A nova turma de deputados e senadores que toma posse nesta segunda-feira 1º, vem disposta a influir na solução da crise do Plano Real. A princípio, o número de aliados não seria problema para o governo. O equilíbrio de forças permanece o mesmo da legislatura anterior, com a base de apoio tendo formalmente quase 400 dos 513 deputados da Câmara e 70 dos 81 senadores. O suficiente, por exemplo, para aprovar tranquilamente uma emenda constitucional, que exige o voto favorável de três quintos dos parlamentares. Mas a questão não é simplesmente numérica. Tanto oposição quanto os líderes dos partidos aliados deixam claro que o novo Congresso está disposto a provocar o presidente Fernando Henrique Cardoso para que ele repense todo o modelo econômico do País. "A oposição não se negará a dialogar com o governo. Mas esse modelo econômico já se esgotou. Negociar e sair da crise é procurar uma alternativa a esse modelo", avisa o líder do PT na Câmara, Marcelo Déda (SE). "A base de apoio do presidente Fernando Henrique já fez, está fazendo e vai concluir sua parte, aprovando tudo o que o governo pediu para sair da crise. Não se trata de ameaça, mas agora queremos ver resultados. Se o modelo se esgotou, vamos discutir um novo modelo. Seja lá o que for, mas não vamos ficar parados", completa o líder do PMDB, Geddel Vieira Lima (BA).

"Esse é o Congresso da crise", define o sociólogo e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos, Walder de Góes. Segundo ele, tanto os novos parlamentares como os que permanecerão da legislatura passada já estão mais do que convencidos de que a crise deve ser a tarefa urgentíssima do novo Parlamento. Com a intenção de mostrar para o País que fez seu

dever de casa e não pode ser responsabilizado pelo agravamento dos problemas do Real, deputados e senadores chegam dispostos a terminar o ajuste fiscal, aprovando o aumento da CPMF de 0,20% para 0,38% até o final de março. Depois disso, a prioridade será a reforma tributária. Mas se o governo quiser realmente levá-la à frente vai precisar de habilidade para desatar dois nós: os juros altos e o pacto federativo. "A nova agenda do Congresso é muito mais complexa. Os interesses envolvidos são muito mais bem-consolidados", alerta o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e professor de administração da Fundação Getúlio Vargas, Celso Napolitano.

Banho de humildade O ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) e seu colega de partido Walfrido Mares Guia (MG), ex-vice-governador de Minas, são o retrato dos novos parlamentares. Fleury e Mares Guia vão exercer seus primeiros mandatos. Porém, estão longe da inexperiência que costuma identificar novos congressistas. Ambos são de um partido governista, mas não poupam de críticas o governo. "Um banho de humildade não faria mal a ninguém. O governo errou ao não abrir o diálogo", afirma Fleury. Mares Guia, por sua vez, como a maioria dos empresários, reclama da política econômica e dos juros altos: "Os empresários querem investir. Aumentar impostos não resolve. É preciso diminuir as despesas e fugirmos logo dessas taxas de juros exorbitantes."

Os dois são parte dos 43% dos novos deputados no Congresso – a menor renovação de cadeiras do Parlamento das três últimas eleições. Em 1990, a troca foi de 62% e, em 1994, 54%. Com uma consistente bagagem política, alguns desses novos congressistas, como Fleury e Mares Guia, a ex-prefeita de São Paulo Luíza Erundina e o ex-deputado Aloízio Mercadante vão fazer questão de serem ouvidos pelo governo sobre possíveis medidas para dar cabo à atual crise econômica. Entre os 225 novos deputados, menos de 30% nunca exerceram cargo público. No Senado, esse número é de apenas 15%. São políticos que conhecem muito bem o processo e as barganhas políticas, são familiarizados com a máquina dos partidos, de governos estaduais e municipais e sabem ocupar espaços. Os novos congressistas são, em linhas gerais, menos fisiológicos e clientelistas e tendem a promover um debate de idéias mais ideológico. Fernando Henrique e seus articuladores que se cuidem. "Há uma melhora de qualidade na representação. Isso, sem dúvida, vai exigir mais esforços do governo na hora de negociar", analisa o cientista político David Fleischer.

Trabalho e capital Para desfazer o primeiro nó, o governo vai ouvir um coro inusitado. A bancada dos empresários vai se unir à oposição na hora de se queixar dos juros exorbitantes. Embora a bancada empresarial na Câmara tenha diminuído de 166 para 145 representantes, houve um aumento na qualidade de representação. Os empresários ganham mais voz com a eleição para deputado do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Moreira Ferreira (PFL-SP) e do presidente do Movimento Nacional das Bases Empresariais, Emerson Kapaz (PSDB-SP). Contra os juros, também vão chiar os sindicalistas, que ganharam mais representantes no Congresso, entre eles Luís Antônio Medeiros (PFL-SP), da Força Sindical, e no Senado, Heloísa Helena (PT-AL). Os sindicalistas prometem ainda falar alto em favor de um esforço nacional para a geração de empregos.

A relação de forças entre o governo central, os Estados e os municípios também promete ocupar o tempo dos congressistas. Na Câmara e no Senado, há um grande contingente de parlamentares que são ex-governadores e ex-prefeitos, tanto entre os partidos que apóiam o governo quanto na oposição. No Senado, quase metade dos senadores já governou seus Estados. Paulo Hartung (PSDB-ES) foi prefeito de Vitória e Saturnino Braga (PSB-RJ), do Rio de Janeiro. Na Câmara, Waldir Pires (PT-BA) foi governador da Bahia, Alceu Colares (PDT), do Rio Grande do Sul, e Lavoisier Maia, do Rio Grande do Norte. Com o País vivendo a mais aguda crise do pacto federativo dos últimos 50 anos, todos esses nomes serão fundamentais na definição de uma agenda de conversas e propostas sobre a federação.

 

Despedidas Mesmo com a baixa renovação, o Congresso perdeu alguns nomes importantes. Na esquerda, Marta Suplicy (PT-SP) e Sérgio Arouca vão fazer falta na Câmara dos Deputados. Outra despedida lamentada foi a do deputado Roberto Campos (PPB-RJ). Um dos mais respeitados economistas do País, o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e criador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em seu último discurso, elogiou o Plano Real, que classificou como "o evento desta década", mas defendeu as mudanças estruturais no Brasil, como a privatização de estatais, o fim dos monopólios e a reforma tributária, como a melhor receita para desanuviar "as nuvens negras e tempestades à vista". No final, reclamou da mesmice dos problemas brasileiros. "Quando cheguei ao Congresso em 1983, os temas candentes eram a moratória e a recessão. Dezesseis anos depois me despeço e os temas inquietantes voltam a ser a recessão e a crise cambial", lembrou Campos, que foi senador durante oito anos. "O Brasil continua sendo um país com um grande futuro em seu passado."

 

Uma trambicagem federal

 

GUILHERME EVELIN

Os novos parlamentares que se cuidem. Eles estão na mira de um mar de golpistas. Na legislatura passada, até o deputado Moisés Lipnik (PL-RR), dono de uma extensa folha corrida, caiu em um golpe engendrado dentro de seu gabinete. Lipnik, que não se reelegeu e já teve seu nome envolvido em denúncias que vão de estelionato à corrupção, foi surpreendido no final da campanha por uma avalanche de dívidas contraídas em seu nome pela secretária parlamentar Eliene Audrey Corrêa. O deputado acusa a assessora de ter usado uma procuração para dar-lhe um prejuízo de quase R$ 100 mil. Ele só conseguiu resgatar três cheques emitidos por Eliene, no valor de R$ 5.030, que estavam nas mãos de um agiota conhecido no Congresso. Trata-se de Antônio Gonçalves de Abrantes, que é garçom no restaurante da Câmara.

Outro incauto foi o deputado Sérgio Carneiro (PDT-BA), que amargou uma fatura de R$ 118 mil em passagens aéreas emitidas sem o seu conhecimento pela sua ex-chefe de gabinete Corália Jucy Teixeira. "Só limpei meu nome porque amigos me ajudaram", conta Carneiro, que também não se reelegeu. O deputado faz um mea-culpa por não ter controlado a emissão de passagens, constante foco de malandragens. Nas dependências do Legislativo existe um comércio clandestino onde os bilhetes são vendidos com deságio de até 70%.

Pelo menos 25 parlamentares já caíram no golpe das passagens. Entre eles, Jacques Wagner (PT-BA), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e o ex-ministro do Meio Ambiente Gustavo Krause, quando era deputado, em 1993. "Isso só acontece com trouxa", diz o deputado Paulo Paim, terceiro-secretário da Câmara e responsável pelo gerenciamento da cota de passagens. Por mês, os parlamentares têm direito a crédito de R$ 3.200, em média, para passagens aéreas, além de R$ 3.019 para despesas com correio e telefone. Nem todos controlam essas verbas, abrindo brechas para falcatruas. No mercado negro do Congresso circulam até selos. Além do prejuízo em dinheiro, o deputado Lipnik acusa a assessora Audrey de ter-lhe roubado 48 mil selos. "Tudo que fiz foi com o consentimento do deputado", diz Audrey. Ao ser demitida, a ex-assessora, que responde a processos por peculato, levou cópias de recibos de remessas de dinheiro do ex-chefe para Miami. Lipnik não comenta o assunto. Terminado o seu mandato, ele perde a imunidade parlamentar. Chefe e ex-subordinada vão travar sua batalha na Justiça comum, sem privilégios de fórum.