Naquela sexta-feira 21 de julho de 1951, o rei Abdullah ibn Hussein al Hashem, da Jordânia, entrou na mesquita de al Aqsa, em Jerusalém. Entre o séquito que o acompanhava estava seu neto, o príncipe Hussein, então com apenas 15 anos, vestido com seu uniforme de oficial do Exército. De repente, um palestino sacou um revólver e atirou no monarca, que morreu quase instantaneamente. O assassino também alvejou Hussein, mas a bala ricocheteou ao atingir uma medalha que ele usava do lado esquerdo do peito. O jovem príncipe seria proclamado rei da Jordânia no ano seguinte, depois que seu pai, Talal ibn Abdullah al Hashem, foi declarado mentalmente incapaz. A sorte acompanharia Hussein durante a maior parte dos 46 anos de seu reinado, em que ele escapou de inúmeras tentativas de assassinato e golpes de Estado e governou a Jordânia num período turbulento, pontilhado por guerras e revoluções.

Mas na sexta-feira 5, o soberano que acabou se tornando um dos principais pilares da estabilidade daquela volátil região perdia a última de suas muitas batalhas, que travava desde 1992 contra um câncer linfático. Hussein, 63 anos, foi declarado "clinicamente morto" logo ao chegar a Amã, capital da Jordânia, depois de ter regressado da Clínica Mayo (Minnesota, nos EUA), onde três dias antes ele tinha sido submetido a uma fracassada cirurgia de transplante de medula. "O rei quer morrer em seu próprio país", confidenciou um ministro. Seu último ato como monarca foi dramático: em meados de janeiro, quando retornou a Amã depois de um tratamento de seis meses de quimioterapia nos EUA, Hussein destituiu o irmão Hassan da condição de herdeiro do trono jordaniano substituindo-o pelo seu filho mais velho, Abdullah, 36 anos. Embora o rei se dissesse curado, sua aparência marcada pelos efeitos da quimioterapia guardava pouca semelhança com a imagem daquele monarca jovial que o mundo acostumou a ver esquiando, pilotando seu próprio Boeing e esbanjando vitalidade no quarto casamento com a bela americana que se tornaria a rainha Noor. Uma semana depois de mudar o panorama sucessório, o rei voltou à Clínica Mayo para sua última jornada.

Hussein pertencia à "elite da elite" da Jordânia, segundo definição de seu avô Abdullah. Educado no Victoria College, em Alexandria (Egito), concluiu seus estudos numa escola particular em Harrow e graduou-se na Sandhurst Military Academy, ambas na Inglaterra. Proclamado rei com 16 anos, ele enfrentaria sua primeira e mais séria tentativa de depô-lo quando tinha 22 anos, em 1957. O movimento de oficiais nacionalistas se opunha às suas políticas moderadas, consideradas "pró-ocidentais". Outras tentativas se seguiriam, apoiadas pelos regimes pan-arabistas do Egito e da Síria, mas Hussein sobreviveu graças aos serviços de inteligência dos EUA, que operavam livremente na Jordânia. Em 1965, o rei nomeou seu irmão Hassan como príncipe herdeiro do trono Hachemita, uma dinastia cujas origens remontam ao profeta Maomé.

Sua pior hora foi a Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, quando embarcou numa desastrosa aliança militar com o então presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser. Israel derrotou os Exércitos do Egito, Síria, Jordânia e Iraque e ocupou Jerusalém leste e a Cisjordânia, então pertencentes à Jordânia. Como na primeira guerra entre Israel e os países árabes (1948), o reino Hachemita se tornou o refúgio de milhões de palestinos expulsos de suas terras. O resultado foi que o soberano viu seu país virar um santuário da guerrilha palestina, a tal ponto que o principal deles, a Fatah de Yasser Arafat, era um verdadeiro Estado dentro do Estado. Em 1970, num episódio que ficaria conhecido como "Setembro Negro", as tropas do rei reprimiram violentamente os palestinos e expulsaram a Fatah da Jordânia. A então primeira-ministra israelense Golda Meir disse que, se os palestinos depussessem Hussein, Israel o recolocaria no trono.

Durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973, o rei aceitou o conselho dos EUA e ficou fora da quarta guerra árabe-israelense, retomando conversações com o Estado de Israel. Mas, como bom enxadrista, Hussein também fortaleceria os laços com a URSS. Na guerra Irã–Iraque (1980-1988), a Jordânia ficou do lado de Saddam Hussein (que, aliás, não tem parentesco com o monarca), acelerando a integração econômica com Bagdá. Essa situação levaria o rei jordaniano a uma decisão que depois lhe custaria caro: o apoio a Saddam durante a Guerra do Golfo (1991). Esse "deslize", como foi entendido pelo Ocidente, foi ofuscado pelo firme engajamento do monarca no processo de paz entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina, em 1993. No ano seguinte, Hussein e o premiê israelense Yithzak Rabin poriam fim a 26 anos de beligerância. O último grande gesto do soberano jordaniano ocorreu em outubro último em Washington. Já debilitado pelo câncer, Hussein emprestou seu prestígio para apoiar os acordos de paz de Wye Plantation, entre Arafat e o premiê israelense Benjamin Netanyahu. "O primeiro-ministro, o governo israelense e todo o povo de Israel estão rezando pelo rei Hussein", disse Netanyahu na sexta-feira 5. O desaparecimento do último líder visionário do Oriente Médio tornará o processo da região um jogo muito mais complexo e perigoso.

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