Na manhã do dia da premiação da 41ª edição do Grammy – definido como o Oscar da música –, Giberto Gil caminhava pela região do Pelourinho, em Salvador, e não se cansou de abrir seu sorriso largo a cada manifestação de carinho das pessoas que por ele passavam. "Ei Gil, é hoje à noite, estaremos torcendo", diziam. A torcida positiva se confirmou. Algumas horas depois, o compositor e cantor baiano recebia com sua habitual confiança no viver a notícia de que seu disco Quanta gente veio ver – versão ao vivo do conceitual CD Quanta – havia sido premiado com o Grammy de melhor álbum na categoria world music. Esta é a 14ª vez que o Brasil se inscreve na história do prêmio, que já incluiu no time gente como o violonista Laurindo de Almeida, João Gilberto, Tom Jobim e Roberto Carlos. "É a acumulação de um reconhecimento histórico", disse Gil a ISTOÉ, por telefone, de sua casa em Salvador, onde passou a quinta-feira 25, com paciência zen, concedendo dezenas de entrevistas. A festa pop consagrou as mulheres como grandes vencedoras nas principais categorias. Lauryn Hill levou cinco estatuetas e Madonna e Celine Dion saíram com quatro.

Apesar da consagração, nem tanto pela importância, já que, como o próprio Gil define, world music é um segmento periférico do Grammy, o prêmio vem jogar um pouco mais de purpurina no astral do brasileiro. Afinal, Gil no Grammy e Central do Brasil e Fernanda Montenegro indicados ao Oscar são ótimos motivos para aumentar a auto-estima tupiniquim. "O Brasil é uma nação adolescente. É importante ter luzes neste espaço internacional privilegiado", analisa o compositor. "Nenhum país faz tanta questão de ganhar a Copa do Mundo como nós. Situações como esta eu comparo àquela em que o menino traz orgulhoso seu boletim escolar. É uma atribuição de méritos." Na sabatina pública, Gilberto Gil seguiu de perto Milton Nascimento, que no ano passado venceu na mesma categoria com o álbum Nascimento. "De qualquer forma é bom para o Brasil. Não importa se somos apresentados no telão paralelo, já que para eles o que interessa é Madonna, Michael Jackson. Daqui a alguns anos, quando nós pesarmos na contabilidade deles, a coisa mudará de figura."

A lucidez do homem de 56 anos não chega a ser novidade. Gil sempre foi o menos inflamado dos tropicalistas. Ainda mais agora, que voltou à dieta macrobiótica depois de anos, desde que a adotou radicalmente e a abandonou entre as décadas de 70 e 80. Seis quilos mais magro, desintoxicado pelo rigor do arroz integral e sem fumar, Gil repete mais uma fase zen na sua vida. O repúdio ao fumo, por sinal, veio a conselho de Steve Wonder. Quando o cantor americano esteve no Brasil, há três anos, Gil o convidou para um jantar na sua casa, no Rio de Janeiro. Os dois conversavam e assim que o brasileiro acendeu um cigarro, Wonder – que para quem não sabe é cego –, logo perguntou: "Quem está fumando?" Sem graça, Gil se acusou dizendo que fumava pouco. "Pois você não deve fumar nada", determinou Wonder. "E eu obedeci. Depois de três meses estava me sentindo bem melhor."

Ficar longe dos cigarros foi uma decisão que, para o bem, coincidiu com o pequeno problema que Gil vem enfrentando. "Por abuso e mau uso da voz, criei um pólipo, vulgarmente chamado de calo, na corda vocal direita", conta ele. O baiano já estava com operação marcada para o último dia 5 de janeiro. Mas cancelou a cirurgia depois que uma fã americana, via Internet, sabendo da questão, lhe escreveu um e-mail imenso tentando dissuadi-lo da idéia. "Ela me dizia, ‘não faça isso, Julie Andrews se operou e perdeu a capacidade vocal’. Daí resolvi seguir o conselho." Assim, estão adiados os planos de Gilberto Gil de entrar em estúdio para gravar um disco só com canções de Bob Marley. Mas só em estúdio, porque neste ano ele ainda quer fazer muitos shows mostrando ao público que, a exemplo da sua composição, sua alma continua cheirando a talco, como bumbum de bebê.

 

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Brasil exportação

A música popular brasileira anda mesmo em alta. Vários críticos do jornal The New York Times alinharam entre os melhores discos pop do ano passado os álbuns Livro, de Caetano Veloso, Alfagamabetizado e Omelete man, de Carlinhos Brown, e Fabrication defect, de Tom Zé. A revista Rolling Stone também se rendeu ao estilo de Tom Zé, dando-lhe a cotação excelente ao seu CD que deve ser lançado no Brasil em abril. A mesma publicação não deixou de incensar o trabalho de estréia da cantora baiana Virgínia Rodrigues, Sol negro, sério concorrente à indicação ao Grammy do ano 2000. Não só a crítica, contudo, vem enxergando maravilhas nos ritmos pátrios. Constantemente lembrados por artistas estrangeiros badalados, nomes de peso da MPB viraram referências no universo das novas tendências sonoras. A cantora islandesa Björk, por exemplo, fã de carteirinha de Elis Regina e Milton Nascimento, sempre convida o maestro Eumir Deodato para dar um toque orquestral em suas canções estranhas. O que dizer então do cantor cult sueco Jay Jay Johanson, espécie de Frank Sinatra da música eletrônica, que usou elementos de Sonho, de Taiguara, na música A letter do Lulu-Mae? Ainda bem que eles não deram ouvidos à axé music, ao pagode glitter, ao sertanejo pop…

Ivan Claudio


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