De longe, o cenário é bonito. Fileiras de árvores altas e frondosas quebram a monotonia do relevo no Pampa Gaúcho. Pontilham de verde uma região historicamente dominada por vegetação baixa e campos planos. Esse ambiente colabora com o sucesso da pecuária local desde o século 16, quando os jesuítas levaram os primeiros rebanhos para o Sul. Essa falta de matas densas e fechadas fez muita gente acreditar que a região abrigava pouca variedade biológica. Recém-publicado, um levantamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostra que mais de 2.100 espécies – 990 exclusivas – fazem companhia aos bois, tropeiros e capim que dão fama à região. E é a sobrevivência de parte dessas espécies que as florestas artificiais põem em risco.

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ESPÉCIES INVASORAS
Gaúchos passam por floresta artificial cuja
sombra dizima a vegetação original

Os números apresentados na pesquisa puxam o Pampa para a frente da fila dos biomas nacionais a serem preservados. Na comparação com similares nacionais, a região perde na variedade, mas ganha na concentração. Ocupa 176 mil km², dos quais apenas 36% ainda estão cobertos pela vegetação original e onde estão as 2.169 espécies mapeadas pela UFRGS. No Cerrado, por exemplo, o número de espécies chega a 7 mil, mas elas se espalham por uma área de 3 milhões de km². “No Sul, é possível encontrar 40 plantas diferentes convivendo em apenas 1 m². A importância da conservação disso é tão importante quanto à da Amazônia. É somente menos divulgada”, diz a professora Ilsi Boldrini, que coordenou o levantamento.

A falta de divulgação incentivou a indústria de papel e celulose a despejar sementes pelo Pampa. Sob a sombra de eucaliptos e pinheiros, as plantas nativas foram as primeiras a perecer. Como são espécies de campo aberto, a manutenção de sua vida depende de uma oferta generosa de luz solar. Para piorar, depois que parte dessas florestas artificiais é derrubada, espécies invasoras, como o capim-annoni, tomam conta do lugar. Apesar do nome, nem o gado aprecia essa praga. Esse quadro ajuda a colocar a região como o segundo bioma mais devastado do País, atrás apenas da Mata Atlântica. As florestas artificiais colaboram, mas não são as únicas vilãs na história. A agricultura é o mais antigo e eficaz exterminador de espécies no Pampa. Boa parte da região hoje ocupada pelas árvores gigantes da indústria de celulose já foi terreno sobre o qual se plantou soja ou trigo. “As áreas usadas já haviam sido convertidas para agricultura ou pecuária”, diz Jefferson Garcia, engenheiro florestal e consultor da STCP Engenharia.

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O avanço das florestas artificiais é um fenômeno que une países desenvolvidos e em desenvolvimento. “Algumas matas dos Estados Unidos e do Canadá foram transformadas em monocultivos, diferentes da floresta heterogênea nativa”, lembra Graciela de Muniz, professora de engenharia e tecnologia florestal da Universidade Federal do Paraná. Pode ser um caminho sem volta. Resgatar a paisagem original é um longo exercício de arqueologia ambiental sem garantia de recuperar toda a variedade de espécies do lugar. É esse o risco que graxains, corujas-buraqueiras, cágados-de-barbicha e outros bichos que chamam o Pampa de lar não querem correr.

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Fotos: Divulgação


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