Demorou, mas, na terça-feira 2 o Brasil finalmente promulgou a primeira lei criada exclusivamente para regular crimes digitais. Sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei 12.737 acabou conhecida como Lei Carolina Dieckmann, nome dado em referência ao caso da atriz, que teve seu computador invadido e imagens de sua intimidade espalhadas pela internet. “Pode parecer estranho, mas até a publicação da Lei 12.737, invadir dispositivos informáticos no Brasil não era crime”, afirma o advogado Renato Opice Blum, uma das maiores autoridades em direito digital do País. Casos como o de Carolina eram decididos com adaptações de artigos que já constavam no Código Penal brasileiro. Com a nova legislação, que criminaliza a invasão de dispositivos informáticos (leia quadro ao lado), a esperança é que a Justiça, munida de instrumentos próprios para esse tipo de situação, seja mais ágil. “Na prática, porém, teremos algumas dificuldades para tornar essa lei efetiva”, diz Opice Blum.

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VÍTIMA
Fotos roubadas de Carolina Dieckmann nua foram parar na internet

A começar pelo próprio texto, que, segundo especialistas, está excessivamente ambíguo. Quando o legislador fala em “dispositivos informáticos”, “mecanismos de segurança” e “obtenção de dados”, por exemplo, os limites pouco claros do que cada conceito representa podem dar margem a interpretações oportunistas (leia quadro abaixo). Embora o esforço de se fazer uma lei mais genérica seja louvável – quanto mais ampla a legislação, mais aplicável ela é –, lacunas em partes fundamentais podem ser problemáticas. “As especificidades terão de ser definidas pelos juízes nas primeiras decisões”, diz Leandro Bissoli, advogado especializado em direito digital do escritório Patrícia Peck Pinheiro. Será uma lei, portanto, que dependerá de jurisprudências para funcionar plenamente.

Mas não é só a redação que preocupa. A natureza branda das penas impostas apresenta mais problemas. Segundo estimativas de Opice Blum, nos casos em que o acusado é réu primário, boa parte das punições poderá ser convertida em pagamento de cestas básicas. E isso pode criar uma situação inusitada – por instituir uma pena branda demais, a nova lei pode estimular o delito, em vez de coibi-lo. “Tem muito computador por aí com informação que vale muito mais do que uma cesta básica”, diz Opice Blum. Aos criminosos, cometer o delito, ser pego e ter de pagar pelo crime de invasão pode compensar. “Isso se o sujeito for pego, identificado e julgado a tempo”, afirma o advogado. Como as penas para o crime digital são pequenas, eles prescrevem rapidamente, inviabilizando a punição.

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NEM MICHELLE SE SALVA
Dados de dois cartões de crédito da primeira dama dos EUA foram hackeados

A Lei 12.737, portanto, irá requerer uma apuração veloz para funcionar. E isso expõe um dos maiores entraves para seu sucesso: a falta de estrutura para apurar esse tipo de crime. Embora conte com alguns centros de excelência em perícia digital, o Brasil ainda carece de um corpo representativo de profissionais treinados para lidar com esses delitos. Hoje, por exemplo, quem busca a polícia para registrar um boletim desse tipo de ocorrência, pode esperar até três meses para ter seu equipamento periciado. “Os rastros do crime digital são frágeis”, alerta Bissoli. “Sem uma perícia competente e rápida, pouco se salva. E a lei, por mais bem intencionada que seja, perde a função.”

Nos Estados Unidos (EUA) e em países da Europa, além de leis muito mais duras – nos EUA, por exemplo, em casos de invasão as penas começam em dez anos –, há um grande investimento em infraestrutura para apurar o crime digital. Mas, se até a primeira-dama, Michelle Obama, teve dados de seus cartões de crédito hackeados (em meados de março), é evidente que ainda há muito o que ser feito para que a internet se torne um ambiente seguro. A Lei Carolina Dieckmann é um marco importante nesse sentido no Brasil, mas, sem investimento e leis complementares, o caminho que ela abre pode se fechar rapidamente.

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Fotos: Nana Moraes/DIVULGAÇÃO e Chuck Kennedy/Official White House Photo