A telefonia convencional está com os dias contados. Inventada por Alexander Graham Bell em 1876, não resiste a uma nova década. Será substituída por outra tecnologia que surgiu tímida em 1995, criada por micreiros sem dinheiro que queriam falar com amigos noutros países fugindo das tarifas cobradas por uma chamada internacional. A solução foi dar as costas à malha telefônica de companhias como AT&T, MCI (dona da Embratel) e Sprint (dona da espelho da Embratel) e transportar suas vozes pelo único meio a que tinham acesso, a Internet. Aqueles garotos resolveram escrever programas para converter palavras em dados de computador (e não impulsos elétricos como no telefone) e fazê-los trafegar na grande rede obedecendo o protocolo de comunicação da Internet, chamado IP. O passo seguinte foi plugar microfones no PC e começar a falar. Para fazer uma ligação, o programa tem que estar nas máquinas dos dois interlocutores. O som era entrecortado e muitas vezes inaudível. A compensação era conversar duas horas com a namorada em Nova York ou com o primo em Londres pagando US$ 3 e não os US$ 30 cobrados pela AT&T. Nascia a tecnologia de voz sobre IP, a telefonia via Internet. Foi o início da revolução que tornará o telefone um computador.

Hoje, ninguém perde tempo usando aqueles programas amadorísticos. Falar através da Internet continua tão ruim quanto antes. Aliás, pior, pois foi congestionada por milhões de internautas. Os jovens micreiros também saíram de cena, dando lugar às indústrias de telecomunicação, que fazem de tudo para ter acesso à tecnologia de redes. A Siemens fez uma parceria com a 3Com. A Nortel comprou a Bay Networks em 1998 por US$ 9 bilhões e a Lucent pagou US$ 21,6 bilhões há um mês pela Ascend. É o preço para crescer com o mercado, pois a transposição de voz para um ambiente de dados vai de vento em popa. Floresce nas intranets, as redes internas das empresas e bancos americanos, onde não há congestionamento e a transmissão é velocíssima, elevando muito a qualidade da conversação.

Num ambiente onde os funcionários têm acesso a PCs ligados em rede, faz sentido deixar que se comuniquem via intranet, principalmente se a conversa for entre filiais distantes. É só fazer as contas. Nos EUA, o minuto do DDD custa US$ 0,22 (R$ 0,36 no Brasil) e a mesma chamada via IP sai por US$ 0,03. Sabendo-se que as maiores empresas de lá gastam em média US$ 4 milhões por ano de telefone, imagine a economia que não farão convertendo sua comunicação para dados? Quem paga o pato são as telefônicas. Estima-se que a AT&T perderá entre US$ 620 milhões e US$ 950 milhões de receita em chamadas internacionais até 2001. Como não pode lutar contra a tendência, a empresa comprou em 1998 por US$ 5 bilhões a rede da IBM, provedora de acesso em 50 países, e passou a oferecer aos clientes a opção da telefonia IP cobrando US$ 0,09 o minuto. "É o aparelho ideal para pôr no quarto das filhas que passam o dia no telefone", brinca Carlos Carnevali, diretor da Cisco, que detém 60% do mercado mundial de equipamentos de conexão com a Internet. Seguindo o exemplo da AT&T, a Telefônica de Espanha oferece desde dezembro chamadas IP com 46% de desconto sobre a tarifa normal. E para atestar a importância de sua aposta na tecnologia IP, a AT&T fechou semana passada um contrato de exclusividade para oferecer serviços de telefonia na malha de cabos da Time Warner, dona de 33% (20 milhões de lares) do mercado de tevê por assinatura dos EUA.

Outra aplicação da nova tecnologia está nas centrais de atendimento 0800. Em vez de discar esse número, o cliente chama um provedor de acesso que converte a chamada em dados e a remete à intranet da empresa, que paga uma ligação local e não um DDD, além de poder colocar sua central onde bem entender. "Uma cadeia alemã de livrarias mudou a sua de Frankfurt para Miami, fugindo dos altos salários alemães", revela Roberto de Atayde Vicente, da Lucent. Um uso bancário está nos caixas eletrônicos. "Aquilo é um computador ligado em rede. Basta acoplar um telefone IP para torná-lo uma central de atendimento", explica Isabel Campos, da Nortel.

Por tudo isso, as projeções de uso da voz sobre dados são assombrosas. Saindo do zero há quatro anos, estima-se que 35% do tráfego internacional de voz será na forma de dados em 2005. "É um número conservador. Dentro da indústria, fala-se em 50% em 2003", diz Freddy van Laer, da Ericsson. "No Brasil, a coisa esquenta no segundo semestre", diz Luiz Sergio Neves, da Ascend, que em setembro testou sua solução de voz na Telefônica, em São Paulo. "Três bancos analisam nosso produto", acrescenta. Nada mais natural. Quando se fala em novas tecnologias de informação, o primeiro a adotá-las é sempre o setor bancário. Quando os sistemas estiverem implantados, as ligações poderão ser feitas com os novos webphones, PCs com cara de telefone que vêm com modem, monitor sensível ao toque e teclado para navegar na Web e usar correio eletrônico. Samsung, Alcatel, Philips e Casio disputam esse mercado, com produtos que custam entre US$ 300 e US$ 700, nos EUA. Chegam no País até o fim do ano e acima dos R$ 1.000. "Serão o menos diferente possível dos aparelhos convencionais. Não faz sentido reensinar a população a usar telefone", observa Rubens Christianini, da Siemens. Para fazer um interurbano de uma residência ou empresa que não possua rede interna, será preciso conectar o provedor. "Vamos nos acostumar a tirar o fone do gancho, ligar um número especial e então digitar um telefone em outro país", diz Isabel Campos, da Nortel.

Uma solução quebra-galho à venda nos EUA é o Aplio (US$ 199), dispositivo com cara de microfone para plugar entre o telefone e a tomada. Quando se faz uma ligação para outra pessoa que tem o mesmo dispositivo, o Aplio chama automaticamente o provedor de acesso e através dele completa a ligação. Assim, só se pagam impulsos locais. Mas o Aplio é um paliativo. A qualidade da voz é ruim, pois trafega na engarrafada Internet. Para os webfones não ficarem restritos às empresas e se disseminarem na sociedade, será preciso melhorar a transmissão de dados na rede. "É um problema mundial, que será resolvido em cinco anos", aposta Luiz Sergio Neves, da Ascend. Nesse meio tempo, se verá uma crescente competição da voz sobre dados com a telefonia convencional, que, a exemplo da AT&T, terá que derrubar tarifas para sobreviver. Assim mesmo, analistas consideram essa uma guerra perdida. No final, a nova telefonia prevalecerá. "Daqui 15 anos, tudo serão dados", diz Clério Aguiar, da Newbridge, produtora de equipamentos de rede.