i71328.jpgOito anos depois do escândalo da Flórida, quando o questionamento do resultado da votação no Estado resultou na recontagem dos votos e acabou na Justiça, deixando os americanos e o mundo com a sensação de que a eleição de George W. Bush tinha sido ilegítima, pouco mudou no processo eleitoral americano.

Todos os dias as tevês americanas mostram problemas com as máquinas de votação eletrônica. Sem confiança no sistema eletrônico, que nem de longe lembra a tecnologia de ponta utilizada no Brasil, os americanos estão voltando ao papel nestas eleições. O sistema manual, com leitura óptica – como o pagamento de uma conta no caixa eletrônico de um banco -, será usado por 58% dos eleitores na terça-feira 4 de novembro, quando os americanos decidem se o democrata Barack Obama ou o republicano John Mc- Cain será o próximo presidente dos Estados Unidos. "Comparadas a 2000, as coisas estão melhores, há mais transparência", disse à ISTOÉ a presidente do Conselho de Assistência Eleitoral (EAC), Rosemary Rodriguez. "Há uma probabilidade maior de que o voto seja contado do jeito que o eleitor votou", afirma.

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O EAC foi criado a partir de uma lei de 2002, em reação à confusão da Flórida, para ajudar os Estados a organizar as eleições e supervisionar o processo. Nos últimos anos, distribuiu US$ 3 bilhões aos Estados para que eles melhorassem o sistema.

A votação manual deve resultar num longo processo de votação – cerca de oito minutos cada eleitor – e de apuração. Dificilmente o resultado oficial será conhecido na mesma noite, a não ser que a vantagem seja grande e permita declarar o vencedor com a apuração parcial.

"Eu pedi à imprensa para ter paciência", conta Rosemary. A rigor, o processo eleitoral já começou, com o voto antecipado em mais de 30 Estados.

i71332.jpgNesses lugares, a legislação estadual permite que os eleitores votem antes da data oficial, sem necessidade de explicar o porquê da antecipação. O EAC espera que eles representem cerca de 30% do total, uma proporção bem maior do que em eleições anteriores, o que permitirá ter uma idéia da tendência dos votos antes da apuração geral. Mas o voto antecipado também não acontece sem problemas.

Na segunda-feira 20, duas semanas antes do dia oficial, eleitores esperavam até duas horas na fila para votar antecipadamente na Flórida.

Entre 160 milhões e 175 milhões de americanos estão aptos a votar na próxima semana, e espera-se um comparecimento às urnas bem maior do que em 2004, quando apenas 60% dos eleitores em condições de votar exerceram o direito. A presença de um negro e de uma mulher – a candidata a vice de McCain, Sarah Palin – na disputa deu um novo ânimo aos eleitores. Muitos jovens estão se preparando para votar pela primeira vez. Pessoas que não se sentiam parte do processo político agora participam. Entre as eleições legislativas de 2004 e as primárias deste ano, 36 milhões de eleitores se registraram. Em Ohio, um dos Estados estratégicos por não ter uma posição definida, o número de eleitores triplicou, para quatro milhões.

Para dar conta do entusiasmo dos americanos nestas eleições, o EAC estima que vai precisar de dois milhões de voluntários para trabalhar como mesários. Ao contrário do Brasil, onde o voto é obrigatório e o sistema é desenhado para punir quem não comparece às urnas, nos Estados Unidos o voto é opcional e as regras que regem o sistema muitas vezes desestimulam o comparecimento às urnas. Elas são definidas pelos Estados e as eleições são organizadas pelos condados – 3.077 em todo o país. Pessoas presas ou em liberdade condicional, por exemplo, estão proibidas de votar. Em alguns Estados o direito é restaurado após o cumprimento da pena. Em outros, não. O que deixa uma boa parte da população – em geral os mais pobres e entre eles uma maior proporção de negros – alijada do processo político. Mas há outros problemas. Pessoas que perderam a casa com a crise dos últimos meses estão tendo dificuldade para comprovar endereço. Assim como estudantes que vivem em residências universitárias. "Essas restrições podem impedir milhares de jovens de exercer seu direito ao voto", reclama Matthew Segal, diretor de uma organização em Washington que incentiva o voto entre os estudantes.

Outro ponto polêmico é o dia da votação, sempre na primeira terçafeira de novembro, um dia normal de trabalho. A escolha tem uma história curiosa: no século XVIII, quando o primeiro presidente foi eleito, a população do país era essencialmente religiosa e rural. A terça-feira foi escolhida para permitir que os americanos respeitassem o domingo e viajassem na segunda-feira para a cidade mais próxima, para votar no dia seguinte.

Na eleição deste ano, Michelle Jawando, diretora do programa de proteção eleitoral da organização People for the American Way, diz que o voto em papel dá mais confiança aos eleitores, mas alerta que muitos Estados podem ter problemas. "O voto antecipado vai ajudar muito, mas ainda assim esperamos longas filas no dia da eleição, porque muitos não estão acostumados com o processo", disse. A organização terá milhares de voluntários fiscalizando os postos de votação no dia 4.

i71334.jpgNa semana passada, Obama manteve uma vantagem de 7,5 pontos sobre McCain na média das pesquisas de intenção de voto. Pela média, Obama tem 50,1% de preferência do eleitorado e McCain, 42,7%. O cálculo do colégio eleitoral dá ao democrata 306 votos, com apenas 160 para o adversário republicano e 72 ainda indefinidos – entre eles a Flórida, com 27 votos no colégio eleitoral. É nos Estados onde a eleição ainda não está definida que os dois candidatos concentraram as atividades. Mas a batalha de mídia, na última semana, foi vencida pelo democrata. O apoio a Obama do ex-secretário de Estado Colin Powell, republicano histórico, foi um baque para McCain, que teve que enfrentar o assunto em todas as entrevistas que deu durante a semana. Powell rejeitou a associação de que apóia Obama porque ele é negro e disse que o candidato democrata "é uma figura transformadora" e representa "a chegada de uma nova geração ao cenário internacional". Do lado republicano, as notícias não foram positivas. A divulgação pelo site Politico de que o Partido Republicano pagou US$ 150 mil em roupas para Sarah Palin e família foi recebida com um misto de crítica política séria e ironia nos programas humorísticos. Até a divulgação de que as roupas tinham sido pagas pelo partido, a candidata a vice de McCain vinha sendo elogiada pela elegância.

A BATALHA DA VIRGÍNIA

 

 

É no Estado da Virgínia, vizinho à capital americana, que se trava uma das principais batalhas da eleição presidencial deste ano. Enquanto Washington é considerada um território democrata seguro – Bush teve apenas 10% dos votos em 2004 -, a Virgínia é um lugar com potencial de mudança. Desde 1968, os 13 votos do Estado no colégio eleitoral foram para os republicanos, mas as últimas pesquisas já indicam favoritismo para Barack Obama.

Em três salas apertadas num predinho antigo da Rua 8, perto da área de maioria negra de Washington, cerca de dez voluntários trabalham em laptops, organizando uma equipe de dezenas de pessoas que, com a eleição ganha na capital, se deslocam ao Estado vizinho para um corpoa- corpo com os eleitores em favor de Obama. Na recepção, a educadora Sammy Ellis atende uma ligação atrás da outra.

"Já trabalhei em seis Estados nas últimas semanas", conta ela. Não é a primeira vez que Sammy participa como voluntária.

"Mas, desta vez, a energia é diferente. É o momento", diz. O professor Charles Bibilos também conta que nunca tinha visto tanto entusiasmo numa campanha presidencial. "A maioria das pessoas que conheço estava desligada na última eleição. Agora está dando dinheiro, tempo, fazendo tudo o que pode", diz Bibilos.