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Pobre Guy Ritchie. Além da atual fama de marido traido, o ex de Madonna carrega há anos uma outra pecha: a de ser um imitador do cineasta americano Quentin Tarantino. A acusação vem do fato de ele ter se especializado em filmes de gângsteres cujas tramas são marcadas por trapalhadas e confusões, temperadas pelo humor cool e debochado. Foi assim com Jogos, trapaças e dois canos fumegantes (1998) e Snatch – porcos e diamantes (2000). A mesma fórmula se repete agora em Rocknrolla – a grande roubada (16 anos), que estréia na sexta-feira 31. Uma história acontece numa Londres atravessada pela atual especulação imobiliária e, mais uma vez, repleta de abilolados bandidos de quinta categoria, mas sempre descolados, muito bem vestidos e com tiradas pouco habituais nesse tipo de gente. Apesar disso, a sensação que se tem ao ver o filme é que, sim, Ritchie cunhou um estilo. E se permite até a auto-ironia. Numa cena em que um dos protagonistas, o bandido Um Dois, interpretado por Gerard Butler, tira para dançar a mulher fatal Stella (Thandie Newton) – aliás, a única mulher escalada, e isso também já virou um estilo – assiste-se a uma engraçadíssima coreografia ao som de uma música desconhecida dos anos 1970, com os diálogos entre os dois aparecendo em balões à maneira dos quadrinhos. Tal e qual Tarantino. Mas a assinatura final traz um traço bem reconhecível.

i71202.jpgO fato é que Ritchie está melhor sem Madonna. O seu cinema, que vinha em ritmo assombroso – Jogos, trapaças foi a terceira maior bilheteria inglesa e Snatch teve Brad Pitt no elenco –, caiu a zero quando ele se casou com a cantora. A parceria entre os dois, na refilmagem de Destino insólito (2002), da diretora italiana Lina Wertmuller, sobre o encontro entre uma mulher sofisticada e um homem rústico numa ilha deserta, foi um vexame. Faturou apenas US$ 600 mil nos EUA (custou US$ 10 milhões) e foi lançado na Inglaterra apenas em DVD. O título seguinte, Revolver (2005), que os entendidos no assunto dizem ser influenciado pela cabala, também não foi bem na bilheteria. Os bons ventos agora sobram para Rocknrolla, grande sucesso do outono londrino. E aproveitando o momento favorável, Ritchie já está filmando na Inglaterra Sherlock Holmes, com Robert Downey Jr. no papel do detetive, e Jude Law vivendo o secretário Watson. A produção é de Joel Silver, o nome por trás dos arrasaquarteirões Matrix e Duro de matar.

i71203.jpgi71206.jpgMesmo assim, a crítica de seu país continua impiedosa com seus trabalhos. O jornal The Guardian, por exemplo, fez uma resenha do mais recente em que debochava dos diálogos cockney (jeito de falar das classes mais populares, como dizer “rocknrolla” em vez de “rock’n’roll”) usados pelos personagens e pelo narrador da história. O autor escreveu toda a matéria nessa gíria. A comédia policial, contudo, é bem agradável de se ver. Segue a trajetória de um mafioso à moda antiga, Lenny (Tom Wilkinson), que tenta facilitar um negócio imobiliário de sete milhões de euros para um empresário russo do setor de futebol. O milionário executivo está interessado em transformar em estádio um terreno numa área deteriorada da cidade e, traiçoeiro, não mede os métodos cossacos: por duas vezes tenta envenenar Lenny com uísque “batizado” e tem entre seus capangas dois mercenários que ficam discutindo a origem das enormes cicatrizes no corpo.

 

i71210.jpgi71208.jpgA confusão é armada quando o russo empresta para Lenny seu amuleto de sorte, uma pintura caríssima que o espectador infelizmente não vê – pela moldura entalhada em rococó, poderia ser impressionista ou, quem sabe, um Picasso da fase azul ou rosa. Enfim, essa tela é roubada pelo enteado do mafioso, Johnny Quid (Tobby Kebbell), um roqueiro viciado em crack, e começa a passar de mão em mão no submundo londrino. Esse itinerário da pesada inclui um estúdio de gravação, uma boate alternativa e um porão onde se reúne um bando de gângsteres pé-de-chinelo do qual faz parte o trio Um Dois, Mumbles e Handsome Bob. Acusado de homofóbico por Christopher Ciccone no livro Life with my sister Madonna, Ritchie dá o troco e coloca em cena um gângster gay, o Handsome Bob, que em nenhum momento é vítima de preconceito. Às vésperas de ir para a cadeia, ele se revela para o amigo Um Dois e lhe propõe uma noite de despedida. A prisão acaba não acontecendo e o episódio vira piada entre os amigos. O que se passou naquela noite ninguém também sabe e arranca gargalhadas da platéia ao ser revelado ao final.