A partir do momento que Sigmund Freud (1856-1939) definiu que os sonhos ocultam os verdadeiros desejos, os psicanalistas lidam com um obstáculo difícil de contornar: dependem dos relatos dos pacientes para ter acesso aos seus devaneios noturnos. Esses sonhos contados são distorcidos pela censura dos próprios narradores, o que atrasa ou inviabiliza o objetivo da análise. A ciência acaba de dar um passo gigante para pôr fim a esse intermediário entre o mundo onírico e os psicanalistas. Liderada por Tomoyasu Horikawa, do Instituto Internacional de Pesquisa Avançada em Telecomunicações, no Japão, uma equipe de pesquisadores desenvolveu uma maneira de adivinhar o sonho de voluntários analisando padrões de atividade neural.

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O processo de desenvolvimento foi rigoroso e detalhista. Voluntários foram submetidos a diversas sessões de sono enquanto a atividade elétrica de seus cérebros era monitorada por um aparelho de eletroencefalograma (EEG). Na medida em que os pacientes começavam a entrar em um estágio de sono, os pesquisadores visualizavam sinais sugerindo a presença de alucinações. Então os voluntários eram acordados e diziam quais imagens haviam visto. Depois de coletar cerca de 200 relatos de cada paciente, os pesquisadores extraíram elementos visuais que se repetiram, como “árvore” ou “homem”, e agruparam esses termos em 20 categorias.

Por fim, selecionaram fotos que correspondiam a cada uma delas e gravaram, usando ressonância magnética funcional, a atividade cerebral dos participantes enquanto eles visualizavam essas imagens. Um computador processou as informações e passou a associar padrões de atividade cerebral a diferentes tipos de imagem. Os voluntários foram submetidos a uma nova rodada de soneca, e os pesquisadores conseguiram acertar o que eles estavam visualizando em 60% das vezes. É um começo animador, mas ainda estamos distantes de uma máquina capaz de decodificar os pensamentos de qualquer indivíduo. “Há diferenças genéticas e estruturais, além de divergências nas experiências de cada um”, afirma o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em entrevista à IstoÉ.

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A pesquisa japonesa tem outro mérito: comprova que os sonhos são formulados durante o sono. Na comunidade científica, há pesquisadores que acreditam que o sonho não existe, mas é construído depois que a pessoa acorda e “resgata” imagens armazenadas. “Essa pesquisa é, provavelmente, a primeira demonstração real das bases cerebrais dos sonhos”, disse o neurocientista Robert Stickgold, da Universidade de Harvard, em entrevista à revista “Science”, onde o estudo foi publicado. No futuro, esse conhecimento pode evoluir para aplicações práticas, como terapias contra estresse pós-traumático por meio da análise de pesadelos ou técnicas para ajudar estudantes com dificuldades. E a expressão “aprenda dormindo” ganhará um novo significado.

Fotos: Alfred Pasieka; Hank Grebe