a pena: na primeiríssima entrevista que concedeu nos últimos dois anos, ela desvenda a seguir alguns dos mistérios das diferenças dos gêneros humanos.

ISTOÉ – A sra. já havia escrito artigos sobre certas diferenças entre homens e mulheres. Por exemplo: o fato de que mulheres preferem falar com outra pessoa olhando nos olhos. Qual é a explicação para esse costume?
Helen Fisher

É um gesto adquirido da mãe. Ela pega a criança no colo, volta seu rosto para encará-la e fala com a criança. Trata-se de um reflexo aprendido. Os homens preferem se comunicar sem encarar. Eles se comunicam de lado, seguindo uma tradição que viria do tempo em que eram apenas caçadores e esperavam sua presa nos arbustos, falando com seus companheiros que estavam ao seu lado.

ISTOÉ – Como a sra. chegou a essas observações?
Helen Fisher

Bem, há muitos dados no campo da psicologia que nos levam a essas conclusões. Já foi verificado que o homem consegue intimidade fazendo coisas lado a lado. O modo como praticam esportes, jogando lado a lado; ou o prazer que sentem assistindo a um filme ou televisão ao lado de alguém. Quando psicólogos pedem para homens sentarem e conversar, há uma tendência a que eles se sentem lado a lado, é muito raro que eles escolham posições se encarando frente a frente. Isso é observado até em meninos pequenos. Tanto que existem vários psicólogos que começaram a fazer análises de pacientes masculinos sem sentarem-se de frente para eles, mas sim procurando uma posição mais de lado.
 

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ISTOÉ – E as mulheres?
Helen Fisher

Elas costumam se encarar. Verifique num playground, como as menininhas se olham: elas se viram frente a frente para falar, ou fazer as coisas juntas. Seja em conversas ligeiras, ou em conversas mais sérias, as mulheres gostam de se comunicar encarando de frente. E elas obtêm mais intimidade com essa postura. Esses, portanto, são os dados que obtemos dos estudos da psicologia. E porque eu sou uma antropóloga, me ocorreu: "Uau! Por milhões de anos as mulheres seguram seus bebês em frente a suas faces: ninando, dando bronca, ensinando, conversando com seus filhos." Na verdade, quando um homem brinca com um bebê, ele muito provavelmente vai levantar e abaixar seguidas vezes a criança, e depois virá-la – como se fosse para ela "ver" o mundo sob seu ponto de vista. O homem tem a tendência de mudar a posição da criança para que ambos observem o mundo em dupla. As mulheres, ao contrário disso, costumam segurar o bebê em frente de seu rosto, brincam e falam com ela sempre encarando de frente.
 

ISTOÉ – Isso foi adquirido?
Helen Fisher

Acho que sim. Os homens geralmente demandam que a criança interaja de acordo com seu estilo próprio. As mulheres são mais propensas a pegar o ritmo da criança, seu modo de ser, seu tempo. Acredito que segurando seus bebês desse modo durante milhões de anos, as mulheres desenvolveram esse senso. E os homens, por terem feito suas atividades lado a lado, adotaram essa forma de intimidade. Repare como é mais fácil se comunicar com um homem sentado ao lado dele num carro, ou andando na rua, passeando; ou pescando, sempre paralelamente. No fundo é isso: tudo é como se os homens estivessem caçando mamute, de cócoras, atrás de um arbusto.
 

ISTOÉ – A sra. acredita que isso, de alguma forma, está impresso em nossos genes?
Helen Fisher

Acho que nós temos "tendências naturais" a esses comportamentos. Existe algo chamado "natureza humana". As pessoas não levantam pela manhã e saem agindo como cães e gatos: nós agimos como seres humanos. Ou seja: nós podemos ir a um café no centro de Tóquio e flertar com as pessoas de lá. Elas vão nos entender. Isso porque fazemos parte da mesma espécie e nossos cérebros evoluíram de um modo particular. É claro que a cultura também molda raciocínios. A personalidade de cada um também ajuda nesse molde. Mas basicamente o cérebro é o mesmo na nossa espécie. Apesar disso, existem várias diferenças entre os gêneros. E o modo como cada sexo define intimidade é apenas uma das muitas diferenças. Fomos moldados pela natureza para sermos animais diferentes.
 

ISTOÉ – Mas as feministas, desde os anos 70, vêm propondo a idéia de que homens e mulheres são iguais. Essa afirmativa de igualdade está errada?
Helen Fisher

Muita gente gostaria que os sexos fossem iguais. Muitas dessas pessoas, algumas feministas, tinham boas razões para pregarem essa ideologia. Elas queriam combater discriminações e injustiças e acharam que se fossem capazes de provar que somos construídos do mesmo modo, essas discriminações ficariam expostas ainda mais. Entendo essa política, mas ela não é honesta. A verdade é que homens e mulheres têm muitas semelhanças, mas também tremendas diferenças.
 

ISTOÉ – E quais são elas?
Helen Fisher

 Vou falar de algumas diferenças clássicas, como as habilidades verbais e espaciais. As meninas falam mais cedo e com maior correção gramatical. Aos 12 anos de idade, por exemplo, são bem melhores em escrita e empregam muito mais palavras em oratória. Isso está diretamente associado com o estrogênio (grupo de hormônios sexuais que estimula caracteres femininos). Quando os níveis de estrogênio se elevam – no meio do círculo menstrual – as mulheres ficam ainda melhores em descobrir a palavra exata de modo correto e mais rapidamente. O homem e a mulher podem ter o mesmo vocabulário, mas a mulher terá mais habilidade em ir na parte correta do cérebro buscar a palavra ideal. E essa diferença ficou estabelecida em 45 estudos em distintas sociedades, com idiomas diferentes.

ISTOÉ – O que não quer dizer que a mulher seja sempre um bom papo, não é?
Helen Fisher


Absolutamente. Isso não quer dizer que aquilo que a mulher tem a dizer seja mais interessante. Vai depender do que ela esteja falando: se de corte e costura ou de filosofia oriental. Mas as mulheres de modo geral vão ser melhores com as palavras. O que eu mantenho em meu livro é que o cérebro feminino é mais bem equipado para lidar com linguagem. Nas mulheres, algumas das mais importantes áreas para lidar com a linguagem estão localizadas nos dois lados do cérebro. Nos homens isso ocorre apenas em um hemisfério cerebral. E nas mulheres, algumas dessas zonas que lidam com a linguagem estão localizadas na parte mais da frente do cérebro, e nos homens elas estão mais para trás. Isso, por exemplo, faz com que as mulheres tenham menos problemas em recuperar a linguagem depois de um derrame cerebral, por exemplo.
 

ISTOÉ – Seria por isso que os homens consideram as mulheres tão faladeiras?
Helen Fisher

Exatamente! Num estudo com 22 sociedades em todo o planeta, a conclusão foi unânime: as mulheres falam mais. E por ter um intercâmbio melhor entre os dois hemisférios cerebrais, as mulheres também têm faces mais expressivas, e são melhores em reconhecer expressões faciais nos outros. São mais capazes de reconhecer outros sinais não verbais (como postura do corpo, por exemplo). As mulheres têm melhor senso de paladar, tato, audição, vêem melhor no escuro, têm mais visão periférica, são melhores no discernimento de cores e texturas. É bom ressaltar que tudo isso é uma amostragem da média das pessoas. Não quer dizer que todas as mulheres têm essas características e batem os homens sempre em testes para verificar tais habilidades.
 

ISTOÉ – E o que sobra para os pobres homens?
Helen Fisher

Mas eles não são pobres… Os homens têm em média muito maior capacidade de percepção espacial. Por exemplo: mande um homem e uma mulher visualizar um objeto girando no espaço. Na grande maioria das vezes é o homem quem consegue melhores resultados. E isso é fundamental para vários processos de raciocínio. Só para dar um exemplo: nós provavelmente teríamos demorado muito mais para inventar ferramentas se fosse uma tarefa feminina. Foram os homens que tornaram isso possível com sua melhor percepção espacial. Ao seu modo, o homem acabou dando contribuição importantíssima ao nosso desenvolvimento.
 

ISTOÉ – Por que o homem tem melhor percepção espacial?
Helen Fisher

Provavelmente, são características adquiridas. Para caçar um mamute, por exemplo, era preciso estar atento ao espaço à volta. Portanto, ele desenvolveu essa qualidade.
 

ISTOÉ – Então a natureza não deu melhores instrumentos a um ou outro gênero?
Helen Fisher

Não. No primeiro capítulo de meu livro, mantenho que homens e mulheres literalmente pensam de modos diferentes. Eles processam informações de modos distintos. As mulheres fazem aquilo que eu chamo de "pensamento em rede". Trata-se de um pensamento contextual: coletam mais informações sobre o meio ambiente ao seu redor e assimilam tudo mais rapidamente. Elas costumam ter uma visão mais ampla da questão proposta. São muito boas em assimilar esses dados e sintetizar tudo. Por isso também são boas em tarefas múltiplas: fazem várias coisas ao mesmo tempo. É a tal história da dona de casa que embala o bebê, cozinha, fala ao telefone, dá ordens para o filho mais velho, vigia o cachorro e faz a lista de supermercado na cabeça. Isso é o que chamamos de multitarefa.

ISTOÉ – E os homens?
Helen Fisher

São mais focados. Eles compartimentam o meio ambiente e são mais propensos a fazer as coisas passo a passo. Um clássico comportamento do homem – que virou motivo de piadas em cartuns – é o do sujeito lendo jornal que não escuta nada daquilo que a mulher está lhe falando. As mulheres pensam imediatamente que o homem é grosseiro. O problema é que os homens são mais focados: quando eles lêem jornal, eles apenas lêem jornal, e fim de papo. As mulheres é que gostam de fazer tudo ao mesmo tempo. Isso foi desenvolvido desde a pré-história. Mulher é melhor em múltiplas tarefas porque ela foi programada para isso. Afinal, criar um bebê é estar constantemente ativa em vários campos. Já a maior tarefa do homem era focar naquela zebra ou mamute e matar o bicho. O homem é o caçador, ou ele presta muita atenção no animal ou o animal o come. Está provado, por exemplo, que homens notam mais pontos geográficos de referência. Esta é herança do caçador.
 

ISTOÉ – É possível verificar-se essas diferenças em termos físicos. Ou seja: o cérebro mostra sinais dessas especializações?
Helen Fisher


 Sim, para começo de conversa, a frente do córtex do cérebro, que está situado atrás de sua testa, é chamado encruzilhada da mente. Trata-se do local onde o cérebro resolve todas essas integrações de informações que vêm de outras partes. Novas descobertas dão conta das diferenças de formação entre os gêneros, naquele ponto do cérebro. Em 1997 descobriu-se que há diferenças genéticas que moldam aquela parte do cérebro de modo particular em 50% das mulheres. E outra diferença notável é que o corpus calossum – a ponte que liga os dois hemisférios do cérebro – é maior na parte posterior nas mulheres. Isso, acreditam muitos cientistas, daria às mulheres melhores conexões entre os dois hemisférios.
 

ISTOÉ – Com todas essas diferenças, quais são as conclusões a que a sra. chegou em seu livro?
Helen Fisher

Sob muitos aspectos, o mundo moderno está ficando cada vez mais contextual. Você considera a globalização, os múltiplos aspectos que envolvem a economia e os negócios hoje em dia, e a conclusão é que o mundo está cada vez mais complexo e exigindo soluções que integrem cada vez mais dados. A cultura do mundo está mudando e exigindo soluções holísticas. Assim, essa forma de "pensamento em rede", que é característica especial das mulheres, está sendo cada vez mais exigida. Na comunidade econômica internacional, as mulheres, com seu pensamento contextualizado, estão sendo mais úteis e aproveitadas.

ISTOÉ – Em outras palavras: o século XXI será das mulheres?
Helen Fisher

 De certa forma sim. Cada vez mais os postos gerenciais serão ocupados pelo sexo feminino. Aliás, nos Estados Unidos, isso já pode ser amplamente observado. As mulheres vão ocupando essas posições porque estão mais bem preparadas para cumprir as multitarefas que são exigidas nos negócios de hoje e do próximo século. Mas é bom que se diga: o comando continuará nas mãos do sexo masculino. As mulheres não são tão focadas em galgar posições de hierarquia como os homens. Os postos intermediários ficam com as mulheres e seu pensamento contextual, mas a presidência das empresas, deve continuar com os homens que, com sua visão focada, são mais bem equipados para ganhar a posição de líder.


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