ACM diz que não é consultado por FHC, acha a crise administrável e critica a possibilidade de o ministro da Saúde substituir Pedro Malan

Objeto da inabalável fé baiana, o Senhor do Bonfim tem sido chamado pelo presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), a dar uma ajuda ao Brasil nestes tempos de crise. Mas o santo anda ocupado. Ainda atende aos seus apelos de diminuir a dor pela morte do filho Luís Eduardo Magalhães, há nove meses. Na próxima semana, quando milhões de pessoas estarão em Salvador para passar o Carnaval, ACM vai tomar um destino oposto. Pela primeira vez, ficará longe da alegria dos blocos. "Para mim acabaram Carnaval, casamentos, essas festas em geral", desabafou ACM, em entrevista a ISTOÉ, no gabinete da presidência do Senado. ACM mantém um otimismo de quem já viu o Brasil sair de situações muito mais difíceis. Critica o presidente Fernando Henrique por ter criado muitos ministérios e aponta sua ironia contra o ministro José Serra, que, segundo afirma, tem mais influência sobre o governo do que ele próprio. Quando o assunto é a substituição do ministro da Fazenda, Pedro Malan, por Serra, ACM não perdoa: "Eu não posso dizer que seria desastroso, seria um erro do governo, não dele." Apesar de dizer que manda pouco, o senador manda bastante. E até o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, sabe disso. Inconformado por ter tido um pedido de audiência com FHC recusado, Marinho, um dos líderes da Cut, foi a ACM. Na frente do sindicalista, o senador ligou para o presidente e argumentou sobre a importância do encontro. A reunião foi agendada na hora. A seguir os principais trechos da entrevista.

ISTOÉ – A política econômica do presidente fracassou?
Antônio Carlos Magalhães

Eu não diria que fracassou. É óbvio que muitos dizem que se podia ter feito isso antes, o desenvolvimento, a flutuação do câmbio. Mas evidentemente os técnicos que estavam aí lutaram até o fim para evitar que se chegasse a isso. Não se podia fazer uma flutuação cambial nas vésperas de uma eleição em todo o País. Ficaria uma confusão tremenda.
 

ISTOÉ – O que nos trouxe a essa crise? Onde o governo errou?
Antônio Carlos Magalhães

 Na demora de fazer os ajustes, nos Estados que não se preparam para viver com aquilo que arrecadam. Os que se prepararam cedo, como é o caso da Bahia e do Ceará, não tiveram problemas maiores.
 

ISTOÉ – Mas da parte do governo federal, houve erro em algum momento do processo?
Antônio Carlos Magalhães

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Se você disser que houve um cochilo eu diria que foi no envio da mensagem da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). O governo devia ter previsto que o ano passado era um ano de eleição, consequentemente ano difícil de o Congresso funcionar em agosto e setembro. O governo podia ter enviado a modificação dessa emenda constitucional em tempo hábil
 

ISTOÉ – Se o sr. fosse presidente, o que faria para melhorar nossa situação?
Antônio Carlos Magalhães

Faria uma agenda positiva. Cheia de fatos importantes para o País, pois o governo tem o que mostrar e ainda não mostrou. Já fez muito nesses quatro anos e a divulgação foi menor do que as realizações. É preciso acabar com esse problema de só se falar no câmbio, só se falar no dólar, na Bolsa. Vamos falar sobre o fim da greve na Ford, vamos falar que os metalúrgicos serão atendidos.
 

ISTOÉ – E dá para falar isso?
Antônio Carlos Magalhães

 Uma hipótese muito provável é se reduzir o IPI, livrar os pátios dos automóveis e os empregados da Ford voltarem a seus trabalhos. Não permitir que as montadoras façam uma ditadura em relação a seus operários.
 

ISTOÉ – A deputada Maria Conceição Tavares (PT-RJ) fez um apelo ao sr. para que ajudasse a aprovar a reforma tributária. Essa será uma prioridade do governo?
Antônio Carlos Magalhães

É uma prioridade do governo e uma prioridade do Congresso. O Congresso vai fazer a reforma tributária no ano de 1999 para vigorar no ano 2000.
 

ISTOÉ – Em que ritmo ela vai andar?
Antônio Carlos Magalhães

 É um processo complicado, demorado, mas nós vamos tirar em seis meses. Tem que se fazer audiências com vários setores da sociedade, tem que harmonizar os interesses dos Estados, dos municípios e da União, que são totalmente díspares. Uma reforma dessa não é fácil. Vai exigir espírito público, muita inteligência e habilidade.
 

ISTOÉ – Qual tem sido o seu papel na crise? O presidente o tem escutado?
Antônio Carlos Magalhães

 Não. O presidente só me ouve nos problemas relativos ao Congresso e o Congresso não tem faltado ao governo. Nesta legislatura que está se findando o Congresso não faltou ao governo. As medidas todas foram votadas e essa convocação extraordinária, que a imprensa tanto reclamava, foi extremamente benéfica para resolver vários problemas graves que há muito tempo estavam aí parados no País.
 


ISTOÉ – O presidente perdeu colaboradores importantes como o deputado Luís Eduardo, o ministro Sérgio Motta, mais recentemente o ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros e André Lara Resende. O presidente está sozinho?
Antônio Carlos Magalhães

Não diria que o presidente está sozinho, mas podia ser menos solitário do que é. Aí é um problema dele pessoal, que escolheu seus interlocutores para conversar sobre os vários problemas do País. Talvez eu não conversasse com todas as pessoas que ele conversa, mas conversasse com muitos que ele conversa. Só que aumentaria meu leque.
 

ISTOÉ – O sr. acha que o presidente ouve muito setores paulistas e políticos de São Paulo?
Antônio Carlos Magalhães

 Esse é um vesgo que não é só desse presidente. Todos os presidentes têm que realmente ouvir São Paulo porque é o maior Estado da federação. Mas acho que há um exagero em relação a São Paulo, até na audiência para assuntos que são graves para o resto do País.
 

ISTOÉ – Quem manda no País, o sr. ou o presidente?
Antônio Carlos Magalhães

Quem manda no Brasil é o presidente Fernando Henrique. Eu não mando absolutamente em nada. Nunca dei um palpite na área econômica. Não tem lá ninguém posto por mim. Quando sei das coisas elas já aconteceram. Agora, sou amigo do presidente hoje, principalmente depois da morte de Luís Eduardo, tendo em vista o comportamento dele não só com Luís como também comigo. E acho que só tenho servido, e ele é testemunha disso. Os inimigos do presidente inventam que eu mando para poder tirar autoridade do presidente, mas não conseguem.

ISTOÉ – Passado este furacão, quais os planos imediatos do PFL?
Antônio Carlos Magalhães

O PFL procura se fortalecer nas eleições. O presidente Jorge Bornhausen é um excelente comandante. E acho que ele tem toda a habilidade para levar o partido unido até chegar a 2002. Isso não quer dizer que eu vá concordar com tudo o que Jorge Bornhausen queira, assim como também ele não concorda com tudo o que eu quero.
 

ISTOÉ – Nessa reforma ministerial a gente viu os primeiros sinais de divisão do PFL. Quais as perdas e ganhos desse episódio para o partido?
Antônio Carlos Magalhães

Eu não vi nenhuma divisão no PFL na reforma. Ao contrário, acho que nós conduzimos bem e os resultados foram ótimos. Até mesmo quando se dizia que Pernambuco não havia sido contemplado, Pernambuco teve a Caixa Econômica e agora colocou o superintendente da Sudene. Acho que Pernambuco até teve um bom quinhão. O Sul teve o seu através de Grecca, a Bahia teve através de dois ministros. O Nordeste teve, além da Bahia, o Sarney Filho no Meio Ambiente, pelo Maranhão.
 

ISTOÉ – Mas a queixa comum na época era que a Bahia estava saindo muito mais forte do que Pernambuco.
Antônio Carlos Magalhães

Enquanto se falava isso, o Marco Maciel estava emplacando o presidente da Caixa. Dizer que a Bahia estava mais forte acabou ajudando.
 


ISTOÉ – Quais os prováveis candidatos do PFL para 2002?
Antônio Carlos Magalhães

Confesso que não sei. Pode ser que algum governador se saliente como administrador e marche para ser candidato.
 

ISTOÉ – O sr. pode ser candidato?
Antônio Carlos Magalhães

Não digo nunca que é totalmente impossível, mas acho improvável. O meu candidato se foi. Era o Luís Eduardo.
 

ISTOÉ – Quem manda no PFL?
Antônio Carlos Magalhães

Ninguém é dono do PFL, mas como há uma hierarquia, quem manda é o presidente Jorge Bornhausen.

ISTOÉ – Fala-se no enfraquecimento e na saída do ministro da Fazenda, Pedro Malan. O que o sr. acha disso?
Antônio Carlos Magalhães

Isso tudo é especulação para enfraquecer a política econômica. O Malan é um grande negociador, é um homem muito respeitado nas instituições financeiras, principalmente em Washington, e seria um grave erro ele sair. Aliás, o presidente Fernando Henrique tem dito repetidamente que ele não vai sair. Mas sempre se especula. Basta ele ter uma reunião e todo mundo telefona para saber o que está havendo na casa do Malan. Ninguém pode conversar.
 

ISTOÉ – O PMDB pode estar ao lado do PFL em 2002?
Antônio Carlos Magalhães

Pode, como o PSDB também. Quem sabe?

ISTOÉ – Nesse caso o sr. toparia uma aliança com o Itamar?
Antônio Carlos Magalhães

O Itamar é PMDB e não é PMDB. Pelo seu temperamento, ele é só Itamar. O PMDB tem outros quadros importantes. Eu diria que o Itamar é um mal desnecessário.
 

ISTOÉ – Mas ele acabou desencadeando uma discussão importante e gerou uma reunião de governadores que apóiam o presidente.
Antônio Carlos Magalhães

ACM – E você acha que isso é bom? É muito ruim para o País. Ele não sabe medir até onde as coisas vão. Procure ver a cabeça de Itamar pelo seu secretariado. É tudo aquilo que não era aprovado no seu governo. Acho que Itamar deveria procurar o presidente, que foi muito bom para ele. Deu duas embaixadas para o Itamar comandar, a de Portugal e a da OEA. Isso é um presente muito bom para um político que está sem mandato. Está provado que ele deve gratidão ao Fernando Henrique. Ademais, não é minha idéia, mas achei muito boa: por que ele não é grato ao Fernando Collor que o botou na vice-presidência?
 

ISTOÉ – O ministro José Serra era um crítico ferrenho da política econômica que vinha sendo adotada. Com a queda de Gustavo Franco, as idéias de Serra saem fortalecidas?
Antônio Carlos Magalhães

Eu acho que ele sempre foi forte na medida em que é amigo do presidente. Ele é tão amigo que se deu ao luxo de dizer numa entrevista que passa mais idéias ao presidente do que o presidente a ele. Por aí você vê como o Serra é generoso com o presidente. Ele faz a cabeça do presidente, mas o presidente não pode fazer a dele.
 

ISTOÉ – Há muita especulação em torno do nome de Serra para o Ministério da Fazenda.
Antônio Carlos Magalhães

Eu não posso dizer que seria desastroso, seria um erro do governo, não dele.
 

ISTOÉ – Quem influi mais no governo Fernando Henrique, o sr. ou o ministro Serra?
Antônio Carlos Magalhães

O ministro Serra, com certeza.
 

ISTOÉ – O PSDB vota no sr. para a presidência do Senado?
Antônio Carlos Magalhães

Não tenho dúvida que sim. Não só os senadores, que são meus amigos, como também acho que o presidente Fernando Henrique esteja satisfeito com minha atuação.
 

ISTOÉ – A palavra de ordem é o ajuste fiscal, mas na hora de escolher o Ministério o presidente criou mais cargos do que tinha. Isso não é contraditório?
Antônio Carlos Magalhães

 Eu realmente faria mais enxuto. Acho que foram criadas estruturas demasiadas, o que aumenta a confusão na administração e o trabalho para se administrar esses vários setores criados.
 

ISTOÉ – O sr. mudou de opinião em relação à criação do Ministério do Desenvolvimento?
Antônio Carlos Magalhães

Não. Eu continuo contra. Não desejava que fosse criado, mas o presidente achava muito importante. É uma época difícil para o ministério ter êxito, independentemente de o seu titular ser muito competente. Mas vamos ajudar para ter êxito.
 

ISTOÉ – O sr. tem pedido ao Senhor do Bonfim pelo Brasil?
Antônio Carlos Magalhães

Eu tenho passado uma fase difícil da vida. Mas sempre peço pelo Brasil. Tenho passado muito sofrimento e até minha crença no Senhor do Bonfim ajuda a diminuir, mas infelizmente não passa.
 

ISTOÉ – O sr. tem pedido ao Senhor do Bonfim pelo Brasil?
Antônio Carlos Magalhães

Eu tenho passado uma fase difícil da vida. Mas sempre peço pelo Brasil. Tenho passado muito sofrimento e até minha crença no Senhor do Bonfim ajuda a diminuir, mas infelizmente não passa.
 

ISTOÉ – O sr. já viu o País passar por inúmeras crises. Esta é mais grave do que as outras?
Antônio Carlos Magalhães

Não. Já vi o País com uma inflação galopante, já vi problemas político-militares, vi a implantação do parlamentarismo como uma forma de evitar a posse de Jango, vi Juscelino passar por problemas graves, o rompimento do seu governo com o FMI. Depois vi a renúncia de Jânio Quadros, o regime militar, vi as eleições indiretas de Tancredo e a volta da democracia. Enfim, já vi tudo. De modo que essa não é a pior crise do Brasil. Entretanto há uma irracionalidade, sobretudo do mercado, que leva por contágio a elite brasileira a ficar assustada. Porque o povo, no fundo, não toma conhecimento disso. O povo sofre ou não o problema da cesta básica, sofre ou não o desemprego. O povo não entende o problema do dólar, não entende de flutuação cambial. O que nós temos que fazer imediatamente no governo é uma agenda positiva, de fatos que possam tranquilizar a Nação e criar perspectivas melhores para o futuro.


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