"Albina, nem precisa trocar de roupa.” Foi assim que a doméstica carioca Albina Costa, 52 anos, foi recebida pelo patrão quando chegou para trabalhar na segunda-feira 1º, às 8h, como sempre fazia nos últimos oito anos. Na sequência, ele explicou: “Não posso mais te pagar por causa dessa nova lei.” Durante quase uma década, a profissional – que recebia R$ 802 e tinha carteira assinada – manteve a rotina de pegar ônibus e metrô de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, até o Flamengo, na zona sul. Cozinhava, lavava a roupa, arrumava a casa de quatro quartos e, às 15h, com o dever cumprido, fazia o percurso de volta. Agora, desempregada, se divide entre dois sentimentos: de um lado, acha que a chamada PEC das Domésticas, que estende à categoria os mesmos direitos já concedidos às outras desde a Constituição de 1988, trará benefícios. De outro, teme uma onda de dispensas, com razão. “A gente estima que o aumento de demissões chegou a 60% nessa primeira semana de lei”, afirma Luiza Batista Faria, presidente do Sindicato dos Empregados Domésticos de Pernambuco.

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Os números de Pernambuco impressionam: “Antes, fazíamos, no máximo, dez homologações diárias no sindicato. Nessa primeira semana em que a lei está valendo, chegamos a ter 25 rescisões de contrato num único dia”, afirma Luiza. Como a grande maioria das demissões de domésticas não passa pela entidade de classe, é impossível, neste momento, ter um número preciso da realidade nacional. Mas todos os sindicatos consultados pela reportagem de ISTOÉ acusam queda de empregos domésticos. “O normal eram duas, três dispensas por mês. Nos últimos 15 dias, foram dez”, atesta Neuza Alves Garcia de Almeida, presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Niterói, na região metropolitana do Rio. Em São Paulo, de cada dez empregadas que procuraram o sindicato regional na semana passada, duas tinham sido dispensadas. “Em dois ou três meses poderemos saber se a nova lei causou muito prejuízo ao segmento de empregados domésticos”, avalia Fernando Holanda Barbosa Filho, pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas. “Mas, com certeza, deve ocasionar mais informalidade.”

A desorientação e falta de entendimento por parte das famílias empregadoras repercute nos vários sindicatos dos empregadores domésticos. Em São Paulo, segundo a presidenta Margareth Galvão Carbinato, o número de atendimentos para informações pulou de dez para 50 por dia. “As patroas estão apavoradas”, diz ela. No Rio, saltou de 15 para uma média de 60. A advogada Evelyn Rosenzweig passou da fase do impacto para a ação. Fez os cálculos e decidiu dispensar o motorista. “A conta ficou alta para a família com a incorporação das horas extras”, justifica ela, que pagava R$ 1,7 mil por mês, mais benefícios. Se continuasse com o empregado, brevemente teria que fazer o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pagar adicional noturno e horas extras e indenização de 40% sobre o saldo do fundo em caso de dispensa sem justa causa. Agora, para o custo não pesar tanto no bolso dos empregadores, o Congresso discute como desonerá-los (leia quadro).

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"A conta ficou alta com a incorporação das horas extras"
Evelyn Rosenzweig, que demitiu o motorista e agora dirige o próprio carro

Para especialistas, a situação dos cuidadores de idosos é uma das mais complexas. De um lado, estão pessoas doentes e que vivem de aposentadoria. De outro, profissionais que trabalham 48 horas com 24 horas de descanso. “É a área mais delicada”, analisa o professor Claudio Considera, do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). O aposentado Clemente Augusto Alves, 76 anos, sabe disso. “Minha ‘maravilhosa loura linda’ – que é como ele chama a esposa, de 74, que tem Alzheimer – precisa de duas cuidadoras, que fazem rodízio. Como vou arcar com os custos novos? Como vou pagar 40% de multa se tiver que demitir?”, indaga.

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O que pode parecer problema individual é, na verdade, nacional, uma vez que o Brasil terá a sexta maior população mundial de idosos em 2025. “A lei não levou isso em consideração. Não podia ser dessa maneira, tinha que ser feita com mais cuidado e com o olhar voltado para o futuro. É apavorante”, afirma Maria Aparecida Guimarães, presidente da Associação de Parentes e Amigos de Pessoas com Alzheimer, Doenças Similares e Idosos Dependentes (Apaz). De fato, as clínicas e casas de repouso já acusam um aumento de 50% na procura por vagas, o que mostra a intenção de familiares de transferir seus pais e avós para um asilo. “Desde a PEC, foi um estouro de telefonemas. Em números gerais, pode-se dizer que o aumento da procura foi de 50%”, disse Valdemir Lopes, diretor-executivo da Associação Brasileira das Casas de Repouso (Abracari). Esta é a nova realidade do Brasil.

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Colaborou Natália Mestre


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