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Os lances finais para a escolha do mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal estão fazendo o meio político em Brasília trepidar. As conversas, negociações e tratativas tiveram início discreto há cinco meses, quando Carlos Ayres Britto se aposentou. Nas últimas semanas, contudo, a disputa envolveu um número inédito de candidatos e pré-candidatos – o total passou de 30 nomes – e foi embalada por uma lamentável guerra de dossiês e acusações de bastidor, mensagens cifradas em artigos de imprensa e articulações de vulto envolvendo autoridades do governo. A razão principal para tamanha movimentação e interesse é fácil de entender. O próximo ministro assumirá o papel de homem-chave do Supremo: além de relatar o processo contra o deputado tucano Eduardo Azeredo (MG), conhecido como mensalão mineiro, ele terá condições de produzir mudanças notáveis no julgamento do mensalão do PT. Dependendo de sua atuação, as penas de regime fechado aplicadas ao ex-ministro José Dirceu e a outros mensaleiros poderam até ser revertidas. Daí a importância da composição de seu perfil na hora da escolha.

Na fase de recursos do mensalão, que iniciará quando todos os ministros apresentarem seus votos por escrito, os condenados terão a última chance de tentar rever algumas sentenças aprovadas por margem apertada. O nome a ser indicado por Dilma Rousseff, que deve ser sabatinado e aprovado pelo Senado antes de tomar assento no tribunal, herdará, automaticamente, a atribuição de julgar e relatar os embargos declaratórios – que haviam sido entregues a Ayres Britto –, dando início à primeira etapa na apreciação de recursos. Nesta fase do julgamento, também será possível conhecer a posição de Teori Zavaski, ministro recém-chegado ao STF, mas que até agora não se pronunciou sobre o mensalão.

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PERFIL
PT quer um "novo" Ricardo Lewandowski
para reforçar contraponto a Joaquim Barbosa

Entre os réus, os casos de maior impacto envolvem o ex-ministro José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha. Os dois foram condenados no Supremo por vários crimes acumulados e num deles, “formação de quadrilha”, o placar ficou em 5 votos a 4. Se tiverem um voto favorável e a acusação não receber nenhum voto a mais, o placar empata em 5 a 5, o que equivale à absolvição. Caso isso venha a acontecer, as penas recebidas por Dirceu e João Paulo Cunha sofrerão uma redução drástica. Hoje obrigados a cumprir um sexto das condenações em regime fechado, eufemismo para designar que ficarão dentro da cela de uma cadeia, terão direito a regime semiaberto – aquele em que a pessoa tem de dormir na prisão. Outro debate envolve a perda de mandato de quatro parlamentares condenados. Também por 5 votos a 4, o STF decidiu que deveria cassá-los, deixando para o Congresso a obrigação de apenas referendar essa decisão. Mas, em sentença escrita, em caso que julgou antes de chegar ao Supremo, Teori Zavaski escreveu que a perda de mandato é prerrogativa dos parlamentares, o que sugere que pode manter a mesma opinião no STF.

Essas brechas num julgamento tão desfavorável ao governo e a seus aliados têm levado o Planalto a agir com cautela redobrada. Quer se evitar escolhas prejudiciais aos pontos de vista do governo, como aconteceu com a indicação de Luiz Fux, que deixou seus interlocutores palacianos convencidos de que ele acreditava na inocência dos acusados do mensalão – e fez exatamente o contrário depois da nomeação. O PT também se movimenta para emplacar um nome mais alinhado com os pensamentos do ministro Ricardo Lewandowski, que hoje encarna o principal contraponto ao presidente do tribunal, Joaquim Barbosa.

Ciente dos interesses que envolvem a escolha do novo ministro, Dilma tem evitado comentar o assunto. Apenas a pessoas de seu estrito círculo de confiança, transmite suas impressões sobre os aspirantes à vaga.

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Nos últimos dias, um nome já bastante comentado nos bastidores de Brasília voltou a despontar como favorito no PT. Conforme apurou ISTOÉ, na noite da quinta-feira 4, um ex-ministro de Lula recebeu uma mensagem de celular informando que era preciso estudar “direito tributário.” Era uma forma bem-humorada de confirmar que o professor Heleno Torres, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tornou a estar cotadíssimo para a indicação. Mas a disputa, até o anúncio oficial pelo Planalto, está sujeita a novas reviravoltas, como a que já envolveu a própria indicação de Torres.

O tributarista Heleno Torres entrou na corrida pelas mãos de Luis Inácio Adams, o advogado-geral da União que era um excelente cabo eleitoral, antes que seus auxiliares fossem acusados pela Operação Porto Seguro. Com o tempo, ele acumulou apoios importantes. Em Porto Alegre, recebeu o aval do governador Tarso Genro e de Carlos Araújo, advogado, ex-marido e conselheiro de Dilma Rousseff. No ABC paulista, ganhou a bênção do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, também avaliza o professor paulista. A candidatura de Torres, no entanto, só ganhou peso real quando se soube do apoio de Ricardo Lewandowski, o ministro do Supremo que desperta no Planalto admiração e respeito no mesmo grau que as lideranças da oposição devotam a Joaquim Barbosa e Ayres Britto. Convencido de que o novo ministro poderia ajudar a retirar Lewandowski de uma posição de isolamento, o governo passou a considerar que Torres seria realmente a melhor opção. As coisas pareciam bem encaminhadas, até que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mestre de cerimônia das indicações, e Ideli Salvatti, ministra das Relações Institucionais, receberam um pequeno dossiê contra a candidatura. Os papéis acusavam Torres de ter cometido cinco plágios em obras acadêmicas. Eram afirmações inconclusivas, que tanto podem ter fundamento real como apenas ilustrar a guerra civil por títulos acadêmicos nas universidades brasileiras. Os aliados de Torres atribuem a iniciativa a outro concorrente, Humberto Ávila, advogado gaúcho que é amigo de Gilmar Mendes, um dos principais adversários de Lewandowski no STF. Ávila, porém, nega toda e qualquer participação no caso.

O dossiê contra Heleno Torres causou um estrago. E, embora não tenha sido capaz de apeá-lo da disputa, esquentou a competição, dando início a um novo desfile de candidaturas. Ávila tem feito campanha participando de eventos políticos e percorrendo gabinetes de senadores e ministros. O próprio Torres, ainda em alta no PT, reuniu-se somente com seis senadores para pedir apoio. Em 5 de março, foi aos gabinetes de Eduardo Braga, Wellington Dias e Humberto Costa.

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FAVORITOS
Heleno Torres (à dir.) é o mais cotado para assumir
a vaga. Humberto Ávila (à esq.) corre por fora

As bancadas também indicaram seus nomes. Pelo Espírito Santo, apresentou-se Pedro Valls Feu Rosa, presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Eugênio Aragão, subprocurador, foi lançado por parlamentares do PT. Lenio Streck, procurador no Rio Grande do Sul, autor de artigos críticos sobre o julgamento, esteve em Brasília e foi recebido em gabinetes do STF. O lobby pela vaga corre solto. Só José Eduardo Cardozo recebeu, nas últimas semanas, 18 candidatos. Entre eles, Feu Rosa. Para a professora Margarida Lacombe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois do mensalão a população está concedendo muito crédito ao STF, e lhe dá legitimidade. “Essa presença de tantos candidatos não tem viés partidário, mas pessoal. Juristas querem poder,” diz ela. Há outro fator. A escolha de um integrante da mais alta corte de Justiça do País deveria envolver um debate sobre as ideias de cada candidato, sua visão de mundo e concepções de direito. A experiência de vários países ensina que a seleção de ministro não é um concurso público, mas um processo político. Isso explica por que cabe à Presidência indicar os ministros e ao Senado aprovar (ou não) sua escolha. O processo da escolha do novo ministro do Supremo mostra como o País está longe de enfrentar esse debate.