Algum barulho já era esperado. Mas ninguém imaginava que fosse ser tão estridente. Poucas horas depois do sequestro e da prisão do líder rebelde curdo Abdullah Öcalan, realizada em Nairóbi (Quênia), na segunda-feira 15, milhares de imigrantes curdos deram início a uma gigantesca onda de protestos na Europa, que incluiu a ocupação de pelo menos 23 representações diplomáticas. Em plena Berlim, três manifestantes morreram e 16 ficaram feridos quando seguranças israelenses dispararam contra um grupo que tentava invadir sua embaixada. Numa das formas mais dramáticas de protesto, cinco pessoas se auto-imolaram em chamas. Em consequência da captura de Öcalan, que estava escondido na embaixada da Grécia em Nairóbi, três ministros gregos foram forçados a renunciar. "O governo americano diz que Öcalan é um terrorista. Mas minha família também sofre a mesma acusação só pelo fato de ser curda", protestou Amin Aram, um dos curdos exilados em Berlim.

Uma das principais razões de tanto esperneio foi a forma nebulosa com que foi feita a captura de Öcalan, 50 anos, conhecido como Apo (tio). Ele era o procurado número 1 da Turquia, onde é acusado de traição e assassinato por incitar a rebelião curda contra o governo, que em 14 anos já matou mais de 30 mil pessoas. Aparentemente, a CIA e o Mossad (serviço secreto israelense) contribuíram de maneira decisiva para que um comando turco formado por seis agentes sequestrassem o líder curdo na capital queniana e o levassem de volta a seu país, depois de 20 anos de exílio. Os agentes turcos fizeram questão de humilhar o líder separatista. Num vídeo liberado pelo governo, Öcalan aparece no jatinho que o levou à Turquia algemado, com os olhos vendados, pedindo para não ser torturado e declarando que "amava a Turquia". Depois, foi fotografado na prisão tendo a bandeira turca como pano de fundo.

De 1979 até o ano passado, Öcalan viveu em segurança na Síria. Mas teve de deixar o país depois que a Turquia ameaçou Damasco com um ataque. Em busca de um novo asilo, ele passou rapidamente por Moscou e permaneceu dois meses em Roma, de onde "saiu voluntariamente" a pedido do governo italiano. Acabou viajando num jato particular para o Quênia, depois de parar para reabastecer na Grécia, país inimigo da Turquia. Ele chegou na capital Nairóbi no dia 2 de fevereiro e ficou refugiado na embaixada grega, com a intenção de aguardar até que algum país africano lhe concedesse asilo. Numa operação ainda não completamente esclarecida, os agentes turcos teriam voado num jato particular até Nairóbi, seguindo uma dica do Mossad e da CIA, que teriam descoberto a localização do rebelde por meio de suas chamadas de telefone celular.

As versões para o que aconteceu em seguida são conflitantes. A holandesa Britta Boehler, advogada de Öcalan, sustenta que seu cliente foi enganado pelos gregos. "O chanceler grego prometeu que a Grécia ficaria responsável por sua proteção", disse Britta. "Mas parece que isso era apenas uma forma de encobrir o sequestro." Segundo ela, Theodoros Pangalos – o chanceler que três dias depois renunciaria ao cargo por causa do episódio – ligou para Öcalan na noite de segunda-feira dizendo que ele tinha uma hora para deixar a embaixada e pegar um avião para a Holanda, antes que agentes quenianos invadissem o complexo grego para capturá-lo. A advogada conta que quenianos entraram na embaixada, forçaram Öcalan a entrar num carro e ele foi levado para o aeroporto, onde os agentes turcos o aguardavam.

Os gregos contam outra história. "Apesar da nossa advertência, Öcalan decidiu ir para o aeroporto com policiais quenianos", afirmou Pangalos. Num jogo de empurra-empurra, os quenianos declaram que a única coisa que fizeram foi ordenar que Öcalan deixasse o país. Eles teriam conduzido o curdo para o aeroporto, mas não teriam participado de uma conspiração para sua captura (o responsável da Imigração, Frank Kwinga, foi demitido por ter dito exatamente o contrário). Segundo essa versão, o carro que levava Öcalan teria sido interceptado pelo comando turco. Os exilados curdos na Europa não engoliram essas versões e, por isso, nas invasões que promoveram, o alvo principal foram as representações diplomáticas do Quênia e da Grécia.

A captura de Öcalan atraiu atenção internacional para um conflito esquecido: a guerra travada nas montanhas do Sudeste da Turquia, um pedaço do chamado Curdistão. Na década de 70, Öcalan organizou o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) – que reacendeu a luta nacionalista. Sob o ideal de criar um Estado marxista-leninista, iniciou a guerra de guerrilha contra o governo turco, que sempre reprimiu a cultura curda, proibindo-os até o início desta década de falar o idioma e usar vestimentas tradicionais nas grandes cidades. Os turcos dizem que Öcalan matava rivais dentro do PKK que ameaçassem sua liderança. Ao mesmo tempo, sabe-se que a Turquia ataca civis curdos com frequência e já arrasou centenas de vilarejos.

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"Nós, turcos, acreditamos que com sua captura nos livramos do problema curdo também, o que não é verdade", disse Dogu Ergil, diretor da Fundação de Pesquisa para os Problemas da Sociedade, em entrevista ao The New York Times. De fato, a força da reação ao sequestro de Öcalan mostra que o sentimento nacionalista curdo está longe de arrefecer.


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