Assista ao depoimento de Denise Kiernan e confira também imagens dos testes atômicos feitos no deserto americano:

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EFICIÊNCIA
As trabalhadoras controlavam os reatores nucleares: elas não
tinham ideia de que estavam ajudando a fazer a bomba atômica

Com dois irmãos servindo o Exército americano e ainda a obrigação de pedir permissão à mãe para trabalhar, uma jovem de 24 anos conseguiu emprego como secretária no Projeto Manhattan, do governo federal, em Nova York. Lá, recebeu uma proposta de transferência: ganharia um aumento para ajudar em algo que colocaria fim à Segunda Guerra Mundial, em curso há quatro anos, desde 1939. Com a autorização da família, ela seguiu rumo ao desconhecido. Ao desembarcar em Oak Ridge, Tennessee, foi carregada no colo pelo motorista porque não queria pisar na lama. Naquele momento, a jovem que se recusava a estragar os sapatos novos começava a tomar parte em uma experiência que resultaria no extermínio de milhares de pessoas. Ela não tinha ideia de que as correspondências que digitava tratavam de algo tão importante. Nem ela nem os outros milhares de mulheres que têm suas histórias narradas no livro “The Girls of Atomic City – The Untold Story of the Women Who Helped Win World War II” (As Garotas da Cidade Atômica – A História Não Contada das Mulheres que Ajudaram a Vencer a Segunda Guerra Mundial, em tradução livre), escrito pela jornalista Denise Kiernan.

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Recém-lançada nos EUA, a obra conta como jovens do país inteiro foram recrutadas para as mais diversas funções no Site X, onde passariam a morar e a trabalhar em um dos três complexos do Clinton Engineer Works. Cada um deles usava técnicas diferentes para enriquecer o urânio a ser enviado ao Site Y, no Novo México, onde cientistas construíam as ogivas. Com os homens lutando na guerra ou trabalhando para outros setores da indústria bélica, elas participaram da empreitada motivadas pelos bons salários e pelo sentimento patriótico. Escrito em capítulos segmentados que aos poucos revelam o que acontecia por trás das cercas de arame farpado, com a formação de uma estranha estrutura social, o livro tem ares de realismo fantástico, num misto de boa literatura com pesquisa histórica reveladora.

As trabalhadoras começaram a chegar ao Site X em 1943. De faxineiras a cientistas, elas eram maioria no local, mas proibidas de alugar casas – coisa que só os homens podiam fazer – e tinham de viver em pequenos dormitórios. Mesmo que a ordem fosse de tratamento igualitário, negros viviam em alojamentos, sem direito a visitas.

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TOQUE FEMININO
A autora Denise Kiernan retrata a história de cientistas
a faxineiras que trabalharam no Projeto Manhattan

Havia mulheres em posições importantes, como a estudante recém-formada que dava aula de princípios básicos de química às outras e depois foi promovida a trabalhar no laboratório. Mas muitas vinham da zona rural e tinham apenas o ensino médio. Especialistas em enriquecimento de urânio, todos com Ph.D., ensinavam como controlar as alavancas de um grande painel – os reatores nucleares. E elas se saíam melhor que eles próprios, executando o trabalho com maior agilidade.

O Site X chegou a ter 75 mil trabalhadores. O hospital, criado com 50 leitos, ficou insuficiente para os mais de 300 pacientes. Homens e mulheres começaram a apresentar os sintomas da radiação, mas a pressa para pôr fim à guerra era maior que o interesse em estudar as consequências daquilo para o corpo humano. Quando a primeira bomba foi lançada sobre a cidade japonesa de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, o presidente americano Harry Truman agradeceu pelos esforços de Santa Fé, no Novo México, e Oak Ridge, no Tennessee. Só então as pessoas começaram a entender o que tinham feito ali.

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Fotos: James Edward Westcott / National Archives; Denise Kiernan