Uma das maiores certezas da ciência é a de que nada no Universo consegue ir mais rápido que a luz – que no vácuo sideral chega a 300 mil km/s. É uma velocidade tão grande que faz o brilho do luar cobrir a distância até a Terra em menos de dois segundos. Por isso mesmo, era inimaginável um freio capaz de brecar para valer tamanha velocidade. Na semana passada, porém, uma equipe de físicos americanos, liderada pela cientista dinamarquesa Lene Vestergaard Hau, conseguiu esse fato inédito e altamente promissor: reduziu aquela tremenda velocidade a meros 60 km/h, menos do que pode fazer um ciclista. A experiência foi tão bem-sucedida que se espera para logo diminuí-la ainda mais, chegando a 36 metros por hora, mais lento do que o passo de uma tartaruga.

O sucesso da experiência, tão inusitado, foi capa na prestigiosa revista científica Nature e virou matéria de primeira página do jornal The New York Times. "Nós estamos conseguindo reduzir tanto a velocidade da luz que podemos emitir um pequeno facho, sair para tomar um café e retornar a tempo de vê-lo chegar ao outro extremo do aparelho", declarou a cientista, que lidera a experiência na Universidade de Harvard, nos EUA. Ela e sua equipe disseram que essa vitória sobre um dos fenômenos mais difíceis de lidar na natureza abre usos bastante úteis na computação, comunicações, televisão e câmeras noturnas. Uma das características mais importantes da experiência é a de que não há transferência de calor do laser usado como fonte de iluminação para o meio extremamente frio em que a luz se propaga.

Isso, segundo explicou Lene Hau a ISTOÉ, pode ter um efeito estabilizador no funcionamento dos chamados computadores óticos, uma novíssima geração de máquinas extremamente potentes que utilizará a luz em vez dos átomos de silício dos chips convencionais. Um relê de liga-desliga – a base da linguagem binária do sim/não da informática – que empregar tal tecnologia poderá no futuro ser acionado apenas por um simples fóton (pacote infinitamente pequeno) de luz. Como tem acontecido nas últimas grandes vitórias da ciência, para conseguir tal feito a equipe de Hau se valeu de uma velha teoria que Albert Einstein e seu então colega Nath Bose idealizaram nos anos 30. Para reduzir a velocidade da luz em 20 milhões de vezes, Hau fez com que um feixe de laser atravessasse um conglomerado de átomos chamado "condensado Bose-Einstein", em um ambiente com temperatura de 273 graus Celsius negativos. Esses átomos ficam tão resfriados que mal podem se mexer, levando-os a se amontoar uns sobre os outros. A tal ponto que acabam se condensando em superátomos. Foram esses novos superátomos condensados que deram à equipe de cientistas o meio ótico de que precisavam para reduzir a velocidade da luz.

A velocidade da luz pode ser levemente reduzida por qualquer meio transparente, inclusive água, plástico e diamante. Essa pequeníssima redução de velocidade provoca um desvio dos raios de luz – é assim que funcionam as lentes de aumento. Mas, segundo explicou Lene Hau, quando atravessa um condensado Bose-Einstein a luz se comporta de maneira nunca vista. Não apenas a velocidade é reduzida, mas o índice de refração (que modifica a forma e a direção) se torna gigante, aumentando muito o controle que se pode ter sobre a luz. Isso significa dizer que nesse meio, chamado pelos cientistas de "quântico", a luz se comporta como se estivesse em câmera lenta.

A cientista dinamarquesa estima em dez anos o tempo necessário de aperfeiçoamento para que tal tecnologia esteja sendo utilizada comercialmente. Além da computação, prevê-se o seu uso em várias outras áreas técnicas como a dos aparelhos de visão noturna. Devido ao grau de manipulação da luz nunca antes atingido, será possível produzir um óculos noturno que "enxergue" nos mínimos detalhes tudo a sua frente como se fosse dia claro.

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