SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM

PERDIDO Fiel ao passado esquerdista, Haroldo Lima diz que nem sabe onde é a Bolsa

Algumas coisas só acontecem no Brasil. Um desses episódios estranhos aconteceu na segunda-feira 14. Em meio a uma palestra no IV Seminário de Petróleo e Gás, no Rio de Janeiro, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, anunciou que a Petrobras encontrou uma reserva gigantesca de 33 bilhões de barris na área Carioca, abaixo da camada de sal da Bacia de Santos, no que pode ser a maior descoberta feita no mundo nos últimos 30 anos. Lima fez a valiosa revelação às 11h15, em pleno horário do pregão da Bolsa de Valores de São Paulo. Antes mesmo do fim do evento, executivos presentes ao auditório da Fundação Getúlio Vargas ativaram seus celulares e difundiram as informações. O resultado não podia ser diferente: as ações da Petrobras dispararam na Bovespa e pelo mundo afora. Em São Paulo, depois de subir 9,54%, as ações ordinárias fecharam em alta de 7,67%. As preferenciais encerraram o dia com valorização de 5,62%. Em Nova York, os títulos da empresa subiram 8,26%. No meio da tarde, a Petrobras explicou que, para conhecer o real volume da descoberta, ainda será necessário furar novos poços. Mas a disparada dos preços já tinha ocorrido. Não havia mais como atenuar o impacto das declarações do presidente da ANP.

Criticado pelo vazamento de informação, Lima negou-se a fazer uma autocrítica. “Sou autoridade para falar e estava falando para um público especializado. Não sou subordinado à Comissão de Valores Mobiliários”, trombeteou. Sobre a valorização artificial das ações, ele deu um show de insensatez: “Isso não é problema meu. É um problema da Bolsa de Valores. E nem sei onde fica essa Bolsa de Valores.” É isso aí. O presidente da agência que fiscaliza os negócios com petróleo no País nem sequer sabe onde fica a Bovespa, uma instituição que negocia mais de R$ 6 bilhões por dia. Cabe também a Lima organizar as bilionárias licitações de novas regiões petrolíferas. Mas seu despreparo para o exercício dessas funções ficou claro. Lima é o homem errado no lugar errado. Militante histórico do PCdoB, chegou ao cargo por pressão do então presidente da Câmara, Aldo Rebelo, seu companheiro de legenda. Perdera a eleição para o Senado pela Bahia em 2002, e ganhou a vaga na ANP como prêmio de consolação. Aos 64 anos, Lima vem dos tempos em que o PCdoB considerava o folclórico ditador albanês Enver Hoxha um modelo a seguir. A economia da Albânia, então, tinha como destaque a criação de cabras. De Hoxha para a economia de mercado e a exploração off-shore em profundidade recorde, Lima passou por uma revolução e tanto.

Diante da trapalhada de Lima, a Petrobras tomou a cautela de negar a notícia. Informou que a perfuração no bloco BMS-9, explorado pela estatal (45%), com a britânica BG (30%) e a hispanoargentina Repsol YPF (25%), ainda está num estágio que não permite avaliação definitiva. Segundo o diretor de exploração da Petrobras, Guilherme Estrela, “em três meses, talvez, a gente possa ter as primeiras condições concretas de começar a pensar em estimativa”.

Lima tem sorte. Em países nos quais a legislação do mercado de capitais é mais rígida, dificilmente ele escaparia dos rigores da agência responsável pelo bom andamento dos negócios. Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Comission (SEC) é draconiana e já estaria no caso, para saber se houve manipulação nos preços e prejuízos aos investidores. No Brasil, porém, a CVM é bem mais complacente e limitou-se a lamentar “a divulgação de informações sobre companhias abertas por parte de pessoas que não fazem parte de sua administração”. Prometeu analisar se existem providências a ser tomadas. Advogados especialistas em Bolsa não encararam o vazamento com o mesmo distanciamento olímpico. Afirmam que Lima pode ser processado por manipulação de mercado e também por ter causado perdas a investidores. Para o advogado Laércio Pellegrino, “pode haver lesões ao público investidor por declarações precipitadas”. O Ministério Público Federal no Rio entendeu da mesma forma e iniciou investigação para apurar se houve crime nas declarações de Lima. Trata-se da primeira fase para a instauração de um inquérito. O presidente da ANP pode até afirmar que não conhece a Bolsa de Valores, mas não pode alegar que ignora a lei.