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Na quarta-feira 27, em viagem à África do Sul para um encontro entre os Brics, o feitiço da antecipação da campanha presidencial atingiu a presidenta Dilma Rousseff. Quando um jornalista perguntou se o governo pretende estimular a alta dos juros para conter uma inflação que, mesmo em queda anual, se mantém longe do centro da meta fixada pelo Banco Central, Dilma deu uma resposta direta. Disse que a visão de enfrentar a inflação com juros altos é uma “política superada”, típica de quem defende “ um receituário que quer matar o doente” em vez de curar a doença.

Em tempos normais, essa resposta seria uma reação natural da parte de uma presidenta-candidata que, criada e formada no pensamento econômico desenvolvimentista, mantém índices exuberantes de popularidade graças a um nível positivo de emprego e consumo sem antecedentes históricos conhecidos. Em tempos pré-eleitorais, os cálculos são mais complexos, pois envolvem votos.

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Seja para cima, seja para baixo, as mudanças na taxa de juros costumam produzir alterações nos humores da economia – e tudo o que o Planalto deseja, no ano de 2013, é fazer o possível para manter o ambiente de recuperação dos primeiros meses, deixando para trás os números sombrios de 2011 e 2012. Acusada por vários analistas de mercado de mostrar-se complacente diante de uma ameaça de alta da inflação, a presidenta reagiu com dureza. Ainda na África, convocou os jornalistas para declarar que tinha ocorrido “uma manipulação inadmissível de minha fala.” Para reforçar, lembrou que já chegou a escrever artigos nos quais define o combate à inflação como um “valor permanente.” A mensagem da presidenta não é econômica, mas política. Se o combate à inflação é importante, a prioridade número 1 é crescer.

O debate sobre juros e crescimento se encontra no coração do governo Dilma desde 31 de agosto de 2011. Naquele dia, o Banco Central deu início a uma política de redução dos juros para patamares civilizados que rompia com tudo o que se vira até então, colocando o País para funcionar num compasso diferente. Em vez de garantir a estabilidade da moeda – pelo combate prioritário à inflação –, o que se fez foi investir no crescimento e na criação de empregos. Enxergando a espessa nuvem negra que se formava sobre a Europa, onde economias de aparência saudável começavam a desmoronar como peças de dominó, o governo estabeleceu a preservação da economia interna como sua prioridade maior. Foi assim que se produziu um arsenal de medidas que pareciam impensáveis há pouco tempo.

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Reclamada há décadas por boa parte dos empresários, o Planalto deu início à desoneração de grandes setores da economia, liberando recursos que poderiam destinar-se ao investimento. Ao se convencer de que não tinha competência para assumir trabalhos essenciais de infraestrutura, abriu gigantescas concessões públicas à iniciativa privada. Num esforço para estimular o crescimento, os bancos públicos foram à luta pela conquista de novos clientes, oferecendo crédito a juros tão convidativos que o setor privado foi obrigado a correr atrás para não perder antigos clientes. O resultado inicial foi um ano de transição difícil, em 2012, quando incertezas compreensíveis e a má vontade de interesses prejudicados se juntaram num ambiente de paralisia e desorientação. Mas o emprego foi preservado e a renda dos mais pobres não parou de subir. Para 2013, a maioria dos analistas projeta um crescimento entre 3% e 4%, patamar que, se for mesmo atingido, anuncia uma campanha presidencial confortável para o governo. Já no primeiro trimestre deste ano, as estimativas indicam que o crescimento pode chegar a 1,3%, número que, anualizado, poderia elevar as previsões para a faixa entre 4% e 5%.

Ao deixar claro que fará o possível para manter os juros baixos e só irá mudar de ideia se for convencida de que há outra saída, Dilma desfez apostas adversas e transformou convicções sólidas em improvisações de risco. Sua postura não é um simples ato de vontade. Há uma tendência geral de acomodação, a começar pelo setor de alimentos, beneficiado por uma supersafra na agricultura.

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O importante, do ponto de vista do governo, é o crescimento e, nesse capítulo, o Planalto aguarda uma recuperação na capacidade de investimentos na Petrobras, que mobiliza, sozinha, 70 mil clientes. Num cenário de retração universal de investimentos estrangeiros diretos, o Brasil tem reforçado sua participação nesse mercado. Perde em números absolutos, como todo mundo, mas ganha em participação relativa, o que acontece com poucas economias.

São dados que não ajudam o trabalho da oposição, ainda que seus porta-vozes se recusem a baixar a guarda. “A oposição não precisa de crise para chegar ao poder,” afirma o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), líder do partido no Senado. “A percepção das pessoas ultrapassa o economicismo vulgar. Existem outros fatores, e variáveis políticas, que também têm influência.”

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Um dos críticos agudos das relações entre o governo Dilma e grandes investidores, terreno essencial para se forjar uma política de crescimento, o engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros, antigo ministro no governo de Fernando Henrique Cardoso, observa que o Planalto enfrentou uma fase difícil de relações com empresários, mas, de uns tempos para cá, assumiu uma “nova postura”, capaz de estimular investimentos privados. Para Mendonça de Barros, “no caso das concessões de serviços públicos parece que o governo vai aceitar que os leilões sejam realizados com taxas de rentabilidade compatíveis com os riscos envolvidos.”

O preço que se paga pela antecipação da campanha presidencial é a transformação do debate político num divertido baile de máscaras, onde fatos se confundem com versões, a realidade é encoberta pelos desejos e fatos verdadeiros acabam misturando-se com lances de marketing. Em dezembro de 2012, coube ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fazer o lance inicial, lançando o “ pré-candidato” Aécio Neves para disputar a Presidência em 2014. Quatro meses depois, foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva dar o passo decisivo, confirmando a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição. Novas danças virão – naquela que promete ser a mais longa campanha presidencial da história. Ao desafogar a economia, Dilma conseguiu uma vantagem importante.

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Fotos: Montagem sobre fotos de AFP/Pedro Ladeira; Rodrigo Capote/Ag. O Dia; Sebastião Moreira/AE; Danilo Verpa/folhapress