O diretor-geral da Polícia Federal, Vicente Chelotti, continua duro na queda. Sempre que seu emprego de xerife é ameaçado, recorre a um arsenal de segredos do poder e consegue manter-se no cargo. Com a cabeça colocada a prêmio pela cúpula do PMDB, escapou ileso da investida do ministro da Justiça, Renan Calheiros, na troca de guarda no começo do segundo governo FHC. Ganhou a sobrevida no comando da PF com uma misteriosa viagem ao Caribe, onde foi a pretexto da investigação sobre uma suposta conta do alto tucanato nas Ilhas Cayman. Chelotti mostra agora a mesma desenvoltura na queda-de-braço que vem travando com o chefe da Casa Militar, general Alberto Cardoso, pelo controle da Central de Inteligência da Polícia Federal. Bastou o general querer colocar os arapongas da Polícia Federal a serviço da Abin, a futura agência brasileira de inteligência, para Chelotti reagir e deixar o chefe da Casa Militar numa situação, no mínimo, constrangedora. De acordo com informações vazadas pela PF, são subordinados do general os principais suspeitos de terem grampeado os telefones do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) num escândalo que causou a queda do ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, e do presidente do banco, André Lara Rezende. A PF já pediu a quebra do sigilo bancário e telefônico de pelo menos três arapongas, entre eles Temílson Antônio Barreto de Resende, um especialista em grampo que trabalha no Rio de Janeiro como analista da Subsecretaria de Inteligência da Casa Militar. "Mandei abrir uma sindicância, que não conseguiu provar nada. Essa raça não costuma deixar rastros", justifica o general Cardoso.

Mesmo com o fiasco da sindicância interna, o chefe da Casa Militar está preocupado. Sem saber exatamente o que a Polícia Federal já conseguiu apurar, fez questão de consultar Renan Calheiros sobre a viabilidade legal de demitir arapongas envolvidos com o grampo no BNDES com base no decreto que facilita a exoneração de policiais federais que tenham praticado irregularidades. A eventual comprovação de que a espionagem no BNDES tenha sido feita por agentes do próprio governo pode atrapalhar a criação da Abin, na reta final da aprovação do projeto da agência no Congresso. Outro receio do general é de que o serviço de inteligência que comanda saia bastante desgastado desse imbróglio. Antes mesmo de o escândalo estourar, o chefe da agência de inteligência no Rio de Janeiro alertou o general Cardoso sobre a existência de gravações que comprometeriam o presidente da República. Mandou investigar. Além de não terem conseguido identificar os autores do grampo, os arapongas do general ficarão ainda mais expostos se o inquérito da PF apontar envolvimento de pessoal da inteligência militar. "Seja lá qual for o resultado do trabalho da PF, uma coisa eu garanto: não há envolvimento institucional nessa história. Nós aqui não trabalhamos com gravações ilegais", protesta o general, irritado com o vazamento sobre as investigações da Polícia Federal. "Eu quero uma Abin limpa. É como uma árvore, não pode nascer torta", completa.

O tiroteio entre Chelotti e o chefe da Casa Militar é antigo. Nos bastidores do governo, os dois trocam chumbo desde o escândalo do Sivam. Com o apoio da cúpula das Forças Armadas e até de lideranças do PMDB, como o senador Jader Barbalho (PA), Alberto Cardoso já tentou, mais de uma vez, derrubar o diretor-geral da PF. Sempre em vão. Recentemente, com a criação da Secretaria Nacional Antidrogas, vinculada à Presidência da República, partiu para manobras de esvaziamento das atribuições da Polícia Federal. A criação da Abin, com a centralização dos serviços dos arapongas na nova agência, pode ser outro golpe no poder de Chelotti. Hoje, entre todos os órgãos do governo federal, é a PF que tem o maior número de agentes trabalhando para o setor de inteligência. Como Chelotti costuma empurrar com a barriga as investigações delicadas para o governo, quem está com pressa de sair da berlinda é o chefe da Casa Militar. Alberto Cardoso está pressionando o ministro da Justiça para que o inquérito sobre o grampo chegue logo ao fim. "Determinei ao Chelotti a maior pressa possível na conclusão das investigações", diz Renan. É pouco provável que a ordem do ministro dê resultados efetivos. Tratando-se de uma investigação de governo sobre governo, a tendência é que tudo acabe mesmo em pizza e Chelotti ganhe mais munição para continuar como o xerife da PF.