Nos anos 1970, a escritora brasileira Hilda Hilst gravava sinais de rádio buscando se comunicar com amigos falecidos. Ela escolhia um espaço “vazio” entre duas estações de rádio e registrava em fita o chiado eletromagnético. Chamado de “ruído branco”, esse chiado seria para a escritora o meio que os espíritos utilizariam para entrar em contato com o nosso mundo. Em 2009, os artistas Gabriela Greeb e Mario Ramiro criaram para o projeto “Ao Redor de 4’33”, da 7a Bienal do Mercosul, a obra sonora “Rede Telefonia”, uma edição de 4 minutos e 33 segundos de trechos da escuta de Hilda Hilst. Ao jogar um foco de luz sobre os espaços intermediários e escondidos nos processos de comunicação, o trabalho inspirou o título e a conceituação da mostra coletiva “Ruído Branco”, que acontece na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo. Na exposição, o trabalho dialoga com obras de outros artistas brasileiros e estrangeiros e com três importantes instalações de Bill Lundberg, em torno das quais a exposição foi estruturada.

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RUÍDO BRANCO
Intervenção de Rodrigo Bueno, na Phosphorus (acima),
e Hilda Hilst em escuta de sinais de rádio (abaixo)

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As três videoinstalações do artista americano Bill Lundberg, realizadas nos anos 1970 e nos anos 2000, enfatizam as ideias que não podem ser transmitidas por palavras ou por processos tradicionais de comunicação. Em uma delas, “Anna Freud” (2007), Lundberg escreve uma carta, tentando agendar um encontro com a psicanalista Anna Freud, anos depois de sua morte. Em outra, “Ceia Silenciosa” (1975), o espectador é convidado a sentar-se em uma mesa e acompanhar o vídeo de uma refeição compartilhada por pessoas que não estão mais ali.

O “ruído branco” está presente em todas as obras da exposição, produzindo uma aproximação orgânica entre todas elas, na medida em que apresentam a arte e o artista como mediadores de processos não convencionais de comunicação. O mesmo conceito pode ser transportado para outra exposição, em cartaz na Phosphorus, espaço artístico inaugurado há um ano no centro velho de São Paulo pela curadora Maria Montero e a estilista Silvana Mello.

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CONTATO
Videoinstalação "Anna Freud", de Bill Lundberg, aborda
comunicação do artista com a psicanalista

Na Phosphorus, a mostra “Soma Não-Zero” reúne dez artistas em torno das ideias de cooperação, diversão, fraternidade e compartilhamento. “Buscamos uma dinâmica lúdica, que vai contra o sentido de dominação e verticalização das trocas do tipo ganhar-perder”, explica a curadora Maria Montero. A mostra se estrutura a partir da união de forças entre a Phosphorus e Jaqueline Martins: participam da curadoria de Maria alguns dos artistas atuantes nos anos 1970, que vêm sendo “redescobertos” por Jaqueline. Entre eles a alagoana Martha Araújo, que trabalha com performance, e Daniel Santiago, pioneiro do vídeo em Pernambuco. “Jaqueline Martins promove o resgate de artistas cruciais, que fizeram a história da arte do Brasil, mas tiveram seus papéis obscurecidos pelas narrativas vigentes da própria história”, diz Maria.

Na semana da SP-Arte e de inaugurações tão glamourosas como a exposição assinada pelo top curador Hans Ulrich Obrist na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, o “ruído branco” provocado pela abertura das mostras da Phosphorus e da Jaqueline Martins indicam novas sintonias e frequências: importante interstício no circuito de arte brasileiro. Um barulhinho realmente bom.

Fotos: Divulgação; Bill Lundberg; Maria Montero