Mas naquele dia ele acordou diferente. 

Olhou novamente ao seu redor e reforçou o que havia aprendido durante os muitos anos de escalada: "O meu objetivo é chegar ao topo. E aqui estou!". Mas hoje sentiu que isso não lhe entusiasmou. 
 
Então tirou seu diário e abriu na primeira página. Aquela, que havia escrito no dia em que decidiu escalar esta montanha. E lá estavam suas primeiras palavras: "Não tem nada mais que queira neste mundo do que escalar esta montanha. Tenho a coragem, força e determinação e sei que vou conquistar seu pico".
 
Lembrou-se dos anos de preparo, dos sacrifícios sem fim e do quanto deixara pra trás, só para seguir a trilha que o levou ao topo. Lembrou-se também de todo apoio pessoal e profissional que teve. Dos e-mails que o motivavam e inspiravam cada vez que chegava a uma etapa da trilha. Tudo indicava que esse não só era o caminho certo, mas o único caminho. 
 
Só que nem isso o animou. 
 
Foi aí que a ficha caiu. Estar no topo desta montanha não era realmente o que queria mais de sua vida. Aliás, não sabia nem por que estava aqui. E agora? 
 
Passou três dias meditando e pensando a fundo se era isso o que realmente queria. Pensou também na consequência de sua decisão. O que iria dizer aos amigos, à família? Será que eles seriam compreensivos?  
 
E foi aí que teve uma ideia. Escreveu um email para Pedro, seu melhor amigo, dizendo que embora tivesse realizado algo que poucos haviam conseguido e muitos gostariam de realizar, ele havia chegado à conclusão de que não queria mais ficar no topo da montanha. Ele ainda não sabia para onde queria ir. Agora mesmo queria era só descer. Tinha certeza que Pedro, escritor e um cara de "mente aberta", iria entender o que estava sentindo.
 
Em menos de 5 minutos veio a resposta: "Márcio, meu amigo, você está precisando tirar férias! Eu sei que a trilha que o levou até o topo foi cansativa, e você mesmo disse que era importante ter equilíbrio na vida. Mas daí a querer descer da montanha? Isso é loucura! Sabe o que todos aqui em baixo pensarão de você? As coisas aqui embaixo não tão fáceis. E depois que descer, o que vai fazer da vida? Logo você, que está com ela ganha? Ainda bem que me escreveu, ou ia cometer uma besteira enorme. Tira uns dias e me escreve depois, ok? Abs, Pedro"
 
Márcio decidiu seguir o conselho do amigo e descansou por uma semana. Mas de nada adiantou, pois para todo lado que olhava, a vista lá de cima era a mesma. 
 
Ele passou a ter certeza de que queria descer. 
 
Não lhe importava que fosse um dos poucos "sortudos" que conseguiu chegar aonde chegou depois de dez anos de muito trabalho na trilha. Não se importava o que seus amigos iriam pensar ou dizer. Nem mesmo o que iria acontecer quando chegasse lá embaixo. E se não gostasse lá de baixo, encontraria outra trilha e outra montanha. Afinal, quem escalou uma vez escala de novo. 
 
Ao raiar do dia da manhã seguinte, preparou sua mochila para a descida, vestiu suas botas e foi fazer café. 
 
Sentado em uma pedra, abriu sua agenda e escreveu:  
 
“Às vezes precisamos de mais coragem para descer a montanha do que pra subir”